Virgens Suicidas é a mais recente criação do Colectivo 84, o grupo dirigido por John Romão e Mickael Oliveira, responsáveis pela encenação e o argumento, respectivamente. Tivemos a oportunidade de assistir a um ensaio e ter uma conversa com o encenador que nos ajudou a desvendar as linhas centrais por de trás desta criação altamente conceptual.
O espectáculo é inspirado no texto homónimo de Jeffrey Eugenides, adaptado para o cinema por Sofia Coppola, e na novela Mine-Haha, de Frank Wedekind – obras com criadores do sexo masculino que se debruçam, no entanto, sobre o feminino e o seu lugar na sociedade –, e em tudo o que caracteriza observadores externos na sua incapacidade de compreender completamente uma experiência que nunca será sua.
Apesar destas inspirações, a peça extravasa esse âmbito, até porque não pretende ser um trabalho realista que represente o cenário actual que vivemos no presente. Em vez disso, Virgens Suicidas quer levar-nos para um ambiente distópico de repressão e submissão. Embora tenha no elenco principal unicamente personagens do sexo feminino, a inclusão de um rapaz no grupo secundário leva esta distopia para terrenos onde se almeja a criação de um novo humano, já libertado das caixas de género dos nossos tempos, tornando-se uma peça mais abrangente e contemporânea que os trabalhos onde se inspira.
Usando uma linguagem conceptual, composta por símbolos e referências, a peça debruça-se sobre o dia-a-dia de um grupo de alunas de uma turma que se comporta à maneira de antigos agrupamentos de jovens como a Juventude Hitleriana ou a Mocidade Portuguesa Feminina.
A hierarquia rígida que comanda todo o sistema onde as jovens estão encarceradas encontra reflexo na veterania do elenco principal, as professoras – representadas por Luísa Cruz, Vera Mantero e Mariana Tengner Barros –, que se contrapõe com a juventude do elenco secundário, as alunas – elas próprias jovens ginastas de várias instituições. Com disciplinas marcadamente físicas e corporais e o estudo dos valores passados, as alunas estão constantemente sob olhar atento das suas professoras, que dispõem de todo o seu tempo e até do seu corpo, examinando-as de forma minuciosa.
É nesse cenário de falta de controlo sobre as suas escolhas, de manipulação no sentido de um futuro desconhecido, limitado entre interesses superiores, que se cria a sensação que o próprio corpo é o único local em que podem intervir e mesmo assim, sem total liberdade, e se geram pulsões de morte e desejo sexual que procuram colmatar um vazio existencial.
No fim, assistimos a uma abordagem quase niilista de uma tentativa de tomar o controlo e escapar de um ciclo sem significado, em que a competição se torna um fim em si mesmo, e os personagens vivem numa constante ansiedade para serem o escolhido de um sistema desprezível que os mantém subjugados.
A peça foi tomando diversas formas até chegar ao seu estado final, pelo caminho teve inclusive uma antestreia em Castelo Branco há um mês numa versão completamente diferente. A experiência de todos os intervenientes e as ideias que de ela resultam, vão sendo ouvidas e o texto reescrito para melhor comunicar a ideia central da encenação.
Apesar dos temas crus e sensíveis que são tratados na peça, a visão fresca de jovens já despertos para certas temáticas tão mediatizadas, mas que ainda se encontram, tal como os personagens, com o futuro tão desconhecido e sem um total domínio de todo o espaço que ocupam e o seu corpo, fortalecendo a sua relação com o texto e tornando a interpretação mais verdadeira e forte.
Este trabalho que estará em cena na Culturgest entre 15 e 18 de Janeiro, e 24 e 25 de Janeiro no Teatro Municipal do Porto. O número reduzido de apresentações é habitual neste tipo de co-produções em que a programação das salas obriga a uma vida curta em cena, mas existem planos para levar a peça a outras paragens como Braga, ainda em Maio deste ano.
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