Olá, eu sou o Jorge Félix Cardoso e esta é a Qu’ouves de Bruxelas EXTRA, uma edição especial da newsletter Qu’ouves de Bruxelas para reportar os resultados das Europeias 2019.
Os Estados-Membros e as eleições
As expectativas eram sombrias, mas o sol brilhou entre as nuvens. Com uma participação inesperadamente alta, tendo a participação derrotado a abstenção pela primeira vez desde 1994, a União Europeia, enquanto projecto político, consegue cantar vitória. A isso acresce a fraca prestação das forças anti-UE, que mantêm sensivelmente a mesma “força” que tinham.
Resumos da noite do Ryan Health, Politico, Dalibor Rohac, Politico, Alberto Nardelli, BuzzFeed, Gideon Rachman, Financial Times, e da redação do Público. E também dos nossos amigos do outro lado do Atlântico. E as minhas próprias notas, no DN.
Alterações de monta? Algumas. Os dois partidos “grandes” perdem, pela primeira vez na história, o monopólio conjunto do Parlamento Europeu. Os grandes vencedores são o grupo dos Verdes, que passa a ter cerca de 70 MEPs, e o grupo dos liberais, que passa a barreira dos 100. Com a fragmentação da aritmética parlamentar, é capaz de ficar mais difícil fazer acordos, mas é também capaz de ficar mais visível o lado político da União. Haverá alternativas, haverá diferenças, haverá escolhas. Não será mais pão sem sal.
Uma última nota: em alguns países onde é possível ver as tendências de voto por faixa etária, vemos de forma muito clara os partidos verdes a ganhar. Revolução em curso? Salvaremos o planeta? Depende. A leste e a sul, a onda verde dá lugar a um deserto.
O Politico falou-vos de todos os países aqui. Eu deixo alguns destaques meus:
Alemanha: os Verdes têm resultado histórico e conseguem roubar o segundo lugar ao SPD, que sofreu uma derrota pesadíssima. A CDU não tem o resultado forte do costume e a AfD, apesar de melhorar de forma significativa em lugares, piora relativamente aos seus melhores resultados eleitorais. O Governo em GroKo pode estar em risco.
Espanha: os resultados das legislativas do mês passado repetem-se. PSOE ganha destacado e torna-se o maior partido dentro do grupo dos socialistas europeus, fortalecendo as suas hipóteses de destronar a Itália como 3º país da União (atrás de França e Alemanha). O Vox, apesar de estas serem eleições mais propícias a protesto, perde parte do sucesso das legislativas.
França: vitória renhida de Le Pen sobre Macron, que precisa de ser posta em perspectiva: é, na verdade, uma derrota para ambos. Le Pen teve um resultado pior que o de 2014, e Macron não consegue manter a sua narrativa de paladino pela UE contra os extremistas.
Grécia: as europeias provocaram a queda do Governo de Tsipras, depois de uma vitória do ND de Mitsotakis.
Itália: um dos únicos países onde a narrativa dos extremistas se verificou por completo. Salvini teve uma vitória enorme – 34,5% e o M5S ficou reduzido, muito reduzido. Para além de Salvini, também os Fratelli D’Italia, ainda mais à direita de Salvini, conseguiram 5 eurodeputados. Uma boa notícia? O PD, de centro-esquerda, e último grande partido moderado, conseguiu recuperar parcialmente. Mas o humor é sombrio.
Países Baixos: com uma relevância reforçada por serem o primeiro país a apresentar sondagens boca de urna, levaram a que muitos pensassem que os socialistas poderiam surpreender. O efeito Timmermans, Spitzenkandidat dos socialistas, conseguiu destronar Rutte e o seu VVD.
Polónia: o partido do Governo, PiS, que tem tentado interferir com a independência dos tribunais na Polónia, reforçou a sua maioria. É agora o líder claro do grupo dos conservadores no Parlamento Europeu, sobretudo tendo em conta o desaparecimento dos Conservadores britânicos. É um rude golpe para o Estado de Direito na Polónia. Mas… nem tudo é mau. Atenção, a Biedron e ao seu partido de esquerda, pró-UE e com uma plataforma forte de ativismo LGBTQ+.
Reino Unido: o partido start-up de Farage conseguiu uma vitória em toda a linha e os partidos do regime desapareceram. A ironia é deliciosa: o Brexit Party será o maior partido do Parlamento Europeu. O Tim Bale acha que o Reino Unido está cada vez mais europeu.
Outros: Áustria, Bélgica, Roménia.
E Portugal? Não falo de Portugal? Não. Se eles não falam de Europa, eu não falo deles. #sorrynotsorry (além disso, essa informação já vos deve ter inundado as caixas de entrada e os feeds nos últimos dias).
O pós-eleições
Começa hoje a dança das cadeiras. Primeiro reúnem-se os partidos do Parlamento Europeu, depois os líderes do Conselho. O Presidente da Comissão será nomeado pelo Conselho e eleito no Parlamento. À partida, seria suposto seguir o método do Spitzenkandidat, mas alguns (nomeadamente a ALDE) já fizeram soar os alarmes da discórdia. Podem ler, em português, o João Francisco Guerreiro, ou a Rita Siza, ou ver a Susana Frexes.
O PPE continua confiante: “We go into the talks with humility, but also with self-confidence”, disse o director de campanha, Dara Murphy.
O PSE também: “We reaffirm the central role of the European Parliament in the process”, disse um porta-voz dos socialistas europeus.
Os Verdes Europeus também: “The anti-Spitzenkandidat game is in my mind a game against the European Parliament and that’s why we hate that”, disse Bütikofer, eurodeputado dos Verdes.
A verdade é que, somados, estes três têm maioria no Parlamento Europeu, que corresponde a 376 lugares. No entanto, não têm maioria no Conselho Europeu.
Podem ver aqui algumas das coligações possíveis num gráfico que “pesquei” em @EuropeElects:
O Politico avisa, na sua newsletter, que pode sair do jantar de hoje uma lista de requisitos para o cargo, e que nessa lista pode constar “experiência executiva”, arrasando assim as hipóteses de Weber. Há também rumores sobre uma possível lista com nomes – onde Macron quer incluir Barnier, que até terá o apoio irlandês.
Muita atenção para possíveis alterações dos grupos parlamentares. Cito um artigo já linkado acima, do Politico: “Macron’s intention to build an anti-Weber coalition seemed to be confirmed by news that he and Sánchez would meet again Tuesday for lunch with an expanded group: liberal Prime Ministers Mark Rutte of the Netherlands and Charles Michel of Belgium, as well as Portuguese Prime Minister António Costa, who is a Socialist.”
Tudo isto pode falhar, e pode ser preciso trazer alguém de fora do arranjo institucional habitual. Hoje arrisco um palpite: atenção a Kristalina Georgieva, CEO do Banco Mundial. É mulher, de leste, e com enorme experiência e capacidade.
A despedida (mesmo)
Esta foi a Qu’ouves de Bruxelas Extra. Espero que este seja o começo de 5 anos de maior atenção a Bruxelas. Precisamos urgentemente de saber o que estamos a fazer na UE.
Deixo, como bónus, uma lista dos perfis de Twitter dos eurodeputados, compilada pelo @rguilhermea, e uma lista dos perfis de Twitter dos correspondentes portugueses em Bruxelas.
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