A definição de rádio local está intimamente ligada a diversas ideias que automaticamente surgem no nosso pensamento. Simpatia, idosos, música ligeira, discos pedidos, ruralidade e fora de moda são palavras ou conceitos que alimentam o nosso preconceito sobre algo que no fundo nem conhecemos assim tão bem. Havendo algum fundo de verdade em algumas destas concepções, o modo de fazer rádio local está a mudar, tal como o público-alvo destas emissoras é hoje diferente.
Como tal, existe hoje um espaço renovado para que vozes de qualidade ofereçam outros tipos de programas, mais atraentes para outros tipos de pessoas. Não há substituição de conteúdos, há alternativas complementares. Foi nesta lógica que o Shifter visitou a Rádio Voz de Alenquer, a rádio mais ouvida da zona Oeste, para conhecer Bruno Neves e Margarida Gaspar, autores e criadores do programa Quinta Avenida.
Quinta-Feira, 22 horas. Arranca mais um Quinta Avenida com os locutores do costume. Bruno e Margarida abrem as hostes e felicitam os ouvintes, apresentando-lhes o programa das festas para hoje. Além das rubricas habituais, “Isto ou Aquilo”, “Palavra do Dia” e “Pedra, Papel, Tesoura” (segmento de humor no programa), recebem dois convidados para falar de uma peça de teatro em exibição na vila de Alenquer. O discurso é informal e impacta directamente em quem está a ouvir. Ali estão duas pessoas com uma química profissional inegável que pretendem partilhar com o ouvinte aquelas duas horas de entretenimento.
O casal Bruno Neves e Margarida Gaspar não são desconhecidos do público digital. Foram protagonistas no episódio 5 de “Sou Menino para Ir” de Salvador Martinha, onde convidaram o humorista a fazer um programa com eles. “À Trois” (nome do episódio) teve de tudo. Desde a preparação do programa com jingles originais, passando por convidados como Rui Sinel de Cordes, até à surpresa final a uma ouvinte, auxiliados por Diogo Piçarra. Além da dimensão alucinante deste programa, tudo se torna mais especial quando a estreia do Quinta Avenida aconteceu precisamente no mesmo dia. 15 de Fevereiro de 2018 marcou o inicio deste projecto e logo com um baptismo de fogo com a gravação da série de Salvador Martinha.
Quase a celebrar um ano de aniversário, o Quinta Avenida surge na confluência dos programas dos dois locutores. Bruno Neves colabora com a Rádio Voz de Alenquer há cerca de 10 anos. Durante 8 anos, foi chefe de operações do “Kota”, programa semanal que rapidamente se tornou num projecto próprio e individual. Através de um convite de um amigo, começou a sentir o bichinho da rádio e deixou-se levar. Em conjunto com o sonho da locução e da animação, veio a formação em Ciência Política e Comunicação e um estágio na RDP onde pôde aprender diversas valências nas diferentes rádios do grupo público.
Margarida Gaspar está na Rádio Voz de Alenquer há 7 anos. Tudo começou em 2011 através de uma experiência de Verão, que condicionou de forma positiva o futuro. “Mais do Que Palavras” esteve no ar todos os domingos ao final da noite durante 6 anos. Ao longo deste tempo sentiu que as capacidades sociais e de comunicação iam evoluindo de uma forma automática, muito por culpa da participação na rádio. Esta clivagem indicou o caminho da Comunicação Social no ensino superior, o mestrado em Jornalismo e também a experiência de estágio na SIC durante 6 meses.
Ambos partilham ao Shifter um sentimento em sintonia. Após tantos anos no ar com programas individuais atinge-se um certo ponto de saturação que “obriga” a uma solução conjunta. A adrenalina e as emoções que um programa de rádio proporcionam são elevados a outro patamar quando resultam de uma química partilhada. Bruno e Margarida trabalhavam na mesma rádio e não se conheciam. Um dia num casting para uma rádio nacional, começaram a falar e perceberam a quantidade e qualidade de elementos que tinham em comum. Rapidamente juntaram esforços, aliaram a vida pessoal e profissional e puseram no ar o Quinta Avenida.
As dúvidas existiam e estavam presentes na cabeça de ambos. Até que ponto um casal fora do ar, conseguiria trabalhar lado a lado todas as quintas feiras, nunca beliscando o profissionalismo que se exige. Os meses foram passando e a química profissional foi sendo trabalhada até atingir um ponto de piloto automático. Quem assiste a um programa percebe que naquele espaço as dimensões pessoais e profissionais não se tocam, existindo respeito e rigor pelo espaço um do outro.
Há 11 meses em actividade, tentam fazer diferente e trazer para a rádio um público diferente. Em primeiro lugar, o Quinta Avenida fala num tom informal, como dois jovens amigos a conversar sobre este ou aquele tema. Depois, a música que se ouve é escolhida pelos próprios locutores e portanto adequada a um target mais jovem. As redes sociais do programa e da rádio funcionam como a ponte que liga os ouvintes aos locutores e que rapidamente estabelecem uma conversa em discurso directo. Por fim, e quando há convidados, a conversa toca em pontos que inevitavelmente proporciona identificação em faixas etárias mais juvenis.
Programa de jovens para jovens, portanto? De maneira nenhuma. Bruno e Margarida sentem-se contentes quando lêem que uma pessoa mais velha está a ouvi-los e a gostar daquilo que estão a fazer. A oferta de algo diferente da retórica da Rádio Voz de Alenquer não limita quem ouve. O Quinta Avenida contribui desde já, de forma inegável, para uma melhor oferta cultural em Alenquer. Através da presença no “Sou Menino para Ir”, mas também com parcerias com iniciativas de cidadãos como “Comédia na Vila”, conseguiu proporcionar espectáculos de humor aos habitantes do concelho. Se isto é quantificável e auferível, o aumento de reputação da palavra Alenquer junto desta classe não o é. Assim, e assente num trabalho sólido e profissional de cidadãos empreendedores, a vila está hoje na rota cultural de diversas actuações, como shows de stand up comedy.
A história de Bruno e Margarida é uma narrativa de amor, em várias dimensões. Ambos estão em antena todas as quintas-feiras às 22h por amor à causa e à rádio. “Orientamos a nossa semana pela quinta-feira” é uma frase dita pelos dois que confirma a importância da rádio em cada quotidiano. Num mundo cada vez mais zangado e sensível emocionalmente é importante dar destaque a histórias de pessoas boas que à sua escala tentam dar o melhor no limite do profissional. Num mundo cada vez mais zangado e sensível emocionalmente é especial falar de relações que dão certo sem ter medo do futuro. Num mundo cada vez mais zangado e sensível emocionalmente é um privilégio contar narrativas como esta.
Fotografias de Mário Rui André/Shifter
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