O menino da internet que morreu cedo demais

O menino da internet que morreu cedo demais

29 Abril, 2018 /
Fotografia de Ragesoss, via Wikimedia Commons

Índice do Artigo:

A história de Aaron Swartz escreve-se praticamente sem conectores de discurso ou adereços narrativos entre os acontecimentos. A quantidade de feitos que em tão pouco tempo de vida concretizou dão por si um texto rico, extenso e abrangente de uma série de temáticas-chave para a compreensão do tempo e da sociedade em que vivemos actualmente.

Nasceu quatro anos antes surgimento da World Wide Web e a sua vida confunde-se com os primeiros tempos desta tecnologia inovadora e socialmente revolucionária. Filho do meio numa família de nerds (até o seu pai era programador), Aaron Swartz mostrou desde cedo apetência para aprender – aos 3 anos já sabia ler com autonomia – e para os computadores – dizia que programá-los seria como projectar super poderes. Era na sua cave que se perdia por horas agarrado ao computador, com o qual foi desenvolvendo uma relação de proximidade, quase simbiótica, surpreendendo sucessivamente a sua família com os projectos que ia desenvolvendo.

Foi um desses projectos que lhe valeu, durante o ensino básico, o Prémio ArsDigita, colocando-se no trilho do que viria a ser uma vida curta e profícua com um final injusto. O prémio conquistado valeu-lhe a oportunidade de conhecer o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (ou MIT) e alguns dos profissionais envolvidos na criação das bases da internet. A partir daí, nunca mais se dissociou desta rede de criação.

Do RSS ao Reddit

Em 2000, Aaron Swartz juntou-se à lista de e-mail do consórcio 3W, que se dedicava a escrever o código daquilo que hoje conhecemos como RSS. Na altura, com apenas 14 anos e sem que ninguém soubesse a sua real idade, que estava escondida no seu endereço de e-mail, notabilizou-se entre o grupo de programadores, assinando um dos protocolos de base do sistema. Foi só quando, confrontados com a sua personalidade irredutível, o desafariam para um encontro cara-a-cara que os seus colegas ficaram a saber a sua idade.

Os anos seguintes foram de dedicação e programação. Aaron continuou a aprimorar as suas habilidades de código enquanto o experimentava em diversos projectos pessoais. Mais tarde, entrou para a Universidade de Stanford e o seu percurso fê-lo passar por empreendedor dotado ao sucesso. Desenvolveu o Infogami, uma plataforma de criação de websites que mereceu a incubação no Y Combinator. Nesta altura, a start-up de Aaron fundiu-se com outras duas que estavam no Y Combinator e, assim, nasceu o Reddit – Aaron aproveitou para mostrar a público a Web.py, uma biblioteca de código aberto que permite criar aplicações web recorrendo à popular linguagem de programação Python e que serviu para escrever o Reddit. Para Aaron, a Web.py era uma forma de facilitar a programação web, de a tornar mais fácil e, essencialmente, diferente para que cada pessoa pudesse experimentar e optar.

The way I wrote web.py was simple: I imagined how things should work and then I made that happen. Sometimes making things just work takes a lot of code. Sometimes it only takes a little. But either way, that fact is hidden from the user — they just get the ideal API.

Depois deste sucesso no âmbito tecnológico e de se tornar num programador distinto, cada vez mais reconhecido pela comunidade, foi o momento de suceder como empreendedor. O Reddit, start-up que detinha conjuntamente com Steve Huffman e Alexis Ohanian, foi adquirida pelo império editorial Condé Naste e os jovens empreendedores reconduzidos para trabalhar em São Francisco nos escritórios da multinacional. Um momento aparentemente positivo mas incalculvamente difícil para Aaron, que não identificava com a cultura corporativa e as interrupções constantes durante o seu dia de trabalho. No seu blogue, ia deixando extensas publicações que nos davam conta do seu estado de espírito e da visão que alguém extraordinariamente lúcido conseguia ter mesmo num open space caótico.

It wasn’t until I started working in an office that the question begun to make sense. Since I moved to San Francisco I literally haven’t gotten anything done. I haven’t finished a book (I finished three on the plane out here), I haven’t answered many emails (I used to answer hundreds a day), I’ve written only a couple blog posts (I used to do one a day), and I haven’t written a line of code (I used to write whole programs in the evenings). It’s a pretty incredible state of affairs.

Sem se poder demitir, acabou por orquestrar o seu despedimento faltando consecutivamente ao trabalho. Assim em 2006, depois de lucrar milhões com a venda do projecto e chegar ao que muitos podiam ver como o topo da carreira, Aaron foi radical, corajoso e fez uma espécie de reset – a sua dedicação quase obstinada movia-se por um propósito. “Quando tens super-poderes, vais usá-los para fazer dinheiro?” é a frase que resumia a convicção do jovem que, na sua própria concepção, era demasiado bom para a monotonia da vida comercial, tendo o dever (para consigo próprio) de se envolver em projectos mais meritórios.

Do mundo corporativo para o político

Foi assim que virou a sua vida para o mundo da política, começando o capítulo mais interessante e distinto, envolvendo-se socialmente de diversas formas, desde intervenções de palanque até a uma candidatura aos comandos da Wikipédia.

Quando saiu do Reddit fundou o projecto Open Library – um site cujo objectivo era indexar todos os livros da internet e que aqui hoje atrai internautas –, mas não se ficou por aí. Fundou o movimento Watchdog e deu início às contribuições mais audazes.

Em 2006, depois de três anos de constantes contribuições para a Wikipédia, Aaron escreveu uma série de publicações no blogue revelando uma visão diferente sobre as políticas da plataforma relativamente à que Jimmy Wales implementava na altura e lançando as bases para a sua candidatura à liderança da Wikimedia Foundation, a organização sem fins lucrativos que gere a gigante enciclopédia online. A candidatura não foi feliz, mas este era apenas o começo da sua luta, tendo sempre como princípio base o acesso livre e a cooperação constante. Era o poder infinito de cópias introduzido pela internet e pelos computadores que apaixonava Aaron Swartz e o deixava incrédulo perante empresas e artistas que não aceitassem partilhar o seu trabalho – já o tinha mostrado anos antes quando se envolveu na programação das licenças Creative Commons com apenas 15 anos.

Foi depois desta corrida eleitoral que Aaron se envolveu numa das iniciativas mais audazes, ambiciosas e, de certo modo, ilegais, sob o pretexto que guiou durante toda a vida, a lei base do anarquismo de Thoreau, que diz que não é justiça seguir leis injustas. Foi nesse sentido e indiferente à lei a que se sujeitam os homens que Aaron Swartz se envolveu no que viria a ficar conhecido como projecto PACER. Aaron montou e liderou uma pequena equipa amadora para subverter o sistema norte-americano na sua raiz. Contra o facto de os cidadãos terem de pagar para ter acesso a ficheiros públicos ou só poderem aceder-lhes a partir de bibliotecas ou similares, Aaron e companhia criaram um script capaz de descarregar uma grande parte desta base de dados, disponibilizando-a posteriormente em domínio público. Foi este o princípio da sua rota de colisão com as autoridades americanas. O jovem descarregou 2,7 milhões de documentos e, se era difícil, arranjar matéria para fundar uma acusação no facto de tornar a lei acessível aos cidadãos, foi o suficiente para manter o seu nome no radar das autoridades – de onde nunca mais saiu.

No radar das autoridades… até ao fim

A sua filosofia de base oposta à das instituições norte-americanas fazia incompatibilizar-se com o seu país mas isso não o demovia de perseguir os seus ideais, que ia deixando indeléveis em textos como o Manifesto pelo Acesso Livre que escreveu em 2008. Anos mais tarde, em 2010, deu forma mais séria a esta luta criando o movimento Demand Progress – uma plataforma nacional online para conectar pessoas com ideais progressistas por toda a América.

No mesmo ano, e sem provavelmente medir com precisão as consequências, envolveu-se naquele que seria o último capítulo significante da sua história numa altura em que já se tornara investigador convidado na Universidade de Harvard, onde, analisando largas quantidades de dados, detectou ligações suspeitas entre resultados de estudos e os seus financiadores. Foi precisamente uma descarga em larga escala de dados que despoletou todo o caso judicial que viria a ditar o seu suicídio.

No dia 25 de Setembro, Aaron ligou um computador aos servidores do MIT e, recorrendo a um script, deu início a uma descarga massiva dos artigos científicos de uma das principais editoras do panorama, a JSTOR. Sem revelar o intuito da descarga, acabou por ser acusado num processo atribulado e que acabou por se prolongar. Enquanto isso, continuava na sua genial ingenuidade a luta contra o sistema que o acusava.

Passado quase um ano desde o acesso inicial à base de dados da JSTOR, no dia 11 de Julho de 2011, surgiu a acusação formal, associando Aaron de 13 crimes diferentes e recusando qualquer espécie de acordo. Mesmo depois da JSTOR desistir da acusação, o Ministério Público norte-americano não cessou a sua ofensiva. Segundo pai de Aaron, querendo fazer dele um exemplo.

Contra a SOPA e a PIPA

Mesmo perante neste cenário, foi contra este sistema e protestou severamente, tornando-se num dos principais nomes da resistência contra o SOPA e o PIPA, as leis norte-americanas que punham em causa a neutralidade da internet. Usando os seus conhecimentos computacionais, o seu carisma e a sua capacidade de mobilização, criou uma verdadeira frente de oposição ao Congresso norte-americano, conseguindo travar a promulgação do pacote legal. Tornou-se um notável no país, sendo várias vezes convidado para fazer comentário televisivo.

Foi no final desta sua luta, num momento que os seus amigos viam como único para um jovem tão recatado que as notícias começaram a enegrecer para o lado do jovem geek. Num dos inquéritos à sua namorada da altura, a polícia tomou conhecimento do Manifesto pelo Acesso Livre, vendo neste a base que precisava para sustentar a tese de que Aaron quereria liberar todos os documentos de forma gratuita. Assim, acabou apontado a uma pena que podia ascender aos 35 anos — algo completamente desproporcional e que, mais uma vez, se crê tenha sido engendrado como uma manobra de dissuasão para potenciais hackers (nota: o download de artigos não foi uma manobra de hacking).

Aaron chegou a ser detido, mas não chegou a ir preso. Em Janeiro de 2013, um dia depois de fazer a sua última edição na Wikipédia, foi encontrado enforcado no seu apartamento em Brooklyn, Nova Iorque. O jovem, que nunca tinha sabido lidar com as acusações que lhe foram feitas, acabou por sucumbir à pressão de poder ser preso, escolhendo tirar a sua própria vida. O seu legado esse, maior do que a materialidade da sua vida corpórea, continua a manter o seu espírito vivo. Quatro meses após a sua morte foi divulgada mais uma das suas criações – a tecnologia a que hoje se chama SecureDrop e que hoje em dia permite a fontes comunicar com jornalistas de forma anónima.

Depois do seu falecimento, as acusações acabaram por ser retiradas, conquistou facilmente um lugar no Internet Hall of Fame, sob proposta de nomes como Tim Berners Lee e ganhou o prémio James Madison pela sua intransigência na luta pelo acesso livre.

Por muito que passe despercebido, o trabalho do génio continua a ser marcante para a cultura e a vivência da internet. Foi, de resto, autor da linguagem Markdown com que funciona o sistema de publicação do WordPress e muitas outras aplicações de texto, do primeiro modelo de RSS, da framework de Python que dá corpo a milhares de sites e continua a crescer, e de uma base cultural fortíssima que continua a motivar que acredita na ideia de que a informação pode ser um poder.

A sua história é tão vasta, rica, inspiradora e interessante que o realizador de We Are Legion, o documentário sobre os Anonymous, escolheu logo no ano da sua morte começar a rodar uma peça do mesmo género, que podes ver livremente no YouTube.

Autor:
29 Abril, 2018

O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

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