As crises do capitalismo não são novidade para Naomi Klein

As crises do capitalismo não são novidade para Naomi Klein

18 Setembro, 2019 /

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A Doutrina do Choque é “um livro que tenta abrir-nos os olhos para a situação actual" e continua pertinente 12 anos após a sua publicação.

Hoje em dia parece que uma ideia ideia drástica da extrema esquerda encontrou um lar no centro – à direita e à esquerda do mesmo. Falamos de Lenin acreditar que era em condições drásticas que a humanidade avançava de forma mais rápida. Relembra-nos certas frases feitas como “a guerra dá muito dinheiro”, em que não percebemos muito bem o porquê em todas as suas nuances. Mas a verdade é que a ideia de progresso, que se revela agora na devastação de sociedades inteiras, é uma parte-chave deste neoliberalismo que se verga ao ideal de mercado livre.

Se certas economias de estilo soviético deixaram uma herança de destruição social e ecológica, conseguimos encontrar resultados semelhantes em vários países, vítimas de políticas neoliberais. Ainda assim, enquanto a fé no Marxismo tem vindo a sobreviver apenas em nichos específicos, a obsessão quase-religiosa pelo mercado livre continua a moldar as políticas de muito governos contemporâneos.

É sobre isso que nos fala A Doutrina do Choque, “um livro que tenta abrir-nos os olhos para a situação actual” e continua pertinente 12 anos após a sua publicação. Situações de desastre como as que ocorreram no Iraque, no Sudeste Asiáticos, ou em Nova Orleães, são alguns dos pontos onde o choque da doutrina no mercado-livre se pode revelar. Pelo mundo fora, Klein expõe políticas parecidíssimas, que permitem a imposição de um mercado-livre em países tão diferentes como o Chile de Pinochet, a Rússia de Yeltsin e o Iraque de Saddam. Paralelos distantes que nos ajudam a compreender a tese da autora.

Quer seja em África, na Ásia, na América Latina ou na Europa pós-comunista, políticas generosas em privatizações e ajustes estruturais têm levado a um declínio da actividade económica e do bem-estar social em grande escala. Se o senso comum diz que houve um aproveitamento político da desorientação, Naomi Klein mostra que sim. Qualquer pessoa que tenha assistido à entrada do FMI no seu país, como os portugueses bem se devem lembrar, reconhece a forma como são impostos cortes atrás de cortes, em busca da estabilização ideal. Naomi Klein descreve-o recorrendo ao caso da Argentina, em 2002. Era possível observar como a travagem nas despesas públicas, num momento em que a economia já contraía, iria resultar num grande desastre financeiro. As consequências foram as que todos, excepto o FMI, esperavam.

Naomi Klein acredita que o neo-liberalismo pertence ao “conjunto fechado e fundamentalista de doutrinas que não são capazes de co-existir com outras crenças. Ou seja, o status-quo do mundo deve ser destruído para abrir caminho ao mercado regenerador.” Há algo de fantasia bíblica nisso, de grandes cheias e de grandes fogos. Como Klein o vê, as quebras sociais que têm acompanhado o neo-liberalismo não são resultado de incompetência ou falta de capacidade de gestão. “São parte integrante da ideia de mercado-livre, que só pode avançar para um espaço após a sua destruição.”

De forma algo paranoica, o livro de Naomi Klein parece sugerir que estes desastres podem até ser manufacturados. Isso abre espaço para que possam ser resolvidos à boa maneira neo-liberal, por governos e corporações que ajudem a tornar a opção neo-liberal plausível através de políticas que vão ao seu encontro. A autora também professa, numa opinião bem mais contida, e naquela que parece mais plausível para quem prefere não acreditar na existência de uma evil corp, que o desastre é parte do nosso capitalismo contemporâneo.

“Um sistema económico que exige crescimento constante, enquanto se desvia de todas as tentativas sérias de regulação ambiental, vai gerar um fluxo constante de desastres por si só, quer sejam militares, ecológicos ou financeiros. O apetite por lucros rápidos oferece investimentos especulativos que podem ser alimentados pela crise. Vale tudo – imobiliário, moeda, acções e obrigações.”

Baseado em investigações históricas e em anos de relatos no terreno, A Doutrina do Choque mostra-nos de forma vívida que o capitalismo se aproveita do desastre e garante-nos que todo este processo começou há mais de cinquenta anos. Mais precisamento, quando Milton Friedman liderou pensadores neoliberais e, claro, neoconservadores.

Mas será que o mercado-livre falhou? Klein acredita que a terapia de choque pode até tê-lo ajudado a atingir os seus objectivos. Um bom exemplo disso é o Iraque. Depois da invasão, pode ser uma “distopia assombrada onde ir a uma reunião de negócios pode resultar em decapitação, mas não é por isso que a Halliburton deixar de fazer uns lucros jeitosos por lá”. Uma sociedade pode ter sido destruída, mas as corporações que operam nas ruínas parecem estar a facturar bem. A mensagem de Naomi Klein é que – aos olhos do lucro – o capitalismo desastroso parece estar a funcionar bem.

Ainda assim, Klein acredita que ideologia do mercado devia assumir responsabilidades pelos crimes que cometeu, tal como a ideologia Marxista é acusada dos crimes do comunismo. Só que a forma de o fazer deixa dúvidas, até porque há uma grande incógnita acerca da ilegalidade dos procedimentos. Se uma série de países aceita o FMI e as suas políticas de devastação social, será possível culpá-los dos seus efeitos nocivos a longo-prazo?

É impossível sabermos qual vai ser a próxima crise, mas é fácil perceber que seja ela qual for, vai haver alguém a lucrar com ela – seja através de privatizações em escala, seja pela exploração da mais imaginativa matéria-prima. Resta-nos ter bem presente que os desastres provocados pelo capitalismo parecem suceder-se, manipulados ou não, mas cada vez maiores.

Depois de No Logo e The Shock Doctrine, a autora prepara-se agora para lançar On Fire, mais um livro em que continua a ser análise crítica do sistema capitalista, desta vez focando-se na análise a nível climático.

Autor:
18 Setembro, 2019

O Alexandre Couto foi Editor do Shifter, trabalha actualmente como publicitário e colabora com diversas publicações.

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