Num mundo em que cada vez mais se fala de nacionalismos e movimentos populistas contra a livre circulação de pessoas, e em que o Brexit continua a ser tema quente, da Suíça chega uma notícia no sentido oposto. Em referendo, 61% dos eleitores suíços rejeitaram categoricamente a proposta do partido União Democrática do Centro, também conhecido como Partido Popular Suíço, de limitar o acesso de imigrantes.
A proposta, de um partido considerado pela oposição como pisando as linhas da extrema-direita, visava impor limites à imigração de pessoas da União Europeia, o que poderia significar uma mudança estrutural no acordo entre a Suíça e a União que a circunda. A abertura à imigração da UE é moeda de troca dos suíços para terem acesso ao comércio livre de mercadorias europeias e terem a possibilidade de se juntar em projectos de cooperação com partidos da União; o partido UCD considerava, na linha do que acontece com o Brexit, abrir mão destas condições em troca de limites à imigração.
Este foi apenas uma das cinco propostas a referendo este domingo, 27 de Setembro, num país com tradição neste tipo de acto eleitoral. A votação das propostas que estava agendada para Maio, levou os eleitores às urnas para responder sobre imigração, leis federais sobre casa e impostos, licença de paternidade e a compra de um novo avião de guerra. Já este ano duas propostas tinham ido a votação, nomeadamente uma iniciativa popular pelo alargamento da habitação social e as leis anti-discriminação. Para Novembro estão ainda marcados mais dois referendos, completando os nove agendados para este ano.
Esta sucessão de referendos deve-se ao sistema único promovido na Suíça que aposta neste instrumento de democracia directa como forma de auscultar mais frequentemente os seus cidadãos. O país, institucionalmente uma federação, é dividido em 26 cantões e, os referendos tanto podem acontecer a nível federal como a nível local, em cada cantão. Sendo que neste caso falamos de referendos nacionais, todos eles apresentados aqui.
Quanto à proposta a referendo sobre a imigração, estabelecia que, caso fosse aceite, a Suíça deveria negociar a saída do Acordo de Livre Circulação de Pessoas nos próximos 12 meses, e que a federação ficava, até votos em contrário, impedida de estabelecer qualquer outro acordo semelhante que implicasse a entrada de estrangeiros no país. Dos 26 cantões, apenas em 4 ganhou o “sim”, o que levou a uma derrota significativa da proposta na globalidade. Alguns dos referendos federais podem ter aplicações legais mas neste caso a hipótese não parece viável por sugerir determinações a nível federativo.
O resultado é, em certa medida, surpreendente, não só porque a iniciativa partiu do partido mais representado no país, mas porque seguiu a tendência oposta dos últimos acontecimentos políticos. Marco Chiesa, líder do partido, afirmou após conhecidos os resultados que iam continuar a tentar “recuperar o controlo sobre a imigração”, já do lado da União, Charles Michel e Von Der Leyden foram vocais a expressar o seu contentamento com o resultado.
The vote of the citizens of Switzerland upholds one of the core pillars of our relationship: the mutual freedom to move, live and work in Switzerland and the EU.
I welcome this outcome and see it as a positive signal to continue to consolidate and deepen our relationship. 🇨🇭 🇪🇺 pic.twitter.com/yWYCzjtY7M— Ursula von der Leyen (@vonderleyen) September 27, 2020
Today is a great day for the relations between the European Union and Switzerland.
We welcome the results of the popular vote and look forward to continuing our close cooperation.
The Swiss people have spoken & sent a clear message: together we have a great future ahead of us.
— Charles Michel (@eucopresident) September 27, 2020
A Suíça é um país conhecido pela alta taxa de imigração, não só nos anos recentes; segundo as últimas estimativas são mais de 2 milhões os imigrantes com residência permanente no país, cerca de 1,4 milhões dos quais provenientes de países da União Europeia, num universo populacional de 8 milhões de pessoas. De entre estes números destacam-se também segundas gerações com ascendência de outros países, cujas estimativas apontam para os 37% da população. Estes números ganham especial contexto na sua diferença entre cantões, que explicam também as diferenças de políticas e resultados do referendo.
No lado institucional é preciso também recordar que a Suíça tem actualmente activos mais de 120 acordos de cooperação com países da União Europeia que cairiam caso o referendo fosse aceite.
A campanha de promoção da iniciativa aqui descrita recorria a uma imagética sugestiva em que um homem simbolizando a União Europeia se sentava sobre a Suíça esmagando-a, e intitulava-se de “A Iniciativa da Limitação”. No site da campanha, onde se centralizaram os argumentos, podia encontrar-se os motivos dos proponentes bem como vídeos a enunciá-los. Ao UDC, juntaram-se neste ponto concreto outros partidos, como o Movimento de Cidadãos de Geneva, um movimento populista de direita.
Maintenant, c'est sérieux! Nous avons besoin de toutes vos voix ✉️ pour pouvoir gagner la votation pour la limitation. Allez voter !#LimitationOUI #TropCestTrop #OnEtouffe #OnEstTropSerré #CHvote #Votations pic.twitter.com/fB9OcL49aU
— UDC Suisse (@UDCch) September 25, 2020
Le dernier moment pour voter OUI ! Le conseiller aux Etats Marco Chiesa et le conseiller national Albert Rösti disent OUI à l'acquisition de nouveaux avions de combat. Chaque voix est essentielle si l'on veut battre le GSsA dans les urnes!
⏰⏰ Votez et partagez maintenant! pic.twitter.com/2ulVcGiEJf
— UDC Suisse (@UDCch) September 23, 2020
Em contrapondo foram vários os sectores da sociedade suíça críticos da proposta, e do lado do Não. A Fundação Nacional Suíça para a Ciência, as Universidades Suíças, a Inossuisse – Agência Suíça para a Inovação, e a Academia Suíça para as Artes e Ciência emitiram mesmo um comunicado conjunto alertando para o potencial perigo para a educação, investigação e inovação que a aceitação do referendo podia provar.