Como o Director da OMS foi atacado por um gangue de bots no Twitter

Como o Director da OMS foi atacado por um gangue de bots no Twitter

25 Agosto, 2020 /
Shifter

Índice do Artigo:

Dos 7912 tweets analisados pelo Bellingcat, 2427 continham imagens como anexo; quase todas elas memes, que sugeriam a ligação entre a Organização Mundial de Saúde e o Governo Chinês — a ilustração de uma teoria da conspiração que se tem disseminado tão ou mais rápido que o próprio coronavírus.

Desde há já algum tempo que se tornou norma os políticos utilizarem o Twitter para de uma forma mais imediata difundirem as mensagens de discursos ou fazerem outro tipo de comunicações. Baseando-se no facto de ser uma rede social bastante frequentada por outros políticos, jornalistas e afins, a rede social do pássaro azul destacou-se neste particular de servir de meio alternativa às comunicações oficiais. Assim o tem usado Tedros Adhanom Ghebreyesus, Director Geral da Organização Mundial de Saúde, desde o principio da pandemia, mantendo-se activo na rede social que permite o acompanhamento do mundo ao minuto. Contudo, as interações com os seus tweets, investigadas pelo grupo do jornal opensource Bellingcat, revelam o lado mais negro do Twitter.

Não é preciso esta muito tempo na plataforma para nos cruzarmos com contas anónimas, com pseudónimo, e bots com as mais diversas intenções. Foi precisamente um número anormal de bots que Edward Tian, jornalista que assina a peça, detectou entre as respostas aos tweets de Tedros, numa quantidade que demonstra a falibilidade da moderação da plataforma em larga escala, mesmo quanto em torno de perfis de relevo. A análise do jornal foi feita sobre 7912 tweets colectados em 10 dias consecutivos entre as respostas ao Director Geral da OMS e as conclusões são mais ou menos óbvias.

Dos 7912 tweets, 2427 continham imagens como anexo; quase todas elas memes, que sugeriam a ligação entre a Organização Mundial de Saúde e o Governo Chinês — a ilustração de uma teoria da conspiração que se tem disseminado tão ou mais rápido que o próprio coronavírus. Para além das imagens — tanto memes como cartoons — outro motivo constante repetido nas respostas a Tedros eram as hashtags #ChinaLiedPeopleDied e #TedrosLiedPeopleDied, mais uma vez demonstrativas da narrativa que entre memes spam se tenta fazer vingar.

A denunciar o carácter falso ou automatizado destas contas, como demonstra o Bellingcat, está o seu padrão exaustivo de publicação. Em vez de responderem, digamos, como pessoas normais, estes bots disparam a mesma mensagem instantaneamente em resposta a mais de um tweet da mesma pessoa, denunciando assim a sua desumanidade. De resto, a utilização das hashtags supra citadas continua a ser recorrente entre os comentários de pessoas reais.

Captura de ecrã do dataset cedido pelo Bellingcat

A problemática da utilização de bots e contas de publicação automatizada prende-se precisamente com a facilidade com que povoam com interações conteúdo e hashtags que depois são assimiladas pelas comunidades reais. Na investigação do Bellingcat, o grupo percebeu que a hashtag dirigda a Tedros terá começado no dia 6 de Abril de 2020, enquanto que a dedicada à China remonta ao dia 5 de Fevereiro de 2020, fase inicial da pandemia.

Os dados recolhidos pelo Bellingcat estão disponíveis num documento online que pode ser consultado por qualquer um que queira confrontar as conclusões.

Já a análise é explicada passo a passo na peça, permitindo perceber como são aferidas as conclusões chave. É o caso da identificação do perfil de @jonas_jewels, um dos nomes mais incidentes nos dados e responsável pela disseminação de grande parte dos memes. O perfil, à primeira vista normal, começa por chamar à atenção pela fotografia de perfil falsa ou genérica, destacando-se depois pelo carácter altamente monotemático da sua conta — exclusivamente dedicada a temas anti-governo chinês. Uma análise mais aprofundada da equipa de investigação do BC permitiu perceber que o tempo máximo de inactividade da conta (sleeping time) é de apenas 3 horas o que pode indicar que, de facto, não se trata de um simples cidadão mas antes de uma conta automatizada por alguém.

Depois de identificar as principais contas suspeitas por espalhar spam e memes contra Tedros, a equipa cruzou os seguidores em comum entre todas elas para tentar perceber a rede em que se situam. Assim estabeleceu um gráfico que mostra a sua proximidade e os seus elos de ligação. Os traços, a cinzento, demonstram as relações de “segmento” e permitem perceber que as contas principais não só se seguem entre si, podendo ter alguma relação, como têm múltiplos seguidores em comum, que podem ser usados para amplificar as mensagens criadas pelas contas centrais.

via Bellingcat

Conforme nota o artigo e já mencionado em cima, a investigação permitiu também perceber que entre as contas automatizadas e puramente bots, existem pessoais reais a secundar a mensagem. Entre eles, destaque para os manifestantes pro-Hong Kong e pro-Taiwan que surfam a sinofobia gerada pelo vírus para amplificar as suas mensagens críticas, mais ou menos fundamentais ou insultuosas, contra o governo liderado com Xi Jiping. De resto, a presença constante de Winnie the Poo, figura que se tornou numa espécie de caricatura online do Presidente chinês, é um sinal claro de quem é o principal alvo deste gangue.

A maioria das contas identificadas pela investigação ainda está online, não tendo sido alvo de qualquer sanção do Twitter — até porque em última análise é difícil saber qual dos seus comportamentos viola as regras da comunidade. Como já aqui dissemos noutros artigos, este caos comunicacional gerado pelos bots tem muitas vezes como objectivo a tentativa de minar a confiança dos cidadãos nas instituições, não de uma perspectiva crítica e articulada, mas populista e que tire proveito dos automatismos com que se gere o espaço público nas redes sociais. Se não é fácil identificar quem estará por de trás destas iniciativas, não é difícil perceber que todas estas contas têm em comum uma queda para teorias da conspiração e uma tendência para replicar outros comportamentos semelhantes, muito raramente interagindo de forma complexa ou explicando em detalhe as suas ideias.

Autor:
25 Agosto, 2020

O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

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