Desde o seu surgimento, há mais de uma década, que nos habituámos a um só modelo para as redes sociais: plataformas gratuitas para o utilizador, monetizadas através dos seus dados que servem para personalização de publicidade, e que oferecem as mesmas funcionalidades e conteúdos a todos os utilizadores, com as diferenças induzidas pelo respectivo perfil de cada um. No entanto, com o Twitter, este modelo de negócio não tem dado grandes provas da sua eficiência e pode estar para ser posto em causa.
No passado dia 23 de julho, Jack Dorsey, director executivo do Twitter, anunciou que a plataforma está a explorar a ideia de subscrições pagas da rede social, confirmando rumores que circulavam desde o início do mês. A revelação vem no seguimento de uma queda gradual nas receitas dos anúncios presentes na plataforma, fruto da pandemia e de um boicote relacionado com os protestos raciais que têm percorrido os EUA. Uma realidade a que não é alheia a “semana difícil”, em que a empresa sofreu uma onda de ataques informáticos direccionados a contas verificadas como a de Elon Musk e Jeff Bezos. Dorsey disse que o projecto está ainda numa “fase muito, muito inicial de exploração” e pode permitir ao Twitter uma nova forma de receita, mais estável.
Se pensarmos a fundo, esta declaração não nos deve chegar como um choque. Ao contrário do que podemos ser levados a pensar, manter uma rede social grande e global é uma tarefa bastante dispendiosa: bases de dados com falhas mínimas, custos para manter uma equipa dedicada e focada e infraestruturas para as albergar são apenas alguns dos gastos que uma empresa com a dimensão de uma rede social como o Twitter precisa de ter para manter o seu negócio a funcionar. E a pergunta pendente no fundo das nossas cabeças é: sendo assim, como é que estas empresas fazem dinheiro, têm lucros (algumas delas) e criam CEOs multimilionários? A resposta é uma a que já estarás habituado: o utilizador é tanto o produto como o consumidor, uma relação em que é difícil assegurar a monetização.
De uma maneira muito simplificada, a nossa actividade nas redes sociais vai deixando pequenas pegadas que são, mais tarde, utilizadas como pistas para as nossas personalidades – como aquele like (sobre o qual se calhar até te esqueceste) num post sobre videojogos, que pode despertar o algoritmo para que o interesse do utilizador pelo tema e para a sua vontade de comprar um videojogo novo ou uma consola. Esta informação é vendida a potenciais vendedores destes produtos e, de repente, somos bombardeados com anúncios e mensagens.
Mas este método tem algumas limitações, nomeadamente a sua instabilidade e a dependência do financiamento de terceiros. As plataformas só fazem dinheiro se tiverem um número suficiente de utilizadores activos e, para além disso, anunciantes interessados e dispostos a pagar pela atenção desses utilizadores. Se porventura, uma quota parte dos utilizadores deixar de ter interesse na rede social ou se eliminar a sua conta, a empresa por detrás da mesma pode deixar de ter a capacidade de gerar receitas e, consequentemente, deixa de ter a possibilidade de manter as infraestruturas tão dispendiosas sobre as quais está erigida. Por outro lado, se os anunciantes acharem que publicitar naquela rede social é mau para a sua reputação, o financiamento da mesma pode cair a pique, sem que as despesas de manutenção se alterem, provocando uma crise ainda maior.
Mas então, qual será o próximo passo no que toca às redes sociais e às suas receitas? Tal como no jornalismo, o modelo de financiamento das redes sociais, tem sido criticado não só internamente pela sua instabilidade, como externamente, por aqueles que acreditam que privilegia o populismo e o conteúdo tóxico. Entre esses críticos há várias propostas, desde as propostas redes federativas — com estruturas descentralizadas — como o Mastodon (uma rede mutíssimo parecia ao Twitter), às propostas de colectivização como a feita por Jonas Staal e Jan Harmon, com quem tivemos uma profunda conversa sobre o assunto. Internamente ganha tração a ideia proposta por Dorsey, que assim lança a corda a um dos modelos de monetizaçãos mais frequentes online, o da subscrição, à semelhança de Spotify ou Netflix. Pensemos sobre ele.
Suponhamos um futuro em que cada indivíduo tem, por exemplo, uma subscrição de Netflix, outra de Spotify e, finalmente uma de Twitter ou Facebook, consoante o estilo de rede social que prefira e provavelmente os contactos que tenha em cada uma. Pegando no caso do Spotify, se o utilizador optar por não pagar nada, tem direito a uma conta Free, em que apesar de permitir ouvir praticamente toda a música do mundo, continua a ter de ouvir publicidade de tempos a tempos. Se pagar tem acesso a funcionalidades como escolher a música seguinte e navegar livremente. Contudo, no que toca à recolha de dados, não existem informações que permitam aferir que exista diferença entre quem paga ou não. Em ambos os casos, a empresa sueca responsável pela plataforma monitoriza a actividade dos ouvintes e usa essa informação para personalizar o serviço, desenvolver novas funcionalidades, corrigir problemas ou inclusive para finalidades de marketing e publicidade. Assim, a subscrição faz diminuir os anúncios em exposição, mas não faz necessariamente diminuir a nossa exposição ao sistema de vigilância que os alimenta.
Já no caso do Netflix, não existe uma modalidade gratuita, sendo que, apesar de a empresa norte-americana dar a liberdade ao utilizador de activar e cancelar a subscrição quando bem entender, sempre que o faz perde acesso a todos os conteúdos, por nunca os teres possúido na verdade. Por outras palavras, o utilizador não é proprietário dos filmes e séries do Netflix, semelhante ao que acontece no Spotify ou até mesmo no YouTube, em que apesar de consumirmos os ficheiros nunca os temos realmente. Isto deve-se ao chamado DRM (Digital Rights Management) ou GDD (Gestão de Direitos Digitais) – ainda no ano passado falámos desta questão a propósito do fecho da loja de livros da Microsoft. Para os modelos de subscrição serem menos vulneráveis a pirataria, os seus provedores equipam-nos com tecnologia própria de DRM ou GDD, que garante que eles apenas correm nas suas plataformas, assim um filme do Netflix não correria no VLC ou uma música do Spotify não é audível no Winamp –, tal como aconteceu com os e-books comprados na Microsoft Store que se tornaram obsoletos e inacessíveis com o fecho da loja.
Voltando ao Twitter, é difícil supor que, no caso de um utilizador querer deixar de subscrever a rede social, vá deixar de ter acesso aos respectivos tweets, uma vez que a empresa está a ponderar o sistema de subscrição em paralelo com o actual modelo gratuito baseado em publicidade. A diferença poderá estar, como indica um inquérito que o Twitter está a fazer aos utilizadores, na perda de funcionalidades especiais, como um botão para cancelar o envio de um tweet durante 30 segundos após clicar no botão de “tweet”, maior personalização das fontes e cores da interface, publicação de vídeos com resolução até 8K (o máximo que o Twitter permite actualmente é 1080p), possibilidade de adicionar links ao perfil (um jornalista pode mostrar os melhores artigos que escreveu ou um artista pode criar um portefólio dos seus trabalhos), respostas automáticas para usar em resposta a tweets ou saber o alcance da conta e dos seus tweets na rede social.
Uma limitação do acesso a conteúdo publicado no Twitter não parece estar em cima da mesa a avaliar por este inquérito mas não seria de estranhar que a plataforma permitisse aos utilizadores limitar parte do seu conteúdo apenas a assinantes. A empresa lançou recentemente uma opção que dá aos utilizadores a possibilidade de decidir quem pode responder aos seus tweets, permitindo, além da opção padrão de que qualquer pessoa pode comentar, que só quem segues ou que só quem identificas o possa fazer. Neste sentido, uma quarta opção que permita a um utilizador que o seu tweet ou os tweets da sua conta só possam ser comentados por subscritores do Twitter poderia dar-lhe a segurança para não ser invadido por bots ou agentes mal intencionados – um problema antigo da rede social do passarinho, inclusive em tempos de pandemia.
O Medium, conhecida plataforma de publicação de artigos e outros textos de leitura mais longa, tem um modelo de subscrição paralelo a um modelo gratuito. O exemplo do Medium é interessante, pois, tal como o Twitter, os utilizadores podem ser consumidores mas também produtores de conteúdo – tal não acontece num Netflix ou num Spotify (apesar de neste último estar a mudar com a questão dos podcasts, que qualquer pessoa pode criar e lançar na plataforma). No caso do Medium, os utilizadores têm acesso limitado a alguns conteúdos mais premium no caso de não serem subscritores. “Torna-te um membro do Medium para 5 dólares/mês ou 50 dólares/ano e obtém acesso ilimitado aos escritores mais inteligentes e às melhores ideias que não vais encontrar em mais lado nenhum”, lê-se na página do Medium sobre o seu programa de subscrição.
Esta premissa do Medium é, na prática, uma valorização da sua plataforma de um espaço onde todos podem publicar mas não sejam conteúdos pelos quais vale a pena pagar para um ambiente mais consolidado, distinto e exclusivo. O próprio Twitter é muito diferente de todas as outras redes sociais, apesar da tendência denunciada por muitos de promover discursos e debates tóxicos – como neste podcast o escritor Freddie DeBoer assume que o Twitter potenciou os seus comportamentos maníacos que culminaram com falsas acusações sobre uma terceira pessoa; para muitos políticos, jornalistas, actores e outras personalidades é a conta que usam e para as pessoas que os querem seguir é a forma mais fácil de os seguir. A rede social do passarinho, desde cedo, se posicionou como o sítio onde se pode saber o que se passa no mundo e isso verifica-se pelo seu carácter instantâneo e efémero, mas também por ser no Twitter que uma variedade de acontecimentos ganham proporções globais. A plataforma é optimizada para o microblogging em tempo real, tornando-a uma boa ferramenta para acompanhar eventos, manifestações e guerrilhas, acontecimentos de última hora, opiniões de jornalistas e especialistas…, mas simultaneamente terreno fértil para desinformação e teorias da conspiração. Ainda assim, há uma quantidade de conteúdos que existem no Twitter, e que nunca encontraram o seu espaço num Facebook ou num Instagram – valorizar essa distinção com uma subscrição podia ser um caminho para o Twitter que o Medium, por exemplo, já fez, eventualmente arriscado até uma quebra no número de utilizadores.
Outra ideia que o Twitter pode vir a explorar pode ser um modelo parecido com o do Patreon: dar aos utilizadores a possibilidade de criarem as suas próprias subscrições, permitindo que só quem apoia o seu trabalho monetariamente possa aceder a alguns conteúdos exclusivos. Um jornalista poderia partilhar insights com uma comunidade mais fechada, um ilustrador conseguiria partilhar trabalhos só com alguns ou um músico poderia mostrar em primeira mão uma nova faixa. O YouTube já anda a explorar esta ideia há algum tempo, e o próprio Facebook também: uma lógica em que as plataformas, depois de conquistarem quotas de mercado sobre a atenção dos utilizadores, pretendem transformar-se em lojas e que sob esse prisma concorrencial podia ser alvo de críticas – porque pretende, de certa forma, fechar o criador num monopólio construído à custa da exploração do seu conteúdo.
Há, no entanto, um grande problema associado às subscrições e que no caso das redes sociais não pode ser ignorado também. Quando se escolhe usar o Spotify e se começa a pagar, criando playlists e construindo uma biblioteca, mudar para um serviço concorrente torna-se depois tão moroso que não vale a pena – pela impossibilidade de transitarmos os nossos ficheiros.
No fundo, uma subscrição é um compromisso maior que o criar uma conta, e mais dependente do que fazê-lo em sistemas que deêm propriedade sobre os ficheiros digitais; é uma escolha que deve ser mais pensada pois envolve um pagamento, mas que acaba por não ser pelos apelos criados pelo marketing, e porque modela uma situação de dependência digital – no caso do Spotify, por exemplo, temos de usar sistemas operativos capazes de correr a aplicação e não só o ficheiro de áudio que queremos consumir. Ao subscrever o Twitter um utilizador está imediatamente a comprometer-se com aquela rede social; se está a pagar, vai querer usá-la mais para aproveitar o seu investimento, com todos os problemas secundários que isso acarreta, como as questões de bem estar digital e de dependência que um feed em constante actualização oferece.
É certo que, como dizíamos anteriormente, este compromisso pode, em tese, eliminar problemas como os dos bots e das contas falsas, favorecendo o Twitter com contas autênticas. O compromisso pode também ser uma garantia de que o Twitter faça mais dinheiro continuamente e possa melhorar as suas políticas e equipas de moderação. O próprio Facebook, em 2018, considerou um modelo de subscrição sem publicidade para os utilizadores e que privilegiasse os seus dados; mas se isso pode ser uma boa ideia, pode também permitir que as rede sociais firmem ainda mais os seus monopólios, criando um um pacote especial que englobe Facebook, Instagram e WhatsApp, por exemplo, o Facebook pode assegurar expandir-se perigosamente, tal como o Twitter pode açambarcar, por exemplo, o mercado noticioso, substituindo o live feed à informação certificada por jornalistas e instituições. Estas mudanças, apesar de cómodo e atractivo para um utilizador que queira usufruir da instantaniedade e comodidade destas plataformas, tornan-nos ainda mais refeéns de uma gigante máquina corporativa.
Será que este modelo de subscrições deixará de ser uma ideia e passará a ser o novo normal num futuro próximo? Que futuro para as redes sociais e para a internet podemos esperar?
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Mário Rui André e João Gabriel Ribeiro contribuíram para este artigo.
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