Black Lives Matter Foundation não é o que parece mas já recolheu milhões em donativos

Black Lives Matter Foundation não é o que parece mas já recolheu milhões em donativos

17 Junho, 2020 /
Foto de James Eades via Unsplash

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A fundação com esse nome não tem nada a ver com o Movimento Black Lives Matter e os propósitos do seu fundador são bem diferentes dos da Black Lives Matter Global Network Foundation, Inc. Robert Barnes quer investir na polícia norte-americana.

Na senda dos protestos contra a discriminação racial levada a cabo pela polícia norte-americana, dezenas de virais surgiram na internet sugerindo que uma das melhores formas de apoiar a causa era doando dinheiro para quem a faz mover. Assim, seguiram-se listas das instituições, fundações ou pessoas para quem devia ser doado dinheiro e a solidariedade internacional foi-se materializando em alguns apoios financeiros. Grande parte deles terá mesmo servido para pagar fianças de manifestantes presos, organizar protestos pacíficos ou apoiar comunidades desfavorecidas como dano colateral do protesto, mas nem todas parecem ter o destino expectável.

Uma investigação do BuzzFeed expõe agora uma instituição que, usando o nome do movimento para angariar dinheiro, não podia divergir mais dos objectivos centrais. Chama-se Black Lives Matter Foundation, é sediada em Santa Clarita, na Califórnia, tem apenas um único titular e empregado remunerado, Robert Ray Barnes, e usa como morada estações da UPS. No total, não se sabe quanto dinheiro terá recebido esta fundação mas estima-se que o valor possa rondar os 3,5 milhões de dólares numa história que envolve até as empresas mais expeditas no universo tecnológico — segundo a mesma reportagem, Microsoft, Apple e Google estiveram prestes a transferir mais de 4 milhões para esta mesma fundação. 

Robert Barnes é um produtor musical de 67 anos, residente em L.A. e que reclama que ninguém é dono do conceito “Black Lives Matter” em resposta aos apoiantes do movimento original que condenam o seu aproveitamento do mediatismo ganho pela expressão. O homem por trás do esquema vai mais longe dizendo que foi o movimento que lhe roubou o nome que ele tinha registado antes como organização sem fins lucrativos — o movimento original, Black Lives Matter Global Network Foundation, Inc. (BLM), processa as doações que recebe através da Thousand Currents. O movimento BLM começou de modo orgânico nos protestos de 2014, e Barnes terá registado a marca em 2015, depois de esta ter ganho algum reconhecimento, e só mais tarde, em 2017, as fundadoras originais terão registado a marca, pelo que do ponto de vista legal, Barnes parece ter cumprido as diligências necessárias.

É então pela grande confusão gerada pela diferença entre Black Lives Matter Global Network Foundation, Inc. e a Black Lives Matter Foundation que Barnes tem recebido dinheiro. É que apesar da utilização do mesmo nome, os planos deste norte-americano são outros. Barnes planeia usar o dinheiro recebido para criar um protótipo de união entre as comunidades e a polícia, o que parece ir em sentido inverso do movimento original que pretende o desinvestimento das forças policiais. De resto, os últimos dados fiscais sobre a fundação revelam que em 2017 terá arrecadado cerca de 280 mil dólares, dos quais 89 terão sido gastos em despesas, 24 mil com o seu salário, e 5 mil dados a um centro de apoio à família. Em entrevista ao Buzzfeed, Barnes diz ainda ter doado dinheiro a uma fundação de veteranos, fundada pela sua família, e em bolsas escolares.

Apesar da segurança demonstrada pelo detentor da fundação, a sua instituição parece já estar debaixo da mira das autoridades. Um procurador geral da Califórnia emitiu uma ordem para cessação da associação por ter falhado nas obrigações declarativas ao sistema tributário.

Perante a investigação do BuzzFeed, o GoFundMe congelou a sua conta de angariação de fundos bem como os 350 mil dólares que tinha em crédito, tal como outras plataformas de doações. Já na plataforma Benevity, a sua campanha continua activa com uma referência entre asteriscos ao facto de a associação em causa não ser afiliada dos percursores do movimento.

Autor:
17 Junho, 2020

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