Parasite vence em noite de Óscares: um exemplo de parasistismo simbiótico

Parasite vence em noite de Óscares: um exemplo de parasistismo simbiótico

10 Fevereiro, 2020 /

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Para mim, a relação entre 'Parasite' e a Academia pode ser vista à lupa da analogia que o próprio filme propõe, a dos Parasitas. Sendo que neste caso proponho que olhemos para a relação como um exemplo de simbiose. 

Quando pensamos em parasitas, geralmente vêm-nos à memória relações de exclusiva dependência em que apenas um dos corpos sai a ganhar, contudo as relações parasitárias podem ter várias configurações e, em certos casos, ganha tanto o corpo que serve de hospedeiro como aquele que serve de parasita. Depois de ver o filme sul coreano Parasite sair como grande vencedor dos Óscares 2020, a destrinça entre essas possibilidades parece-me matéria para reflexão sobre o fenómeno oscariano.

Parasite era o distinto outsider entre a lista de nomeados nas principais categorias. Vindo da longínqua Coreia do Sul, a obra de Bon Joon-Ho ultrapassara as fronteiras que geralmente empurram os filmes estrangeiros para a categoria que lhes é exclusivamente dedicada e intrometeu-se entre produções norte-americanas em listas como a de Melhor Filme ou Melhor Realizador, que acabou por arrecadar. As reações à sua vitória foram diversas, das mais esperançadas que viram aí uma mudança significativa da academia às mais cínicas que vêem no mesmo gesto apenas uma forma de os Óscares lutarem pela sua relevância. Para mim, a relação pode ser vista à lupa da analogia que o próprio filme propõe, a dos Parasitas. Sendo que neste caso proponho que olhemos para a relação como um exemplo de simbiose. 

Simbiose é o tipo de relação que se estabelece entre dois seres vivos em que ambos beneficiam mutuamente. Neste caso, articulando a analogia, podemos começar por explanar os ganhos de Parasite. Por muito indie e artsy que um filme seja, a parte financeira é sempre uma questão importante, até para permitir ao realizador crescer cinematograficamente e almejar produções cada vez mais ousadas – nesse particular, os Óscares são como um selo de rentabilidade que colocarão o seu realizador e equipa de produção numa posição privilegiada. Para além disso, numa perspectiva mais abstracta, o galardão levará mais pessoas a procurar o filme e nesse sentido a mensagem transmitida pelo seu realizador alcançará um publico mais vasto, o que à partida também é um objectivo transversal a qualquer produção.

Por outro lado e, olhando para os Óscares como hospedeiro deste parasita, não é difícil perceber o que ganha a Academia em reconhecer esta obra como um dos filmes de 2019. Ano após ano, os Óscares são alvos de críticas cada vez mais aguçadas que apontam a falta de diversidade como um erro cada vez mais flagrante num mundo cada vez mais globalizado e onde se promove a heterogeneidade. Parasite é assim um balão de oxigénio de que a Academia se socorre para respirar relevância pelo menos durante mais um ano – e fá-lo depois de a popularidade e aceitação do filme estar provada até em termos de mercado, depois do realizador assinar o acordo para a produção de uma série.

Esta ideia, contudo, não procura tirar qualquer mérito ao filme que, na minha opinião, é realmente um dos melhores do ano. Pelo contrário, é minha intenção neste artigo questionar a esperança que se formou sobre a academia estar a mudar. De resto, vendo à distância, pergunto-me se não a tivemos em diversos anos? Será que a Academia quer mesmo dar espaço ao cinema internacional no seu certame? Para mim é claro que a resposta é não e a explicação é simples: se os Óscares quisessem realmente premiar o cinema feito globalmente e não os melhores produtos da sua indústria, derrubariam a distinção entre a produção local e estrangeira. Parasite é um excelente filme mas não é o primeiro filme estrangeiro que merece ser distinguido mais do que tantos outros americanos. Se me perguntassem opinião pessoal, dispararia sem pesquisar ou hesitar The Square de Ruben Ostlund em 2017 e Amour de Michel Haneke em 2012.

Posto isto, importa também realçar que, conforme escrevi aqui na antecipação aos Óscares, a minha crítica não se dirige propriamente ao espectáculo que é sobretudo previsível mas antes ao fenómeno. A mediatização dos Óscares é sempre precedida de uma análise do que devia estar nomeado e não está e procedida de um sopro de esperança por um motivo qualquer. Creio que é hora de olharmos para todo o circuito de festivais de cinema e, tal como a Academia, tentar desmanchar alguns preconceitos, e aceitá-los na sua diversidade, mais do que esperar todos os anos que chegada esta altura a elite norte-americana valide o nosso consenso. Porque como diz Bong Joon-ho, “essencialmente, vivemos todos no mesmo país, chamado capitalismo”.

 

Autor:
10 Fevereiro, 2020

O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

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