Lara Seixo Rodrigues: a mulher que dá cor às cidades sem pintar

Lara Seixo Rodrigues: a mulher que dá cor às cidades sem pintar

4 Setembro, 2019 /
Foto de Mário Rui André/Shifter

Índice do Artigo:

Esta é a história de uma arquitecta que acredita que a arte urbana só serve o seu propósito se tiver um sentido comunitário.

Lara Seixo Rodrigues não é um nome desconhecido para ninguém no mundo da arte urbana. Para lá de um nome está um percurso e uma carreira que não vamos abordar em tom de currículo. O propósito deste artigo é contar a história da Lara, tendo em conta as sensações e os sentimentos absorvidos em cada fase da sua vida profissional e pessoal. Durante um par de horas, foi esta a abordagem colocada à nossa entrevistada no lugar onde tudo começou.

A soma dos caminhos para aqui chegar

O LXFactory foi o início de tudo quando o espaço não era um décimo daquilo que é hoje. Não havia modas, incubadoras de projectos ou bolos com cobertura a preços inflacionados. Tudo era industrial e sem cor mas o potencial para mudar estava lá. Também Lara se descobria a si própria, começando por criar raízes profissionais, primeiro na arquitectura e depois na arte urbana e acabando por se sentir refém de um projecto motivador (Balneário) mas que exigia dedicação pessoal para lá do razoável.

Este processo de aprendizagem pessoal em que definimos aquilo que não queremos para a nossa vida evita que cometamos erros de palmatória no futuro. Lara dispensava o processo burocrático da arquitectura e não queria abdicar da vida pessoal por um espaço multidisciplinar. Rapidamente orientou o foco e juntou as maiores valias daquilo que tinha aprendido e testemunhado na vida: a organização, a arte urbana e as raízes na Covilhã.

Em 2011 surgiu o Wool – Covilhã Arte Urbana, um evento em que a organizadora sabia a história do local, sentiu na pele as incidências do passado e teve a responsabilidade de envolver uma comunidade esquecida em torno da arte. Comunidade é talvez a palavra mais importante no discurso de Lara. “A arte não faz sentido se não possuir uma lógica comunitária”.

O Lata 65 é possivelmente o seu projecto mais social/comunitário. Comporta o selo “frágil e sensível” para corações mais emocionais e atesta a mentalidade de cada um com solidariedade e aprendizagem. Idosos, seniores e velhinhos com mais ou menos vontade são convidados a participar na mudança visual de um local. A experiência não podia ser mais positiva apesar de algumas vezes o estômago ter de ser forte para testemunhar o pouco valor que nós ainda damos aos mais velhos.

As bases do futuro estavam criadas e surge a Mistaker Maker, plataforma de intervenção artística, que procura ter um papel ativo na produção e organização de eventos de arte no seu todo em Portugal. “A maior crítica que posso fazer ao meio da arte urbana é que falta profissionalismo na área”. O trabalho de Lara na organização que lidera consiste em dar resposta diária à crítica que faz.

Foto de Mário Rui André/Shifter

A visão sobre um meio dinâmico

Aos olhos de Lara, o artista em 2019 tem um mundo para percorrer e para potenciar. Hoje não pode chegar o trabalho puro e duro, tem de existir contacto e experiência profissional com o público e com os mass media, assim como tem de haver abertura do artista para aceitar outros desafios e descobrir novas valências. Todo este trabalho profissional e de reinvenção tem um único e absoluto fim: a manutenção da motivação e a preservação da paixão.

O meio da arte urbana é um jogo de relações entre quem quer e quem manda. A relação com as autarquias e com as marcas necessita de cuidados especiais e como qualquer relação são precisos dois para dançar o tango, sem pisar os pés ou os limites de cada parte. Lara acredita que a arte urbana é uma ferramenta de transformação de um local. Quando lhe é pedida ajuda para intervir, espera ouvir do outro lado os pontos mais negativos do local, de modo a que estes possam ser enfrentados. Depois do trabalho de campo e da aferição das condições, começa o trabalho de organização, onde se procura conjugar os artistas indicados para aquele local numa lógica de dinâmica de grupo.

Como qualquer festival, a curadora e organizadora trabalha no pré, corre no durante e reflete no pós. A maturação da felicidade acontece mais tarde quando o resultado cumpre os objetivos traçados. Gerir recursos humanos enquanto responsável não é tarefa fácil mas é algo que é apreendido com os anos. Traçam-se regras e códigos de conduta informais e todas as edições surge algo novo para solucionar. Também a inserção de artistas internacionais obriga a uma abertura de horizontes e na visão de Lara, ajuda a internacionalizar os artistas portugueses e não a roubar-lhes o palco.

Passar a mensagem sem ressentimentos

Ouvir, falar e pensar arte é algo que Lara faz muito bem, e que fica comprovado pela conversa que teve com o Shifter. Bernardo Pires de Lima achou o mesmo e convidou-a para pertencer ao grupo de reflexão que reúne com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Lara Seixo Rodrigues integra o grupo de trabalho e faz parte de um leque de personalidades qualificadas das mais variadas áreas que procuram discutir e pensar os principais problemas e soluções que vão marcar a próxima década.

Aceitar o desafio de participação na esfera do poder era a única resposta possível para quem pretende levar a sua ideia de intervenção na comunidade mais longe. O ego foi controlado e neutralizado nesta questão e a consciência foi preparada para que o meio a veja de uma forma rotulada. Para Lara, este grupo de reflexão no Palácio de Belém constitui-se também como um processo de aprendizagem.

Segundo a fundadora do Wool, ESTAU e do fresco Fazunchar, o futuro da arte urbana estará intimamente ligada ao pós-moda. Depois do boom e da tendência, o que ficará? Na cabeça de Lara, as ideias parecem claras. Trabalha todos os dias com a mesma paixão e entrega para oferecer aos “seus” artistas e ao “seu” público coisas diferentes e nuances alternativas. Não chega fazer o mesmo ano após ano e seria fácil aburguesar, assente numa fórmula que agora resulta.

Ao longo deste tempo nem tudo foram rosas e momentos bonitos. Existiram desavenças e mágoas que têm tanto de natural numa classe profissional como de infeliz numa área que deve crescer sustentada. “Depois das desilusões, entregas-te da mesma forma”, interroguei eu. E a resposta da Lara resume a moral desta história e pode ser aplicada na vida de cada um de nós: “Tenho a obrigação de me entregar, pois quem vem a seguir não merece menos paixão”.

Autor:
4 Setembro, 2019

O Rui Sousa é licenciado em Ciência Política pelo ISCSP e mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação no ISCTE.

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