Tal como me motiva escrever e, com a ajuda das palavras, criar novos sentidos e esclarecimentos para assuntos triviais do nosso dia-a-dia perante uma audiência alargada, também o desafio de falar em público com o mesmo propósito é, para mim, igualmente entusiasmante. Foi por isso com naturalidade e certeza que mesmo sem pensar aceitei o convite para falar no TEDx de Guimarães – numa edição que este ano se dedicava ao tema das raízes.
Os meus interesses múltiplos, o meu particular fascínio-céptico pela contemporaneidade e os fenómenos actuais que acompanhamos no Shifter a um ritmo verdadeiramente alucinante, dão-nos uma bagagem extra e fazem com que veja qualquer uma dessas oportunidades com vontade, não por vaidade de poder mostrar o meu nome – parte que até dispensava. Sinto, acima de tudo, gratidão por poder pelo menos contribuir para a vida de alguém com mais a partilha de um facto, curiosidade ou pensamento que tanto input diário produziu em mim. Fake news, redes sociais, internet em geral podem não ser assuntos que tecnicamente domine mas são assuntos onde a experiência profissional e os anos de Shifter me ajudaram a desenvolver uma sensibilidade composto de pequenas curiosidades, que, a meu ver, qualquer pessoa devia, ou melhor, podia saber – no TEDx encontrava um público ecléctico e sem a internet como intermédio.
Por exemplo: sabias que carregar o iPad e consumir 1 hora de conteúdo em streaming semanalmente gasta tanta energia em rede como um frigorífico de boa classe energética durante um ano? O que é blockchain? Micro-segmentação? Dark patterns?
Foi com essa mistura explosiva de entusiasmo, temas da ordem do dia e, não vou esconder, um sentimento de gratidão que aceitei o convite para apresentação no TEDx, uma ideia que pareceu sempre espectacular até me lembrar que… tinha mesmo de preparar uma apresentação para o TEDx.
Apesar de já ter sido convidado para falar sobre o Shifter noutros contextos, o caso aqui era muito específico e o propósito maior do que apresentar o projecto – afinal de contas até no guia do orador as indicações para que não o fizesse estavam explícitas. Assim, o que aparentava ser fácil rapidamente se revelou no mínimo desafiante – pessoalmente assustador em alguns momentos, devo confessar.
A verdade é que a quantidade absurda de TED Talks que já vira até hoje moldava na minha cabeça uma ideia daquilo que deviam ser aqueles 15 minutos e especialmente sobre aquele wow que a audiência devia idealmente sentir no final. Diziam-me que o TEDx não era uma conferência qualquer, que tinha de ter uma narrativa pensada, os tempos controlados e as reacções previstas; e eu sem saber muito bem como me preparar para tudo isso. O à-vontade com que falo em público de coisas que me entusiasmam sempre me permitiu preparar pouco e improvisar com confiança, mas pela primeira (talvez por preconceito) sentia que esse não podia ser o caminho, que ia defraudar quem me convidara e acreditara que tinha algo por dizer.
Passado o choque inicial, foi momento de começar a despejar a ideias para posteriormente as sistematizar. O esboço inicial sofreu várias alterações, mas o seu esqueleto nunca foi muito além do que se pode ver acima. Mesmo durante a fase de preparação ,continuava a reinar o espírito de improviso com a escolha dos tópicos e a sua preparação a deixar sempre espaço em aberto para alguma divagação. Foi aí que comecei a perceber que não podia fugir ao espírito, que é mais forte que eu por muito que tente preparar algo escrupulosamente não consigo propriamente preparar um guião.
Foquei-me em escrever apenas as ideias principais e em tornar-me, durante umas semanas, obcecado em pensar sobre elas; qualquer coisa com que me cruzasse na vida tentava relacionar com aquilo sobre o qual me estava a preparar para falar e foi assim que se foi construindo a apresentação final.
O suporte de apresentação seguiu a mesma onda; sem querer criar algo que soasse demasiado clínico ou pensado, para não mascarar o entusiasmo, decidi fazer tudo com recurso a pesquisas de Google e screenshots dos tais momentos a que me referia mais acima. Até ao dia da apresentação, aliás, até à hora da apresentação tudo se manteve em aberto e na noite anterior acrescentei mesmo um slide-chave fruto de um tweet de uma revista que me permitia expandir a narrativa e torná-la mais evidentes: a frase do filósofo Bruno Latour sobre a forma como a verdade é uma rede dependente de raízes de uma reportagem da New York Times Magazine.
O resultado é o que se pode ver. Passado tudo e olhando à distância, o mais difícil foi mesmo escolher o título que ainda não me convence totalmente.
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