Ouvimos muitas vezes falar do promissor futuro de Portugal na área da tecnologia, mas nem sempre é fácil analisar o sector e perceber como se traduz na prática essa promessa. O desafio é grande mas nesta matéria os dados podem dar uma ajuda. Existem alguns indicadores que permitem aferir, em termos macroscópicos, as principais tendências, mas toda a informação acaba por ser escassa. A Landing.Jobs quis dar o seu contributo para este puzzle e recolheu, compilou e analisou respostas de cerca de 4000 pessoas a um inquérito sobre os seus empregos.
“A realização anual do Landing.Jobs Tech Careers Survey é um ato da comunidade tech para a comunidade tech. Na Landing.Jobs acreditamos que os profissionais de tecnologia devem gerir as suas carreiras como uma componente importante das suas vidas, e maximizar a evolução da mesma. Para tal é necessária informação, informação essa que é fornecida anualmente por este Survey.”, explica-nos Pedro Moura, CMO na Landing.Jobs.
Os dados estão agora disponíveis para um desafio de tratamento de dados com um prémio monetário, e o acesso à sua análise pode ser requerido aqui. Olhámos para as cerca de 46 páginas que compõem o relatório e traçamos aqui algumas considerações sobre este sector e as tendências que se registam – e seguindo as anotações da empresa provedora do estudo. Questões como o salário, o tipo de contrato ou o país do empregador foram respondidas por profissionais do universo tecnológico, num questionário divulgado por parceiros da empresa ligados ao sector que permitiram e promoveram a sua disseminação mais ou menos equitativa por todo o sector.
A diferença entre géneros não é só no salário
Uma das conclusões que salta de imediato à vista no relatório, pela evidência gráfica que proporciona, continua a ser a diferença de género no universo de trabalhadores do sector. Segundo os dados recolhidos esta diferença é de mais de 70% – apenas 12,52% dos respondentes são do género feminino. Um número que não surpreende propriamente, mas é sempre de sublinhar na medida em que marca uma desigualdade de representação numa área profissional consensualmente vista como sendo “de futuro”.
Os dados revelados pelo estudo promovido pela Landing.Jobs surgem na linha do revelado pelo relatório do Instituto Europeu de Igualdade de Género (EIGE, na sigla inglesa) 2020. A sub-representação dos géneros para além do masculino no universo tecnológico em Portugal encontra-se na mesma ordem de grandeza da média europeia, num valor que se situa abaixo do reportado nos Estados Unidos, onde a percentagem de trabalhadores não-homens já chega perto dos 25%.
Na mesma linha de análise, é de referir que apesar da tendência deste sector para remunerações mais elevadas, o wage gap – diferença salarial entre homens e mulheres – continua a verificar-se, ainda que, segundo os dados, com tendência a decrescer. O relatório da Landing.Jobs aponta para uma diferença de 18%, uma estimativa que se situa na média dos valores conhecidos – o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Salarial esta diferença seria de 14,4% mas um estudo do ISEG aponta diferenças na ordem dos 20% como reporta aqui a TSF.
De resto, a subrepresentação das mulheres nas tecnologias é um tema que tem sido amplamente discutido nos últimos anos. Em Portugal, especificamente, existem pelo menos dois grupos de afirmação das mulheres a trabalhar nas tech, a Portuguese Women in Tech, com uma comunidade online e programas de mentoria, e o Geek Girls Portugal, que têm como principal objectivo e missão incentivar mais mulheres a ingressar em carreiras tecnológicas.
De qualquer modo, para analisar a tendência é preciso olhar para todos os padrões que a sustentam e, nesse particular, é de notar que desde logo na educação esta diferença se começa a fazer sentir. Olhando para os dados de licenciados na área das tecnologias é possível aferir uma diferença sempre bastante superior aos 50%, sinal de que uma mudança de fundo para um cenário mais equitativo pode estar dependente de outras políticas ou de percursos alternativos que integrem outros géneros no universo tecnológico.
Lisboa continua a ser o centro do universo tecnológico em Portugal
De entre os demais dados tratados, outra diferença salta imediatamente à vista: o papel de Lisboa no universo tecnológico e a diferença salarial relacionada com a situação geográfica dos trabalhadores. No sector tecnológico – e apesar da descentralização ou da possibilidade de trabalho remoto em algumas posições – Lisboa continua a ter uma média salarial acima da média do restante país.
Mais concretamente, em Lisboa, ganha-se em média mais 18,4% do que nas outras regiões do país – uma diferença especialmente contrastante com a média auferida no Norte (fora da Área Metropolitana do Porto). Ainda assim, vale a pena assinalar que a tendência de variação reportada pelos respondentes dá nota de uma subida mais acentuada nos salários na zona do Porto que poderá, no futuro, ajudar a colmatar esta diferença ainda significativa.
E se a diferença salarial que se regista em termos de área de residência é uma evidência que afasta a capital portuguesa das demais regiões, no cômputo internacional também as diferenças são de assinalar. Numa pergunta dirigida apenas àqueles que trabalham para empresas internacionais, as respostas registam uma décalage assinalável entre os salários, com os Estados Unidos da América a revelarem-se mais uma vez como o país no topo da tabela dos melhores pagadores – seguido de Reino Unido, Alemanha e França. Dados que se revelam cada vez mais impactantes no panorama português, à medida que, como revela outra das questões, a percentagem de trabalhadores portugueses para empresas estrangeiras continua a aumentar. São actualmente cerca de 22%, cerca de 60% dos quais a trabalhar para outras empresas europeias.
Neste sentido, é importante também referir a possível influência da pandemia na alteração e modelação de algumas dinâmicas de emprego e contratação. Com a Covid-19 a tornar, durante grande parte do ano, o trabalho remoto numa obrigação em muitos dos países contratantes, a percentagem de trabalho remoto pode ter sido inflacionada em 2020. De todo o modo, não são só as políticas de trabalho que estão a mudar. Com o remoto a ganhar espaço, também as diferentes formas contratuais começam a ganhar mais destaque, numa transação que deve e tem de ser acompanhada com a garantia de proteção legal dos trabalhadores, independentemente do local de origem do seu empregador.
Novas tendências aumentam procura
Na linha de cima das novas tendências reveladas pelo relatório da Landing.Jobs está a opção – aparentemente vantajosa – por novas relações contratuais em detrimento do habitual posto de trabalho fixo e permanente. Nos dados referentes a 2020 os trabalhadores em modo “contracting” – ou seja, em regime freelancer – voltaram a reportar uma diferença salarial na casa dos 50%. A este valor soma-se uma percepção de maior justiça no salário face aos trabalhadores em contratos permanentes.
Numa síntese global do relatório, outros dados interessantes se relevam. Por exemplo, nas empresas de outsourcing e consultoria de negócio regista-se uma tendência para a descida dos salários, que contraria a tendência global do mercado e contrasta com a tendência de aumento em novas empresas do tipo start-up (novos negócios) ou scale-up (em momento de crescimento) – um dado que pode ser especialmente interessante de analisar face à escassez de trabalhadores na área tecnológica, que causa dificuldades de retenção de trabalhadores entre as empresas com políticas menos atrativas.
De resto, a falta de trabalhadores na área tecnológica era uma tendência que vinha sendo assinalada já desde antes do anúncio da pandemia e que se veio a acelerar com o confinamento e a necessidade de adaptação de alguns negócios e serviços ao ambiente digital. Já em 2015 se estimava que no espaço europeu, em 2020, houvesse um défice de cerca de 800 mil trabalhadores na área das IT, um número que se estima que possa ter aumentado com a pandemia. Em contraponto neste capítulo, contudo, estão as entradas cada vez mais diversificadas no universo das tecnologias. Em 2020, 19% dos inquiridos disseram ser auto-didatas, enquanto 4,82% chegaram ao universo IT através de Bootcamps – muitas vezes focados na reconversão de carreiras.
Por outro lado, é também de sublinhar os resultados sobre o parâmetro subjectivo da cultura no trabalho. Num indicador em que a pandemia também pode ter tido influência, os trabalhadores são claros quanto às regalias que preferem receber dos seus empregadores, preferindo claramente coisas como equipamento de trabalho, seguro de saúde, licença parental em detrimento de outras como refeições na empresa, transporte, acções do empregador ou ginásio no emprego – dados que indicam de certa forma um deslocamento do sector em relação ao estereótipo de Sillicon Valley.
Para além desta análise dos dados, a Landing.Jobs pretende que este projecto possa também ser o pontapé de saída para outros estudos. E por isso lançou à comunidade um desafio de análise de dados, com prémios para as 3 melhores ideias, entre os mil e os 250 euros. A empresa lisboeta com atividade em várias cidades europeias pretende assim dar continuidade à mudança que encetou com a mudança de nome, proporcionando não só o serviço com que cresceu, como contribuindo para a dinamização do emprego na área das tech, nomeadamente através da recolha e disponibilização de informação.
[infobox]Este artigo tem o apoio da Landing.Jobs. A empresa portuguesa de recrutamento para o mercado tecnológico com operação em vários países, desafiou o Shifter a olhar para o seu relatório e tirar alguns apontamentos e ilações.[/infobox]
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