Este é um relato das Eleições Presidenciais vistas por um emigrante a partir da Estónia. Tenho de deixar claro, vou escrever a minha opinião. Outras pessoas podem concordar com o meu relato ou não, fico à disposição para partilhar experiências e discutir pontos de vista.
Nas últimas eleições, as legislativas de Outubro de 2019, relatei como foi votar via carta a partir de um país da União Europeia. Outros emigrantes, noutros países mais remotos, tiveram com certeza muito mais problemas com cartas, serviços postais e respostas de embaixadas e órgãos oficiais. Pensava que, num contexto de isolamento, em que as viagens são totalmente desaconselhadas e os contactos sociais absolutamente condenados, a fórmula se repetiria. Já nessa altura, expliquei que era da opinião que se devia investir num sistema de voto digital, através de leitor de cartões ou uma chave móvel digital – talvez por viver um dos únicos países do mundo onde isso acontece, a Estónia. Sei que em 2017 havia intenção de se fazer uma experiência com blockchain nesse sentido. Mas, tanto quanto sei, não resultou e não há propriamente um relatório com conclusões acessíveis. O facto é que não há forma de votarmos à distância, uma coisa que já seria extremamente útil em circunstâncias normais, quanto mais num cenário de crise de saúde pública.
Diário de um eleitor emigrante com paciência e vontade de votar
A cronologia é a seguinte:
30 de Novembro
São postadas no grupo de Facebook dos portugueses na Estónia pelo funcionário da embaixada as instruções sobre as eleições a realizar-se a 24 de Janeiro de 2021. Os cidadãos deslocados por motivos de trabalho, estudantes, motivos semelhantes, poderiam votar entre os dias 12 e 14 de Janeiro. Começa a discussão, porque estas datas não contemplam os residentes permanentes. O pessoal com morada registada nos cartões de cidadão na Estónia estava todo à espera de poder votar por correspondência e evitar meter-se num barco com centenas de pessoas para ir exercer o direito de voto.
Resumindo, parece que vamos ter de ir à Finlândia, mais precisamente à embaixada em Helsínquia, para poder votar.
1 de Dezembro
Saiu o post no mesmo grupo com a declaração oficial da Comissão Nacional de Eleições para os recenseados no estrangeiro, ou seja, eu. Sem hipótese, confirma-se. Vamos ter de ir mesmo a Helsínquia.
Fomos fazendo as nossas conversas na comunidade local, à espera que alguma alma nos cargos de https://staging2.shifter.pt/wp-content/uploads/2021/02/e03c1f45-47ae-3e75-8ad9-75c08c1d37ee.jpgistração da nação se lembrasse dos eleitores emigrantes. Segundo o Público, foram enviadas 1.464.709 cartas com boletins de voto em 2019. Deste número, chegaram 158.252 votos.
10 de Janeiro
Falo com a minha irmã, que está a viver na Alemanha. Ela menciona que durante o debate entre Marcelo Rebelo de Sousa e Ana Gomes foi finalmente mencionado o caso dos emigrantes que ficariam de fora do processo eleitoral. Fui atrás do debate para perceber o que foi dito. O ainda Presidente mencionou que falou com os grupos parlamentares, mas que as regras previstas para a eleição apenas aceitavam votos presenciais. Depois ainda se previu ir buscar votos aos lares de idosos e a outras pessoas em confinamento. O meu desejo era que viessem buscar também o meu.
11 de Janeiro
Escrevo para a embaixada em Helsínquia a pedir duas coisa:
- Uma mesa de voto na Estónia, porque dava um jeito enorme não ter de me meter num barco – acho que somos menos de 200 pessoas na Estónia.
- Caso não seja possível uma mesa de voto na Estónia, pergunto se será possível ter uma justificação para apresentar na fronteira.
Nesse mesmo dia tenho uma resposta do Luís, o funcionário que me tem ajudado em todas as circunstancias (e é o maior). Infelizmente a resposta à primeira pergunta foi negativa.
Quanto à segunda, ele ia ver se tinha autorização para enviar essa declaração.
12 de Janeiro
E viu mesmo. Enviou-me um email incrível a explicar à polícia da fronteira a situação dos portugueses que se deslocam à Finlândia para poder votar. Ao menos isso.
14 de Janeiro
Comprei o bilhete para ir à Finlândia de barco a partir de Talin. Em circunstâncias normais seriam 40 Euros de ida e volta, mas consegui uma promoção para ir e voltar com 10 Euros. Sorte! Vou no dia 23, sábado, às 7 da manhã e volto às 4 da tarde.
16 de Janeiro
Combinei com outra amiga portuguesa que vamos os dois. Tentei fazer pressão a mais alguns amigos, mas não sei se vou ter sucesso.
17 de Janeiro
Foi publicado outro texto, em conjunto com quatro outras pessoas, a contar as aventuras de emigrantes. A minha parte são basicamente as mesmas queixas que apresento aqui, mas menos detalhado:
- É uma seca apanhar o barco para votar (e se houver segunda volta, que duvido, farei a mesma viagem).
- Podia ser voto electrónico com o cartão do cidadão, que os Estonianos já o fazem há 15 anos.
18 de Janeiro
Escrevo este mesmo relato. Agora não sei o que trará o futuro.
Espero que no dia 23 de Janeiro possa realmente viajar sem problema.
A minha previsão é que a abstenção, que já é tradicionalmente terrível na comunidade na diáspora, vá ser ainda pior.
Cá estarei para fazer a minha reflexão de emigrante sobre as eleições.
19 de Janeiro
Vi este artigo do Expresso, sobre as opiniões do Presidente a respeito do voto de emigrantes. Precisamente a minha opinião. Se as tivesse dado há 9 meses atrás, provavelmente tínhamos avançado qualquer coisinha.
21 de Janeiro
Estou um bocado em pânico porque nos jornais fala-se que a Finlândia vai endurecer as condições de entrada a partir da Estónia, que não está muito famosa em termos de Covid-19.
22 de Janeiro
Confirma-se. A partir de segunda feira, dia 25, não vão deixar pessoas que não tenham trabalhos essenciais, políticos, polícias e pessoas com razões maiores. Trabalhadores MESMO essenciais.
23 de Janeiro, Sábado
É o dia.
Levantei-me às 5 horas da manhã, cheguei ao terminal do ferry às 6 e meia e lá partimos para a Finlândia as 7 e meia da manhã. Comigo ia uma amiga que também não se ia sentir bem se não fosse votar.
Chegamos às 9 e meia e ao passar a fronteira a polícia perguntou-nos ao que íamos. Nós lá dissemos que íamos para votar. Perguntou-nos quando íamos voltar e eu disse que era no mesmo dia.
Saímos do porto em direção à embaixada, caminho que devia ser cerca de 30 minutos a pé. Tava tudo cheio de gelo, porque a neve derreteu e congelou outra vez. É um pouco difícil caminhar nestas circunstancias. Paramos a meio do caminho num mercado que tem um restaurante/café português que já conhecíamos das ultimas eleições europeias. Fomos comer um pastel de nata e falar com os donos. Depois seguimos caminho.
Às 11 horas da manhã chegamos à embaixada. Votei. E ainda recebo um cartão de cidadão meu, que foi perdido há um ano atrás e que a policia da Estónia enviou para lá.
Quando saímos, estava a entrar outra pessoa para ir votar. Agora, com o dever cumprido, vamos à Pizza Hut, que não existe na Estónia. Daqueles pequenos rituais que seguimos cada vez que vamos a Helsínquia.
Ainda fui dar uma voltas sozinho, que a minha amiga teve de ir embora mais cedo. Às 15h30 estou no porto outra vez e partimos às 16h30. Cheguei a Tallinn às seis e meia. Ao chegar, estava a preparar-me para fazer o teste à Covid, mas como as infecções na Finlândia estão reduzidas disseram-me que posso ir para casa sem problema e nem tenho de fazer quarentena. Bónus!
Cheguei a casa às 8 da noite.
24 de Janeiro, Domingo
Agora é aguardar os resultados pacientemente.
25 de Janeiro, Segunda
Em jeito de conclusão: já sabemos os resultados. O que me interessou particularmente foi o número de votantes nos círculos do estrangeiro. Segundo os dados, votaram 1.87% dos 1.476.543 inscritos. Isso é um total de 27.615 votantes que resolveram sair de casa, viajar centenas de quilómetros, alguns até passar fronteiras, para escolher o candidato em eleições que não foram fáceis para ninguém. Para pôr a coisa em perspectiva, havia 10.791.490 inscritos no total, Portugal e estrangeiro. Os resultados, quem ganhou ou perdeu, não me importam muito. O meu desejo principal é que se tirem conclusões para as próximas eleições, para se incluir todos os cidadãos a viver no estrangeiro, não apenas aqueles que realmente estão comprometidos com as eleições. Fomos automaticamente recenseados no círculos do estrangeiro portanto é melhor que haja medidas que ajudem na participação.
Ainda temos algum tempo até às próximas eleições legislativas, em 2023, uma vez que não podemos votar para as autárquicas. Só espero que, nessa altura, se tente, finalmente, um sistema de voto electrónico. Também pode continuar o voto por correspondência que, na minha opinião, não funcionou assim tão mal em 2019, mas pode melhorar. Aguardaremos e faremos pressão para que se encontrem soluções mais práticas.