Quando pensamos na Terra, de um modo geral, vem-nos à memória a imagem do globo azul e verde. As cores em destaque são aquelas que, intuitivamente, associamos à natureza e a imagem global pintada nestes tons remete-nos para a ideia de que apesar de todo o desenvolvimento humano, a biosfera continua a levar a melhor. Mas, segundo um estudo publicado na revista Nature, tirando a água desta equação, ou simplesmente estimando criteriosamente a massa dos componentes da Terra, todo o caso muda de figura. Pela primeira vez na história da humanidade, a massa (vulgarmente conhecido por peso) da tecnoesfera ultrapassou a da biosfera, um dado que sustenta a hipótese debatida por especialistas de que vivemos numa nova era, em que a mão do Homem, no sentido figurado, se tornou num dos maiores agentes modeladores do globo ou, por outras palavras, “se tornou numa força dominante da face da Terra”.
A ideia deste estudo levado a cabo por Emily Elhacham, Liad Ben-Uri, Jonathan Grozovski, Yinon M. Bar-On e Ron Milo, é, portanto, informar melhor as nossas percepções sobre o planeta em que vivemos, fornecendo novos dados que permitam uma compreensão do equilíbrio do planeta Terra, nomeadamente entre aquilo que criámos e aquilo que o próprio planeta gerou. Em análise, estiveram estimativas da massa produzida por humanos, categorizada como massa antropogénica, e a massa das diferentes formas de vida na Terra, a biomassa. Entre o que é biológico e o que é artificial, pode dizer-se de forma simplista. Para tal, os investigadores recorreram a um conjunto considerável de estudos e modelos de projecção quer de um quer de outro valor, para que vale a pena olhar.
A massa antropogénica é entendida como qualquer massa inanimada que tenha sido criada por humanos e não tenha sido destruída ou demolida, nesse caso chama-se lixo antropogénico. Neste ponto são estimados os recursos que, provenientes da natureza (enquanto matérias-primas), foram convertidos e assimilados pelo sistema socioeconómico, como mercadorias ou artefactos. Assim, contam para esta estimativa coisas como o betão, os conglomerados, asfalto, metais, madeiras, vidro ou plástico. Já os terrenos de cultivo agrícola, embora sirvam propósito humano e estejam enquadrados nesse sistema socioeconómico foram considerados por biomassa por serem seres vivos – o mesmo raciocínio aplicou-se, de resto, aos próprios humanos, embora o seu peso relativo seja 0.01% da biomassa global. Para o cálculo os investigadores recorreram a dados pré-existentes, entre eles, os de um estudo conduzido por Fridolin Krausmann, que colaborou na investigação agora publicada, Christian Lauk, Willi Haas, Dominik Wiedenhofer, que calculou a velocidade do metabolismo socioeconómico entre 1900-2015, isto é, a velocidade do fluxo dos materiais entre o seu estado inicial – matéria-prima – e o seu estado final – lixo. Importa também referir que a estimativa se baseia em valores de massa excluíndo o peso da água em todos os componentes, e que, por limitação dos dados, os investigadores partem do princípio que a acumulação de massa na Terra começa do zero no primeiro ano do estudo – opção suportada pelas estimativas de uma baixa acumulação de massa até ao princípio do século XX.
Já a estimativa do peso da biomassa, o outro eixo de análise do estudo, parte de um processo relativamente semelhante, fazendo sobretudo uma revisão das metodologias de estimativa deste valor. O bolo global da biomassa foi dividido em dois grandes grupos, as plantas, e as não-plantas, onde se incluem bactérias, fungos, archae, protistas e os animais. Neste cálculo ganha também importância – como em todo o paper – outros artigos anteriormente publicados, nomeadamente o estudo feito por Yinon M Bar-On, Rob Phillips, Ron Milo, publicado em 2018 que calcula a distribuição da biomassa na Terra, sugerindo que as plantas são responsáveis por mais de 90% da massa global. Também neste capítulo é calculada a massa dos corpos estimando-se o valor sem água dos seus corpos.
Na comparação global foram equiparadas as várias categorias, chegando-se à conclusão que a massa do que fora produzido pelo humano (massa antropógenica), ultrapassa pela primeira vez toda a biomassa. Os investigadores apontam o ano 2020 com a respectiva margem de erro, como o ano que marca o ponto de viragem neste equilíbrio e, na discussão do artigo, sugerem algumas ideias importantes para compreendes de uma forma holística este fenómeno. Se o lixo – lixo antropogénico – fosse incluído na estimativa, os investigadores sugerem que o ponto de viragem tivesse sido há 7 anos, em 2013. Mais inferem que se o ritmo de crescimento e acumualação antropogénico não diminuir nem cessar, em 2037 a massa acumulada de origem antropogénica atingirá o peso de toda a biomassa mesmo incluíndo a água presente nos corpos.
É na discussão dos resultados que vêm as sugestões mais relevantes da equipa de investigação. O grupo afirma que no início do século XX a massa antropogénica representaria apenas 3% em comparação com a biomassa global. Os investigadores apontam uma sucessão de mudanças e eventos como o grande motor desta aceleração da produção e acumulação, desde a mudança nos anos 1950 dos tijolos para o betão, a adopção do alcatrão nos anos 1960, até às grandes guerras ou grandes crises económicas. Um dos sublinhados mais importantes vai parar o período pós-Segunda Guerra Mundial a que geralmente se chama “Grande Aceleração”. Nessa fase caracterizada por uma grande promoção do consumo e da urbanização, a massa antropogénica tem aumentado a um ritmo de 5% ao ano, um ritmo que a manter-se constante significaria que em 2040, a massa antropogénica seria o triplo da biomassa na Terra. Para se ter uma ideia, os investigadores estimam que por cada pessoa se produza, em média, o equivalente ao seu peso em massa antropogénica em apenas 1 semana.
Actualmente, o Plástico já representa 8 Gigatoneladas, cerca do dobro do peso de todos os animais na Terra; por outro lado, os edifícios e infraestruturas representam já 1,1 Gigatoneladas, em comparação com as 900 Gt de todas as árvores e arbustos na superfície terrestre.
Apontar relações entre estes valores e fenómenos concretos não foi a missão do estudo, contudo os investigadores referem as estreitas relações entre os diferentes elementos da face da Terra. O consumo de matérias primas ou a sua transformação em materiais ao serviço do Homem, pode provocar alterações nos habitats de animais, provocando mudanças na biodiversidade, para além de poder alterar os ciclos climáticos e geoquímicos das regiões de exploração. É esta força global do Homem sobre a Terra que os investigadores pretendem destacar, corroborando a proposta que tem sido discutida de chamar a esta nova era, a este novo tempo, o antropoceno, como sinal claro da assunção de que o Homem se tornou uma das principais forças de mudança do equílibrio natural da Terra.
No mesmo estudo os investigadores alertam para a incerteza dos seus cálculos, revelando os métodos de mitigação de incerteza utilizados, e partilhando inclusive em repositórios GitHub, quer os dados em que se basearam as estimativas de cálculo da biomassa terrestre, bem como a fórmula de cálculo da incerteza associada.