Uma investigação levada a cabo pelo Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação e publicada no BuzzFeed News enceta mais um capítulo de revelações sobre o sistema financeiro e a alegada perversidade de algumas das suas dinâmicas. Com base em documentos secretos do Governo dos Estados Unidos a que os jornalistas tiveram acesso, foi possível aferir que alguns dos maiores bancos mundiais foram coniventes com transferências de avultadas somas de dinheiro mesmo perante suspeitas da sua ilicitude. Entre os ficheiros é ainda possível encontrar referências ao Banco Espírito Santo, mais propriamente o Espírito Santo Bank de Miami, actualmente BANESCO USA.
Os documentos revelam que bancos de renome como o JPMorgan Chase, HSBC, Standard Chartered Bank, Deustsche Bank, entre outros, foram intermediários de transferências obscuras, feitas por redes criminosas, algumas delas responsáveis por desvio de fundos públicos que puseram em causa a saúde democrática dos países de origem. A revelação é especialmente sonante por alegar que as instituições financeiras mantiveram esta prática dúbia mesmo depois de terem sido punidas pelas autoridades dos Estados Unidos por colaborarem nos fluxos de dinheiro ilícito.
A investigação pode ser lida aqui e recorre também a um suporte interactivo de sistematização de informação. Entre as várias peças que compõem a investigação completa, uma debruça-se sobre 20 personagens individuais e colectivas e traça o perfil das transações suspeitas, identificando o montante em causa e o banco que as processou, bem como as alegações que recaem sobre cada um dos agentes, resumindo bem as suspeitas em cima da mesa.
A investigação baseia-se em cerca de 2 mil documentos oficiais, denominados SARs (Suspicious Activity Report – Relatório de Actividades Suspeitas), obtidos pelo BuzzFeed, e criados pela FinCen, Rede de Combate a Crimes Financeiros dos Estados Unidos. Na análise geral, o consórcio de investigação estima que os documentos representem cerca de 3 mil milhões de dólares em transações sinalizadas como potencialmente fraudulentas, processadas entre 1999 e 2017. Mais adiantam os responsáveis da investigação que, embora este número pareça elevado, representa apenas uma ínfima parte. Estima-se que os FinCEN Files, como ficaram conhecidos os documentos obtidos, representem menos de 0,02% do total de 12 milhões de relatórios sobre actividades suspeitas processados pelos bancos.
Em causa, e como nota de relevo desta investigação jornalística, está a conivência dos bancos com operações que apesar de serem suspeitas lhes iam valendo milhões de lucro. A título de exemplo, o JPMorgan, o maior banco dos Estados Unidos, é aqui citado como tendo sido responsável pelo movimento de altas quantias de dinheiro desviadas de fundo públicos na Malásia, Venezuela e Ucrânia.
No caso da Malásia os documentos reportam sobre o badalado Malaysia Development Berhad, o alegado esquema de desvio do fundo de desenvolvimento criado para dinamizar o país. Já no caso venezuelano referente ao mesmo campo, as suspeitas recaem sobre as transações de um magnata do sector energético acusado de enganar o governo venezuelano e de estar ligado aos blackouts que deixaram partes país às escuras, um acontecimento que influenciou a saúde democrática do país.
Paul Manafort, um dos responsáveis pela campanha de Donald Trump, e condenado a 47 meses de prisão por fraude fiscal, é um dos nomes mais sonantes da lista, onde também surge a bem conhecida dos portugueses Isabel dos Santos e o seu parceiro de negócios e marido, Sindika Donkolo.
Importa notar, como referem alguns dos bancos em resposta, que o preenchimento do Relatório de Actividade Suspeita é por si só indicativo da desconfiança dos responsáveis pela aprovação da transação, e que não significam necessariamente que estejamos perante actividade criminosa. Em causa está, conforme referido, a continuidade e repetição das actividades suspeitas.
A investigação completa pode ser lida no site do consórcio, onde também se encontra um mapa interactivo traçando o caminho do dinheiro nas transações suspeitas.
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