Na Austrália, Google e Facebook reagem contra lei para fazê-los pagar por notícias

Na Austrália, Google e Facebook reagem contra lei para fazê-los pagar por notícias

2 Setembro, 2020 /
Foto de Obi Onyeador via Unsplash

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O Governo quer devolver o controlo das notícias e do mercado publicitário às empresas de media do país e, por isso, decidiu apertar a regulação à Google e ao Facebook.

Tecnológicas como a Google e o Facebook, habituadas a uma internet global e pouco regulada, começam a ter de adaptar os seus produtos a cada mercado. Na Europa, os badalados Artigos 11 e 13 ainda irão ter as suas consequências para a Google, o Facebook e para a web que hoje conhecemos assim que forem transportados para as legislações de cada país. Ainda assim, as mudanças não serão tão drásticas quanto aquelas que se avizinham na Austrália.

O Governo australiano quer devolver o controlo das notícias e do mercado publicitário às empresas de media do país e, por isso, decidiu apertar a regulação à Google e ao Facebook. A primeira mostra-se preocupada, o segundo já disse que não vai pagar. Mas vamos por partes… Afinal, o que está em causa?

Em Abril deste ano, enquanto vivíamos a pior crise pandémica das nossas gerações, o Governo da Austrália pedia autoridade da concorrência do país a criação de um código de conduta para gigantes como a Google e o Facebook – um tal de ‘News Media Bargaining Code’. No dia 31 de Julho, foi publicado o primeiro rascunho desse código para consulta pública e uma série de perguntas e respostas rápidas sobre esse código.

Austrália quer obrigar Google e Facebook a partilhar receitas com a comunicação social

Este News Media Bargaining Code visa resolver “o desequilíbrio fundamental do poder de negociação entre as empresas de media australianas e as principais plataformas digitais”, lê-se na página da autoridade da concorrência australiana dedicada ao assunto. “Esse desequilíbrio levou a que as empresas de media aceitassem termos menos favoráveis para a inclusão de notícias em serviços das plataformas digitais do que aqueles com que de outra forma concordariam.” Escreve-se ainda que a “um media independente e forte é essencial para uma democracia a funcionar bem”.

O rascunho do código de conduta permite que as empresas de media australianas negociem individual ou colectivamente com a Google e o Facebook – os actores que inicialmente vão ser incluídos nesta conduta – recompensas financeiras pela inclusão das suas notícias nos seus serviços. O código de conduta vai ainda obrigar as duas tecnológica a informar as empresa de media de alterações aos algoritmos do ranking na pesquisa ou à forma como as notícias são apresentadas aos internautas nos feeds, a reconhecer apropriadamente conteúdo noticioso e ainda a facultar informação de como os utilizadores interagem com conteúdo jornalístico.

Filhos e enteados para a Google

Numa carta assinada por uma responsável do braço australiano da Google, a tecnológica norte-americana mostra-se preocupada com as intenções dos reguladores e legisladores daquele país. “Faremos tudo o que pudermos para mudar esta proposta para que possamos proteger a forma como a Pesquisa e o YouTube funcionam para vocês na Austrália e para continuar a construir parcerias construtivas com empresas de media”, escreve Mel Silva, da Google Australia.

Sem fazer ameaças ou tecer cenários alarmistas, a Google diz que a proposta australiana vai obrigar a empresa a facultar dados às empresas de media, favorecendo um determinado grupo de negócios em relação a todos os outros, incluindo “todos os outros que têm um site, um canal de YouTube ou um pequeno negócio”. “Apenas às empresas de media será dada informação que as poderá ajudar a inflacionar artificialmente o seu ranking [na pesquisa Google] em relação aos demais, mesmo que outros ofereçam um melhor resultado. Sempre tratámos todos os proprietários de site por igual no que toca a informação que partilhamos sobre ranking”, defende a gigante da pesquisa, acrescentando que, por esse motivo, poderá deixar de ser verdade que o Google Search e o YouTube na Austrália continuem a mostrar a informação mais relevante e útil para cada utilizador.

Outra questão que a Google levanta tem a ver com os dados que, à luz da nova lei australiana, poderá passar a ser obrigada a facultar à empresas de media sobre como os internautas usam os seus serviços, nomeadamente no que toca ao consumo de notícias. “Não há como saber se os dados entregues seriam protegidos ou como poderiam ser usados pelas empresas de media.” A Google dá a entender que, se a legislação australiana avançar, poderá vir a cortar alguns dos seus serviços no país ou passar a cobrar pelo seu uso – para já, a empresa escreve somente que a proposta pode “colocar os serviços gratuitos que usas em risco na Austrália”.

Facebook não vai pagar

O Facebook, por seu lado, deixa um aviso: se a lei avançar na Austrália, “vamos relutantemente deixar de permitir que publicações e pessoas na Austrália partilhem notícias locais e internacionais no Facebook e Instagram. Esta não é a nossa primeira escolha – é a nossa última”. O Facebook refere que a proposta em cima da mesa “não compreende as dinâmicas da internet e vai causar danos às organizações de media que o Governo está a tentar proteger”.

Numa publicação assinada por um responsável do Facebook Australia, a empresa liderada por Zuckerberg tece duras críticas à intenção do Governo daquele país, que “presume que o Facebook é quem mais beneficia na relação com as publicações, quando é o contrário”. O Facebook defende-se, referindo que as notícias representam uma pequena fracção do conteúdo que as pessoas recebem no seu News Feed e que é uma fatia de receita pouco significativa para a empresa que lidera a maior rede social do mundo. Nos primeiros cinco meses de 2020, o Facebook diz que endereçou 2,3 mil milhões de cliques para sites de notícias australianos sem qualquer custo para estes – que vêem na rede social uma forma de alcançar uma larga audiência.

“A lei proposta não tem precedentes no seu alcance e procura regular todos os aspectos de como as empresas de tecnologia fazem negócio com as publicações de notícias. O mais surpreendente é que forcaria o Facebook a pagar às organizações de media pelo conteúdo que estas colocam voluntariamente nas nossas plataformas a um preço que ignora o valor financeiro que oferecemos às publicações”, escreve Will Easton, do Facebook Australia.

Josh Frydenberg, o Ministro das Finanças australiano, que iniciou esta ideia do ‘News Media Bargaining Code’, disse esta semana aos jornalistas da Australian Associated Press que “a Austrália faz leis a favor do interesse nacional” e que não cede a pressões pesadas de onde quer que elas venham. Certo é que o que a Austrália está a pedir à Google e Facebook pode não favorecer os negócios destas companhias e pode vir a prejudicar mais o sector de media do que a ajudá-lo.

Em 2014, Espanha tentou forçar a Google a pagar às empresas de media pelos excertos de conteúdos que mostrava no Google News e a resposta da Google foi fechar o serviço no país – as publicações não viram um cêntimo e o seu tráfego desceu, principalmente do lado das pequenas publicações.

Já este ano, em França, a Google tem-se recusado a pagar às organizações de notícias por mostrar links no seu motor de busca e no serviço Google News; em resultado da nova directiva europeia de direitos de autor, a gigante deixou de apresentar excertos e miniaturas de notícias, mas alega que não vai pagar a ninguém por exibir um link para o seu site nos resultados de pesquisa. “Não aceitamos pagamentos de ninguém para ser incluído nos resultados de pesquisa. Vemos anúncios, não resultados de pesquisa”, escreveu a tecnológica numa publicação em Setembro do ano passado.

Autor:
2 Setembro, 2020

Jornalista no Shifter. Escreve sobre a transição das cidades e a digitalização da sociedade. Co-fundador do projecto. Twitter: @mruiandre

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