A ONU publicou, no início desta semana, um novo estudo sobre doenças zoonóticas, motivado pela pandemia de coronavírus. O relatório “Prevenir a Próxima Pandemia: Doenças Zoonóticas e Como Quebrar a Cadeia de Transmissão” pretende enumerar algumas medidas para prevenir futuros surtos pandémicos e alertar os Governos para a importância dos comportamentos e práticas que impeçam a disseminação. A explicação pode estar na combinação de três fatores essenciais: saúde humana, animal e ambiental.
“A ciência é clara ao dizer que, se continuarmos a explorar a vida selvagem e a destruir os ecossistemas, podemos esperar um fluxo constante de doenças transmitidas de animais para seres humanos nos próximos anos”, afirmou a diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Inger Andersen, citada no comunicado disponível no site da ONU. Na linha cronológica da História, podem incluir-se a ébola, síndrome respiratória do Médio Oriente (MERS), febre do Nilo Ocidental e febre do Vale Rift na lista de doenças que foram transmitidas de animais para humanos. Agora, mais recentemente, a Covid-19 junta-se ao leque.
O estudo enumera também sete tendências que intensificam o surgimento deste tipo de surtos em todo o globo:
- O mundo tem registado um aumento do consumo de alimentos de origem animal. Apesar de os números nos países desenvolvidos serem estáveis há décadas, os países em desenvolvimento têm aumentado o consumo, principalmente de carne, leite e ovos.
- O aumento do consumo desse tipo de alimentos incentiva a uma intensificação agrícola insustentável, apontada como um dos motivos da emergência das doenças zoonóticas.
- O aumento da exploração da vida selvagem, muitas vezes com o intuito de alimentação, incita à ideia de que a carne destes animais é natural, fresca e segura, mesmo carecendo de cuidados de higiene e evidências científicas.
- A urbanização desenfreada motiva a destruição de habitas e o desmatamento de florestas. A prática pode fazer surgir doenças infeciosas na população.
- O aumento e a facilidade em viajar e transportar bens faz com que as doenças se transmitam em períodos mais curtos do que os da incubação, aumentando o número de infetados.
- As mudanças nas cadeias de alimentos continuam a ser motivadas pelas novas exigências de consumo e produção intensiva.
- As mudanças climáticas são fonte de vários problemas no presente e continuarão a sê-lo no futuro. Os aumentos da temperatura ou humidade, por exemplo, podem fazer ativar certos vírus “adormecidos”.
Os surtos pandémicos têm efeitos aumentados nos países e comunidades mais desprotegidas e frágeis: “As pandemias são devastadoras para nossas vidas e para as nossas economias e, como vimos nos últimos meses, a população mais pobre e vulnerável é a mais impactada. Para evitar futuros surtos, precisamos de ser mais conscientes sobre a proteção do meio ambiente”, frisa Inger Andersen. Em contrapartida, o comunicado afirma que “o relatório conclui que a África, em especial, por ter enfrentado várias epidemias zoonóticas, incluindo os recentes surtos de ébola, pode ser uma fonte de soluções importantes para conter futuros surtos”. Neste continente, a população continua a crescer ao mesmo passo que existe um grande número de florestas e animais selvagens. Por ser o local onde os humanos, os animais e a natureza se cruzam, o continente poderá vir a liderar experiências para prevenir futuras pandemias.
“A situação no continente [africano] hoje é propícia para intensificar as doenças zoonóticas existentes e facilitar o surgimento e a disseminação de novas doenças. Mas, com suas experiências com a ébola e outras doenças emergentes, os países africanos estão a demonstrar maneiras proativas de gerenciar esses surtos. Por exemplo, para controlar as doenças, estão a aplicar novas abordagens baseadas em riscos, ao invés de abordagens baseadas em regras, por serem mais adequadas para ambientes com poucos recursos, e estão a unir conhecimentos humanos, animais e ambientais em iniciativas proativas como a One Health”, explica o diretor geral do Instituto Internacional de Pesquisa Pecuária (ILRI), Jimmy Smith.
As doenças zoonóticas matam cerca de dois milhões de pessoas todos os anos. Os países em desenvolvimento continuam a ser os locais com maior número de surtos, o que pode resultar, além de mortes, em doenças graves e sequelas. A perda de produtividade é também uma das consequências e assume especial relevância nas populações mais pobres, visto que leva pequenos agricultores a cair na pobreza extrema. “Nas últimas duas décadas, as doenças zoonóticas causaram perdas económicas no valor de mais de 100 mil milhões de dólares, sem contar com a pandemia de Covid-19, que poderá custar nove biliões de dólares nos próximos anos”, continua o estudo.
A abordagem One Health, desenvolvida pelos investigadores do relatório, identifica dez práticas com o intuito de evitar futuros surtos de doenças zoonóticas. Investir em abordagens interdisciplinares, incentivar a investigação neste tipo de doenças, promover ações de sensibilização para a população e melhorar as análises de custo-benefício das intervenções para incluir o custo total dos impactos sociais criados pelas doenças são algumas delas.
Incentivar práticas de gestão sustentável e garantir a segurança alimentar, melhorar a biossegurança, identificando as principais doenças nos rebanhos, por exemplo, apoiar a monotorização de paisagens terrestres e marinhas, fortalecer a capacidade do setor de saúde e operacionalizar a abordagem da One Health são outras das soluções que compõem a lista de respostas para prevenção.
Também António Guterres, secretário-geral da ONU, defendeu a abordagem One Health: “Para evitar futuros surtos, os países precisam de conservar habitats selvagens, promover a agricultura sustentável, fortalecer padrões de segurança alimentar, monitorizar e regular mercados de alimentos, investir em tecnologia para identificar riscos e conter o comércio ilegal de animais selvagens”. O mundo contabiliza, até à data, cerca de 12 milhões de infetados pelo novo coronavírus, sendo que mais de metade já recuperou da doença. O número de mortes cifra-se na casa das 500 mil vítimas.
O estudo foi elaborado em conjunto pelo PNUMA e pelo ILRI. O relatório foi tornado público no Dia Mundial das Zoonoses, a 6 de julho, em homenagem ao trabalho do francês Louis Pasteur. Nesta data, em 1885, o biólogo https://staging2.shifter.pt/wp-content/uploads/2021/02/e03c1f45-47ae-3e75-8ad9-75c08c1d37ee.jpgistrou a primeira vacina contra a raiva, também ela uma doença zoonótica.