Pedro Coquenão nasceu em Huambo, Angola, mas cresceu nos subúrbios de Lisboa. Como BATIDA, cria um universo artístico que não conhece nem limites, nem fronteiras, e o tem levado a correr o mundo. Desta vez sobe ao palco para interpretar uma performance criada em Maio, a convite dos The Roots. O espectáculo acontece no Teatro S. Luiz, em Lisboa, reinterpreta um outro que em Maio teve transmissão em directo para todo mundo através do Youtube, seguindo no alinhamento o icónico Questlove. “The Algorithm is not African!” foi agora reinterpretado e preparado para este regresso aos palcos a convite do MusicBox enquadrado no Ciclo Takeover #1, dando o mote para uma reflexão altamente dançável sobre o mundo em que vivemos, neste caso aludindo directamente ao papel central dos algoritmos nas sociedades contemporâneas.
O espéctaculo acontece dia 11 de Julho no Teatro São Luiz, resultado de uma parceria entre o Music Box e o teatro lisboeta. Como descreve, “The Algorithm is not African!”, “é o resultado de um artista Luso-Africano confinado em casa, a partilhar música, tecidos, tecendo comentários sobre a imagem refletida de África no mundo ou sobre como o algoritmo traduz o continente”, na ressaca de um tempo que evidenciou ainda mais a dependência social dos algoritmos. Pedro Coquenão aka BATIDA é um dos artistas de destaque na cena que brota de Lisboa com os olhos e os sentidos postos em África, num espírito próprio, experimental e com espaço para a descoberta pessoal, para o erro criativo, fazendo de cada performance um momento único de expressão mais do que a réplica infinita de um alinhamento pré-definido. Falámos com o músico para perceber melhor os ingredientes deste seu cozinhado prestes a subir ao palco, numa tentativa de perceber as suas ideias e como o músico espera materializar as suas reflexões.
Quando sugeres que o algoritmo não é africano; referes-te aos diversos algoritmos, por exemplo, das redes sociais ou a uma assunção mais conceptual de algoritmo enquanto lógica maior que rege uma sociedade hiperconectada?
Refiro-me a ambos porque parte da performance tem que ver com pesquisas concretas e seus resultados. Costumo fazer isso quando quero perceber o que é o clichê quanto a certos temas e divirto-me com isso, apesar de alguns serem mesmo aterradores. Interessa-me perceber, não para seguir, mas para sentir o pulso tanto ao que faz os resultados serem o que são, como aperceber-me das limitações dos próprios algoritmos e das suas conclusões robóticas e desajeitadas. Recorda-me o assistir a imagens de robots nos noticiários, cada vez que havia um novo. Desta vez é mais assustador porque sabemos que, apesar das limitações, este algoritmo ajuda a que tenhamos de volta o que procuramos de forma literal. Esta resposta literal ao que pedimos inclui o colocar imbecis no poder. A parte mais conceptual está no assumir do título como um statement que quer provocar coçadelas de cabeça e perguntas. A grande maioria não passa da caption, do título ou da primeira página da pesquisa. O título ocupa esse espaço. A representatividade é ainda muito limitada e enganadora, tanto quanto a nossa memória e história.
Como artista com uma identidade muito relacionada com África, sentes essa descriminação do algoritmo no teu dia-a-dia em casos concretos? Ou como se manifesta para ti essa manifestação da não-africanidade de um algoritmo?
Gostava mesmo que a sala esgotasse. O meu valor nas pesquisas e no algoritmo, precisa dessa palavra associada: esgotado. Desta vez gostava que fosse relativa a bilhetes, porque somos avaliados por números, em vez de mentalmente esgotado e com um ou mais “burnouts”. Acabei de escrever “Batida Esgotado” e a única referência que tenho vem de Inglaterra onde esgotei um disco. O resto, em Portugal, refere-se a outros artistas. Venham ver e as respostas são dadas no palco. Como no futebol mas com menos possibilidades de falhar e de dar um mau espectáculo, e por menos dinheiro.
Este trabalho surge na ressaca de uma altura de confinamento onde acabámos por utilizar a internet como portal para o mundo, foi esse constrangimento que forçou esta reflexão?
Eu gosto de trabalhar. Gosto muito do que faço. A minha cabeça precisa disso muito mais do que o meu ego. Não preciso de constrangimento para trabalhar. Sou motivado pela minha vontade e necessidade de pagar contas. Esta peça é um raciocínio que já usei noutras (a da pesquisa) mais focada nela, pelo convite dos Roots e pela natureza do que me propus. Já estava na ressaca antes do confinamento e o confinamento não me alterou muito o processo criativo. Só o limitou na mobilidade e na receita. Pessoalmente entristeceu-me constatar a pequenez do nosso meio artístico e o valor que temos e damos à Cultura em Portugal. Investi muito mais do meu tempo a ser pessoa do que a ser um artista Português. Em Angola a coisa é mais directa. Precisamos de água na torneira, um pouco mais do que fubá e educação para todos.
Apesar de ser um tema relativamente comum em circuitos como as tecnologias os algoritmos não são alvo comum de um pensamento critico na esfera cultural – exceptuando alguns bons exemplos – consideras que há um papel a fazer na consciencialização para estas novas formas de funcionamento da sociedade e a forma como replicam preconceitos antigos?
Sim. A arte pode relacionar-se com a realidade normalmente, sem ter de ter essa missão. O normal é ser escapista, ser entretenimento, banda sonora de romance, mas falta-lhe amor na maior parte das vezes, falta-lhe empatia com o que nos rodeia. É incrível observar como consegue fazer o oposto de forma tão natural: o processo criativo passa mais por deixar-se levar pelo Algoritmo e tentar ir atrás dele, ser abraçado por ele, do que seguir o seu caminho próprio e contribuir para um Algoritmo mais interessante e rico. A extrema simplificação das coisas, a limitação da primeira página de pesquisa, dos tops, da palavra mais pesquisada, do título mais eficaz, da imagem com mais cliques, tudo isto é aterrador, avassalador e, num dia mau, derrota-nos e vamos ao tapete. Merda mais os números. Como em tudo há uma consciência e há o que fazer com ela. Para mim é impossível virar a cara, como é o não escutar e o observar. Auto nomeamos a nossa espécie de Homo Sapien Sapiens. Tenho de, pelo menos, tentar honrar esse nome pretensioso. Vou falhar nos números mas a tentativa ninguém ma tira.
Como se traduz isto para a música? Como se inclui uma reflexão que pode ser tão profunda quanto abstracta em algo que se possa escutar e eventualmente dançar?
Não consigo ver a coisa sem dança. É como ver o que quer que seja sem comida, sem água ou sem natureza. Gosto de pensar que nós sabemos como fazer isso. Estamos muito esquecidos. Fomos programados e educados de forma a limitar as nossas opções: a começar pela nossa orientação sexual que nos castra uma parte essencial da nossa vida e da forma de nos expressarmos. Qualquer imagem anterior à religião como a vemos, está repleta de música, dança, comida e catarse em conjunto. Esta pergunta pode ser traduzida para tudo o que fazemos. Como traduzir para a comida e a forma como comemos? Como traduzir para a finança e a forma como somos sustentáveis? Não é focando a solução em mandar Ingleses viajarem para Sevilha e apanharem um autocarro para nos trazerem Libras. Isso é muito pragmático/limitado não é? Eu não quero explicar como se traduz. Eu faço o que faço porque não consigo fazer de outra maneira. Adorava conseguir dormir descansado a ser mais literal e a corresponder à identidade que vende e que compramos quando falamos da “Nova Lisboa”, por exemplo.
Ter sido convidado pelos icónicos The Roots para um momento levou-te a querer pensar mais alguém e em algo que pudesse fazer sentido globalmente, daí a opção por aquilo que une as várias pontas do mundo, o algoritmo?
Tenho duas nacionalidades, sou filho de separações, mudei vezes de mais de casa e fui forçado a emigrar artisticamente. As editoras com que trabalho são 3 Inglesas e uma Belga. Este convite veio de Nova Iorque, onde já actuei 3 vezes, a convite. Tentar unir pontas e interagir com outros tem sido a minha vida. Perceber o que é o normal e como posso sentir-me mais normal, tem sido uma luta pela minha sobrevivência, não é uma necessidade do meu espírito. O unir sim. Não percebo como podemos achar que existimos sem os outros, as outras pontas.
(A entrevista que se segue foi ligeraimente editada por uma questão de clareza.)
Actualização 13:20h: Correção sobre os detalhes do espéctaculo: onde se lia “será transmitido” lê-se agora “foi transmitido, em Maio”
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