Confrontos entre apoiantes do governo de Jair Bolsonaro e opositores nas principais cidades do país. Ao mesmo tempo, inspirados pelos protestos nos Estados Unidos, manifestantes com o lema “Black Lives Matter” ocupam as ruas motivados por ações recentes da polícia que levaram à morte de inocentes. Isso em meio à pandemia de Covid-19, que segundo especialistas, ainda não alcançou o pico no Brasil, que vê a chegada do inverno e a sua posição subir no ranking de mortos.
O último domingo foi marcado por confrontos em dois locais em que apoiantes de Bolsonaro se manifestam com frequência. A Avenida Paulista, principal via de São Paulo, e Copacabana, no Rio de Janeiro, são palco há algumas semanas de manifestações carregadas de teor autoritário, com pedido do fechamento do Congresso nacional e da Suprema Corte. Bandeiras do período monárquico se somam a elementos estrangeiros, como símbolos dos Estados Unidos e de Israel, e alguns com vinculações a grupos apontados como fascistas e até neonazistas.
Um deles foi uma bandeira preto e vermelha adotada pelo grupo paramilitar ucraniano Pravyi Sektor, que, como avança reportagem do jornal Folha de S. Paulo, foi levada por um apoiante de Bolsonaro ligado à atividades militares na Ucrânia. O objeto foi alvo de intensas discussões sobre seu significado, com muitos a afirmar que tratava-se de uma alusão neonazista, o que terá levado a confrontos. O Brasil e a antiga república soviética não possuem nenhum laço relevante a ponto de justificar qualquer incorporação política entre ambas as partes.
Os opositores do governo foram às ruas a dizer que defendiam a democracia e contra ao fascismo. Uma base importante dos manifestantes foi formada por membros de claques de equipas como o Corinthians, em São Paulo, e Flamengo, no Rio de Janeiro. Em especial na Avenida Paulista, houve repressão dos atos por parte da Polícia Militar (PM), inclusive com bombas de gás lacrimogénio.
Cenas de confrontos se espalharam nas redes sociais. Uma das mais famosas foi a de um suposto apoiante do governo agredido por ao menos cinco indivíduos, quando caído no chão. Simpatizantes de Bolsonaro reproduziram a imagem com a ironia de “são estes os que defendem a democracia”, enquanto uma parte dos opositores apoiou o gesto com expressões como a de que “assim é que deve se tratar um fascista”, e até a fazer memes com as imagens.
Ao passo do que ocorre com as equipas, que por conta do receio de confrontos entre claques rivais não costumam jogar no mesmo dia, a PM de São Paulo sinaliza separar futuras manifestações dos grupos. Para o próximo final de semana, atos já são convocados para algumas cidades do país. Sobre o próximo domingo, Bolsonaro chegou a sugerir que os seus apoiantes deixassem a data livre para os adversários. Por sua vez, o deputado federal Daniel Silveira (PSL), entusiasta do presidente, gravou um vídeo a provocar os manifestantes opositores, e chegou a sugerir conflito armado em ações futuras.
Vidas Negras Importam
Mesmo com a pandemia, as mortes em decorrência de operações policiais aumentaram no país, com 290 vítimas fatais em dois meses, março e abril, apenas no Estado do Rio de Janeiro, que tem uma população de cerca de 16, 5 milhões de pessoas. É mais do dobro dos 110 homicídios intencionais que Portugal registou em todo 2018. A vítima mais lembrada foi João Pedro Pinto, de 14 anos, morto dentro de sua casa por um dos 70 disparos realizados pela polícia durante uma operação de apreensão de drogas na região em que morava.
Reportagem do New York Times sobre as 48 mortes por conta de policiais no Rio, mostrou que metade dos suspeitos receberam ao menos um tiro nas costas, o que coloca sob suspeita os riscos de um confronto. Expandir o “excludente de ilicitude” foi dos principais projetos do antigo ministro da Justiça, Sérgio Moro. Com a medida, as cerca de 10% das quase 60 mil mortes anuais causadas no Brasil por conta forças policiais teriam ainda mais motivos para não terminarem em condenações. Atualmente prevista em casos extremos de legítima defesa, a absolvição em operações seria ainda menos restrita caso a proposta, vista por especialistas como uma “licença para matar”, fosse aprovada.
Além de Bolsonaro, que já fez declarações favoráveis a grupos de extermínio, no Rio de Janeiro as propostas recebem o respaldo do governador do Estado. Wilson Witzel (PSC) foi eleito próximo ao bolsonarismo, se afastou da figura do presidente, mas mantém a mesma linha para as ações da polícia. À frente da PM do Estado, Witzel ficou famoso ao descer de um helicóptero para comemorar o abate do sequestrador de um ônibus pelas forças de segurança, e sua frase “mirar na cabecinha e… Fogo”, sobre a ação da polícia, foi uma das mais marcantes em sua campanha.
O Atlas da Violência indica que 75% das mortes pela polícia são de negros no Brasil. Assim, as manifestações contra a violência policial ganharam importante incentivo com as cenas do “Black Lives Matter” nos Estados Unidos, e George Floyd foi incorporado na causa brasileira. Os atos no Rio contaram com ainda mais um símbolo: a imagem de um policia a apontar um fuzil para um manifestante indefeso.
Longe do pico
A OMS indica que o Brasil ainda não alcançou o pico da pandemia. O isolamento “para inglês ver”, será ainda mais afrouxado nos próximos dias, com estados e municípios a anunciarem várias medidas de retoma da normalidade. Com estudos poucos precisos sobre o impacto do clima na propagação do vírus, é uma preocupação a chegada do inverno no final do mês. Mesmo que a temperatura tenha pouca influência na transmissão, é provável que as pessoas frequentem mais espaços fechados do que abertos, ao contrário da tendência do verão na Europa.
O Brasil se tornou o quarto país com mais mortos por Covid-19, e o segundo com mais registos de infectados, com notória subnotificação, e ainda a realizar poucos testes. A tendência da curva indica que nas próximas semanas é possível a ultrapassagem da Itália e do Reino Unido no número de mortos, e uma aproximação dos Estados Unidos. Como muitos se preocupam lá, as convulsões sociais por cá também não ajudam em nada no isolamento social.
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