Em plena pandemia de Covid-19, é impensável que multidões saiam às ruas para protestarem contra a anexação de assentamentos israelitas na Cisjordânia. Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel que acaba de assumir para mais um governo, descreveu a situação como “uma oportunidade que não deve ser desperdiçada”. Com a União Europeia focada no combate às repercussões do vírus e Donald Trump na Casa Branca, atores da comunidade internacional também se vêem em condições frágeis para se opor às anexações.
O afastamento da defesa da causa palestiniana no cenário internacional agravou-se na última década, e, deveu-se, em grande parte, à atuação de Netanyahu no cenário da política externa e outros eventos no Médio Oriente. Quando Donald Trump anunciou a transferência da embaixada norte-americana em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, alguns esperavam enormes convulsões em países muçulmanos, algo que não ocorreu. A posição dos Estados Unidos inviabiliza na prática a Solução de Dois Estados, ideia de Yasser Arafat que lhe valeu o Nobel da Paz de 1994, e vista por muitos como a melhor solução para o conflito.
A decisão dos Estados Unidos levou outros países a adotarem posturas semelhantes. A Austrália tomou uma medida mais cautelosa ao reconhecer Jerusalém Ocidental como capital israelita, mas sem transferir a sua embaixada até que houvesse uma “resolução do conflito”. O Paraguai anunciou a mudança, mas voltou atrás. Já a Guatemala concretizou a transferência, e inaugurou a sua embaixada em Jerusalém apenas dois dias depois de os Estados Unidos o terem feito.
Os dois últimos países representam uma guinada importante de Israel na América Latina, que teve como auge a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil. Presente na posse do Presidente brasileiro, Netanyahu fez uma pressão intensa para que o país, historicamente neutro no conflito e defensor da Solução de Dois Estados, transferisse a sua embaixada. Grande exportador para países muçulmanos, o agronegócio e as alas menos ideológicas no governo conseguiram evitar a mudança, que foi substituída pela abertura de um escritório comercial em Jerusalém.
Grande parte do alinhamento, que inclusive leva diversos apoiantes de Bolsonaro a ostentarem a bandeira israelita, se deve às bases evangélicas, assim como ocorre nos Estados Unidos. Com forte influência em governos como o do Uganda, tais bases religiosas, para quem é necessário o estabelecimento de um Estado judeu, auxiliaram Israel a ganhar apoio nos últimos anos. A vertente é crescente na África, continente em que Netanyahu conseguiu um apoio importante. Com tecnologia e parcerias estratégicas em áreas que Israel é parte da liderança global, muitas nações em desenvolvimento deixaram de condenar o país. Votações na ONU, que por vezes tinham apenas Israel e Estados Unidos como votos contrários, passaram a contar com oposição de diversos países.
Isolados no Médio Oriente
O Acordo Nuclear com o Irão abriu oportunidades para um dos mais duros golpes à causa palestiniana. Ainda que com ressalvas diplomáticas, o inimigo comum uniu Israel e Arábia Saudita naquela que é uma das mais importantes guinadas geopolíticas na história recente. Os sauditas, como tradicionais líderes entre os muçulmanos, compuseram a oposição ideológica ao Estado de Israel. Agora, fazem parte dos grupos de governos árabes que aceita a existência e convive com a nação, assim como Egito e Jordânia fizeram no século passado. Além da importante proximidade militar, leva outros parceiros, em especial os Emirados Árabes Unidos para a aliança.
A Guerra Civil da Síria, iniciada em 2011, ofuscou a Palestina em diversas frentes. Em termos de tragédia humanitária, Gaza perdeu destaque para Aleppo, ou a região que sofria na ocasião quando o tema ganhava protagonismo nos noticiários. A questão dos refugiados em países vizinhos, importante ponto nas negociações por conta do direito de regresso, perdeu força frente às centenas de milhares de sírios deslocados. No Líbano, de população diminuta e palco de frequentes tensões com palestinos, a nova leva de sírios ganhou o foco.
Na Síria, o Hamas tomou posição contra Bashar Al-Assad, o que desagradou aliados fundamentais, em especial o Irão, o que colocou o grupo, que governa Gaza, em vulnerabilidade por falta de fundos. Por outro lado, o potencial rival Fatah não conseguiu ocupar o vácuo do por enfrentar problemas internos, com duras denúncias de corrupção, que enfraqueceram também a gestão na Cisjordânia. O líder palestiniano Mahmoud Abbas não fez sombra a Yasser Arafat, antecessor com grande presença no imaginário internacional.
Próximos passos
O The Economist refere que, em Gaza, sob bloqueio desde a 2007, o isolamento no resto do mundo chegou a virar piada. A região registou sua primeira morte por Covid-19 a 23 de maio, mas é difícil imaginar que frente às tragédias do vírus nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, os palestinianos consigam grande atenção. Caso Netanyahu concretize a anexação dos assentamentos na Cisjordânia em julho, como cogitou, é possível que o assunto fique às margens da atenção global. A anexação está prevista no plano de paz de Trump, que prevê que cerca de 30% da Cisjordânia passe a soberania de Israel. Desde que fora apresentado, o plano foi negado pelas lideranças palestinianas.
O colunista de política externa do New York Times, Thomas Friedman, escreveu que a Solução de Dois Estados estava morta algumas vezes nos últimos anos. Na ausência de um Estado da Palestina, Israel enfrenta um dilema existencial: ou dá cidadania plena aos árabes em seu território, o que impede o seu caráter judeu por conta da demografia, ou vive um regime de exclusão com cidadãos de classes diferentes, o que extingue o seu caráter democrático. Certezas sobre o que se seguirá são poucas, mas é muito provável que o mundo esteja bem menos atento do que em outros momentos.