Nikolay Marchenko: “Não há censura oficial na Bulgária, mas o controlo sobre as grandes redações está presente”

Nikolay Marchenko: “Não há censura oficial na Bulgária, mas o controlo sobre as grandes redações está presente”

4 Maio, 2020 /
Nikolay Marchenko / DR

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Por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, falámos com o repórter do órgão búlgaro Bivol, sobre pressão política, influência do Governo e os monopólios das empresas dos media por parte oligarcas como as principais ameaças ao exercício jornalístico no país.

Este domingo, 3 de maio, celebrou-se o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Segundo o relatório de 2020 da organização Repórteres Sem Fronteiras, que avalia anualmente o livre exercício do jornalismo em 180 países, Portugal ocupa a 10.ª posição. No topo da lista figura a Noruega pelo quarto ano consecutivo e o último lugar pertence à Coreia da Norte. As consequências do Covid-19 foram tidas em conta e, segundo o mesmo estudo, “a pandemia de Covid-19 destaca e amplia as múltiplas crises que ameaçam o direito a informações livres, independentes, plurais e confiáveis”.

Dentro da “Europa dos 27”, a Bulgária é o país da União Europeia menos livre para se ser jornalista, ocupando o 111.º lugar a nível mundial. Em entrevista ao Shifter, Nikolay Marchenko, repórter no órgão búlgaro Bivol, não concorda com a afirmação, mas explica as maiores dificuldades que assolam a liberdade de imprensa no país. Pressão política, influência do Governo e os monopólios das empresas dos media por parte oligarcas são as principais ameaças ao exercício jornalístico. Para o jornalista, a queda da liberdade de imprensa não é característica única da Bulgária: a Europa de Leste é hoje uma das principais zonas ameaçadas pela censura.

Segundo o relatório Repórteres Sem Fronteiras 2020, a Bulgária é o pior país da União Europeia (UE) para ser jornalista. Concorda que hoje é difícil praticar a profissão no país?

Na Bulgária, temos os mesmos problemas com a liberdade de imprensa como noutros países da Europa de Leste. Na verdade, não acho que a Bulgária seja o pior país da UE em matéria de censura, porque o Viktor Orbán fez da Hungria o primeiro. Mas, na Bulgária, vemos a Orbanização do setor dos meios de comunicação social: afiliados ao primeiro-ministro e oligarcas pró-Governo, como Delyan Peevski, estão a assumir o controlo de diferentes editoras e redes de TV. Na Bulgária e na Hungria é possível, porque os mercados dos media são muito pequenos. No entanto, não é tão fácil de fazer na Ucrânia, Polónia ou Roménia: nestes países, os maiores da Europa de Leste, existe um mercado comercial e de publicidade e consumo mínimo de media que ajuda os meios de comunicação social a beneficiarem de vendas e assinaturas.

O mesmo relatório diz que o assédio judicial à imprensa independente, como os grupos Economedia e Bivol, se intensificou no país. Como jornalista do Bivol, como é que é feito esse assédio judicial na prática?

O nosso principal repórter, Dimitar Stoyanov, foi preso no outono de 2018 com o colega do projeto de investigação RISE Project, da Roménia, Atila Biro, quando estavam a tentar salvar documentos queimados sobre fraudes nos fundos da UE. O escândalo atraiu o apoio de muitas ONGs e organizações de media ao redor do mundo para o Bivol. Os meios de comunicação internacionais estavam a escrever sobre este caso denominado #GPPgate por causa da GP Group Construction Company, afiliada a um dos oligarcas mais poderosos – amigo do primeiro-ministro Boyko Borissov e presidente da petrolífera russa Lukoil Oil Company na Bulgária, Valentin Zlatev. Esta empresa recebeu centenas de milhões de fundos da UE e fundos do Orçamento para o seu trabalho, como a reconstrução de ruas em Sófia com qualidade muito baixa: os trabalhadores eram mal remunerados, entre 13 e 25 euros por dia. A nossa investigação, baseada em documentos divulgados, mostrou que cerca de 40% dos fundos da UE foram roubados.

O outro caso é um escândalo conhecido na imprensa como #NAPLeaks por causa do NAP búlgaro – National Revenue Agency. O site deles foi destruído no verão de 2019. Isto deve ter sido trabalho de alguns especialistas búlgaros em tecnologia, que estavam “a testar” instituições nacionais por diversão. Mas o Procurador-Geral disse que o nosso editor-chefe do Bivol, Atanas Tchobanov, estaria ligado ao ataque de hackers contra a NAP. E ele disse que o Tchobanov será interrogado em França sob demanda rogatória pelo Ministério Público da Bulgária. Organizações como Repórteres Sem Fronteiras e Associação de Jornalistas Europeus (AEJ Bulgária) demonstram, em cada caso como este, o seu apoio ao Bivol e a outros meios independentes.

Terceiro, o nosso jornal é constantemente alvo de inspeções e sondagens intermináveis pela National Revenue Agency, criando carga https://staging2.shifter.pt/wp-content/uploads/2021/02/e03c1f45-47ae-3e75-8ad9-75c08c1d37ee.jpgistrativa excessiva e prejudicando o nosso trabalho diário. Os nossos jornalistas recebem ameaças, “mensagens sicilianas”, que os intimidam, e são ainda alvo de campanhas de difamação nos media pró-Governo que são também propriedade de oligarcas.

Em 2018, aconteceu a violação sexual e o assassinato da jornalista búlgara Victoria Marinova, o que acabou por expor a situação do jornalismo no país. Acredita que esse assassinato pode ter aumentado a autocensura, criando medo de relatar certos assuntos pelos jornalistas? Ou, pelo contrário, aumentou o desejo de lutar por maior liberdade de imprensa?

A Viktoria Marinova e a sua equipa estavam a planear cooperar com o Bivol para produzir um programa de TV sobre reportagens de investigação e as primeiras filmagens já estavam agendadas. Nenhuma outra cadeia de TV da Bulgária concordou em fornecer tempo para as investigações do Bivol. Após a sua morte, os media búlgaros reagiram de uma maneira estranha. Alguns jornalistas diziam que ela nem era jornalista. Para vergonha dos meios de comunicação convencionais, nenhum deles assumiu os tópicos em que Marinova estava a trabalhar para investigar mais sobre os casos. Os editores não queriam perder os empregos nem as posições de liderança no mercado. É assim que a censura é exercida na Bulgária, não diretamente do Governo, mas existe pressão não oficial dos proprietários dos meios sobre as equipas editoriais por mais autocensura.

Recentemente, a nomeação de um novo diretor geral para a televisão nacional búlgara provocou uma mudança na política editorial. Muitos dizem que o canal se tornou pró-Governo. A influência do Governo nos media é hoje uma realidade? Sente que o canal está agora a serviço do Estado?

O novo chefe do BNT – canal de televisão público – é um ex-diretor do agora extinto Canal TV7, controlado no passado pelo principal magnata pró-Governo Delyan Peevski. Acredita-se que ele seja o procurador do Ahmed Dogan, honorável líder do Partido Político da DPS – o partido político da minoria turca búlgara. Ambos estão ligados ao antigo KGB búlgaro – Darzhavna Sigurnost (antigo Serviço de Segurança Estatal do Socialismo). O Emil Koshlukov, do BNT, está alinhado com a agenda de Peevski e Dogan. Ele está a demitir os melhores jornalistas do BNT. Portanto, sim, podemos dizer que a emissora pública de TV está sob controlo total. No entanto, este não é o caso da Rádio Nacional da Bulgária (BNR), onde os jornalistas resistiram contra o diretor recém-nomeado (vinculado ao DPS e Delyan Peevski) depois de ele ter decidido demitir a apresentadora de rádio ​​e repórter judicial Silvia Velikova por causa das suas críticas contra o Procurador Geral. O diretor renunciou e a SEM (órgão regulador público) organizou novas eleições e elegeu um novo gerente para o BNR. Ele tem uma formação profissional positiva e promete reformar a rádio nacional, mas é muito cedo para dizer se ele resistirá à pressão do Governo e dos oligarcas.

O Nikolay trabalha no Bivol, o único meio búlgaro que colabora no Projeto de Relatórios de Crime Organizado e Corrupção. Já falámos sobre o Bivol já ter feito algumas investigações sobre corrupção, como o uso indevido de fundos da União Europeia. Existem restrições que comprometem este tipo de investigações, como pressão política? Qual foi a investigação mais difícil de fazer?

Não há censura oficial na Bulgária, mas o controlo sobre as grandes redações está presente. Vemos isso quando publicamos histórias importantes sobre corrupção que são completamente ignoradas pelos meios de comunicação tradicionais. A investigação do GPGate, já mencionada, foi tabu durante semanas. Só depois dos nossos jornalistas serem presos é que a história foi falada na TV.

Para mim, as investigações atuais mais difíceis são as histórias relacionadas com o coronavírus. Todos os Ministérios e todas as partes do poder estão a tentar manter em segredo quem beneficia da quarentena e do transporte de suplementos médicos: máscaras, ventiladores, testes rápidos, etc. Das histórias anteriores que escrevi, houve uma história realmente difícil sobre o dinheiro da Venezuela na Bulgária, vinculado aos principais oligarcas de Nicolas Maduro. Eles mantêm o seu dinheiro em bancos de todo o mundo e, apenas por causa da pressão vinda das embaixadas dos EUA, parte deles são presos e bloqueados. Trabalhamos com o projeto de jornalismo investigativo da Colômbia, Armado Info, sobre estes tópicos.

Voltando ao relatório dos Jornalistas Sem Fronteiras, a Bulgária caiu mais de 20 lugares nos últimos anos. Que eventos levaram à queda da liberdade de imprensa?

Como já foi dito, a aquisição da imprensa convencional e dos canais de TV por oligarcas amigos do Governo é a principal razão. Mas também existem razões económicas. Primeiro, em 2008-2009, devido à crise financeira, muitos jornais búlgaros começaram a demitir pessoas e a publicar um número menor de cópias. E isso levou à aquisição dos jornais por Delyan Peevski e outros oligarcas que não tinham dinheiro para pagar. Ao mesmo tempo, grandes agências internacionais como News Corporation e West-Deutsche Allgemeine Zeitung (WAZ) deixaram a região e agora os jornais que elas possuíam são controlados pelos oligarcas. O que estou a tentar dizer é que, sem os meios de comunicação internacionais, todo o jornalismo na Europa de Leste morrerá. Dois empresários búlgaros não afiliados à política estão a investir e a apoiar financeiramente pequenos jornais como Sega Daily, Capital Weekly, Club Z e outros. Mas eles também estão sob pressão. Eles enfrentam problemas com as autoridades fiscais e tornam-se objeto de “investigações” falsas por “fraudes” pelo Ministério Público.

O Bivol tem como objetivo fazer jornalismo realmente independente e contamos com 80% de financiamento através de crowdfunding. O restante são pequenas doações para investigações transfronteiriças com parceiros do OCCRP, como o RISE Project da Roménia. Aliás, os nossos parceiros em muitos países da região enfrentam os mesmos problemas com pressão e intimidações.

Na sua opinião, a UE deve encontrar mecanismos para impedir o declínio da liberdade de imprensa?

Penso que a UE e os EUA poderiam financiar e controlar melhor o financiamento de projetos a meios de comunicação independentes e de investigação na Europa de Leste, porque na Bulgária ou na Roménia, os media pró-Governo ou oligárquicos beneficiam dos fundos da UE. Os Governos estão a dar dinheiro da União Europeia em troca de conforto e propaganda. Assim, o dinheiro dos contribuintes da UE está a aprofundar o problema em vez de o curar.

Bruxelas e Washington deveriam fazer mais, porque a propaganda russa e chinesa na era da pandemia torna-se realmente perigosa. Os media deles têm orçamentos ilimitados… Precisamos de mais projetos para começar a combater a propaganda, verificar factos, combater a os meios oligárquicos e pró-Rússia na Europa de Leste. A União Europeia e os EUA poderiam organizar mais programas de especialização de jornalismo internacional e investir no apoio a projetos iniciantes independentes e investigativos.

Colocando-se no lugar dos leitores e telespectadores: a sociedade búlgara percebe a importância do jornalismo imparcial para a democracia?

A sociedade búlgara, como a romena ou a húngara, está cada vez mais desconfiada em relação aos meios tradicionais. Ao mesmo tempo, projetos de jornalismo independentes e projetos de inicialização de investigação, como o Bivol ou o RISE Project, atraem cada vez mais interesse. Vemos isso nas redes sociais, por exemplo, onde a página do Bivol tem 275 mil seguidores, mais do que qualquer cadeia de TV búlgara. E vemos ainda cada vez mais doações, mas não as suficientes para iniciar uma TV Bivol, que é muitas vezes reivindicada pelos nossos leitores. Nos últimos dois anos, o Bivol foi classificado como um dos meios mais confiáveis ​​da Bulgária, segundo os leitores, logo após a Rádio Nacional da Bulgária e a TV Nacional. Achamos que essa é a verdadeira métrica e estamos otimistas, visto que mostra uma tendência para a mudança. As pessoas precisam de informações confiáveis ​​e assim conseguem detetar o estilo de propaganda e evitá-lo.

Autor:
4 Maio, 2020

Licenciado em Ciências da Comunicação e sempre com a câmara na mochila. Acredito que todos os locais e pessoas têm “aquela” história. Impulsionador da cultura portuguesa a tempo inteiro.

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