Chama-se “Comité de Supervisão”. A BBC e a SIC Notícias chamaram-lhe “Supremo Tribunal” do Facebook. Trata-se de um organismo independente criado pelo Facebook para supervisionar o Facebook. Quando estiver completo, vai ser constituído por 40 pessoas de diferentes áreas e países.
“O Comité de Supervisão foi criado para ajudar o Facebook a responder a algumas das perguntas mais difíceis sobre o tema da liberdade de expressão online: o que remover, o que permitir e por quê”, lê-se na sua página oficial. “O comité usa o seu julgamento independente para apoiar o direito de liberdade de expressão das pessoas e garantir que esse direito seja respeitado de maneira adequada. As decisões do comité de manter ou reverter as decisões do Facebook sobre conteúdo serão vinculativos, o que significa que o Facebook terá de implementá-las, a menos que essa ação configure uma violação da lei.”
Por outras palavras, este Comité funciona como uma espécie de regulador do Facebook. Caberá ao Board dizer o que o Facebook pode ou não fazer em relação ao conteúdo partilhado nas plataformas Facebook e Instagram, analisando casos específicos e fazendo considerações tendo por base as políticas de conteúdo do Facebook e os valores que sustentam essas políticas. Este Comité vai tanto pegar em situações sobre as quais as equipas de análise de conteúdo do Facebook tenham dúvidas, como receber contestações que os utilizações tenham em relação a decisões sobre conteúdo tomadas pelo Facebook ou pelo Instagram. O Facebook enquanto empresa, e o Instagram enquanto sua subsidiária, terão de aceitar as decisões do Comité de Supervisão a não ser que sejam ilegais. Num texto de opinião publicado na semana passada no New York Times, o Comité explica melhor o que é e o que vai decidir.
Lê-se na sua página que o objectivo deste grupo de trabalho é “promover a liberdade de expressão”. O Comité de Supervisão será composto aproximadamente por 40 membros com diferentes contextos sociais e académicos, e de diferentes partes do mundo: 25% dos EUA e Canadá, 10% da América Latina e Caraíbas, 20% da Europa, 25% da Ásia e Oceânia e 20% de África. Para já, foram anunciados apenas 20 membros, que podem ser consultados aqui. Entre eles está a ex-Primeira-Ministra dinamarquesa Helle Thorning-Schmidt, a ex-relatora para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) Catalina Botero Marino, a Nobel da Paz Tawakkol Karman, Julie Owono, directora executiva da organização Internet Sans Frontières, Endy Bayuni, editor sénior do jornal The Jakarta Post. Juntam-se ainda uma série de outras individualidades, entre professores e especialistas ligados ao direito, à política, às questões sociais e aos media. Cabe ao Comité de Supervisão seleccionar os seus membros, não podendo o Facebook removê-los.
O Comité de Supervisão do Facebook é um trabalho que tem vindo a ser preparado desde Novembro de 2018, quando Mark Zuckerberg anunciou o conceito de uma organização independente porque o “Facebook não pode tomar tantas decisões importantes sobre liberdade de expressão e segurança sozinho”. Para garantir a separação das águas, o Comité não será financiado pelo Facebook, mas por uma entidade independente através de um tipo de relação jurídica conhecida por ‘contrato fiduciário’. Já essa terceira entidade (o “trustee”) é que será financiada pelo Facebook, segundo os estatutos do Comité publicados online.
O Facebook parece estar a ter todo o cuidado na criação deste Comité, garantindo que se trata de uma estrutura à parte daquela que é “governada” por Mark Zuckerberg. Desde o início que o Facebook se viu como uma empresa de tecnologia e não como uma empresa de media; se quando era uma estrutura pequena com uma só plataforma com alguns milhões de utilizadores conseguia gerir facilmente os dois lados, a situação tornou-se insustentável com o crescimento da empresa e, Zuckerberg viu-se a braços com decisões difíceis e que ele próprio não sabia resolver.
O Comité de Supervisão vai, por um lado, tirar peso e responsabilidade do lado do Facebook; é como se Zuckerberg entregasse as decisões a um grupo de pessoas mais capaz. Por outro, vai servir para que o Facebook disperse o seu poder em relação àquilo que é mais importante: o conteúdo que é publicado pelos utilizadores. É interessante notar, contudo, que este Comité é uma estrutura de auto-regulação criada pelo Facebook – sem o financiamento e intervenção directa deste –; uma resposta à regulação de entidades políticas de que o Facebook tem conseguido escapar. No fundo, Mark Zuckerberg pode não intervir no Comité de Supervisão, mas poderá alegar-se que exerça uma maior influência sobre ele do que sobre as decisões de reguladores, senadores e eurodeputados.