Jair Bolsonaro realizou um pronunciamento na última sexta-feira, 24, um dia após o Brasil anunciar o maior número de mortos por conta da pandemia do Covid-19, 407 pessoas. No entanto, o tema não foi a doença, mas o pedido de demissão do ex-juiz federal Sérgio Moro do Ministério da Justiça. Na manhã daquele dia, Moro entregou o cargo após divergências sobre o comando da Polícia Federal, e indicou que Bolsonaro teria interesses em obter informações privilegiadas. Para quem quer saber como é viver em um país com notícias para além da pandemia, o Brasil de Bolsonaro é a grande oportunidade.
A preocupação com o Covid-19 não ficou de toda ausente durante a coletiva. Bolsonaro realizou o pronunciamento cercado por dezenas de apoiantes, entre eles ministros e deputados, dos quais um chamou a atenção: Paulo Guedes. O ministro da Economia era único a utilizar uma máscara de proteção. Em março, após uma viagem aos Estados Unidos, 23 membros do governo foram diagnosticados com a doença, inclusive quadros relevantes do ministério de Guedes.
A relação dos membros do governo com as máscaras é de altos e baixos. Luiz Henrique Mandetta, até à última semana ministro da Saúde, participou em conferências de imprensa a utilizar o acessório, inclusive junto a Bolsonaro e Guedes. Numa das ocasiões, o presidente colocou de maneira errada a máscara, o que gerou desde memes a críticas de especialistas. E desde que o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, assumiu, as máscaras tornaram-se mais escassas entre as autoridades em Brasília.
No Distrito Federal, o número de casos por cada milhão de pessoas chegou aos 384,8, enquanto a média brasileira é de 250,76. A informação de que o número de testes no país é baixo é bem difundida, com uma média estimada em 0,63 testes a cada mil habitantes, segundo informa a BBC. Portanto, é consenso entre analistas de que o número real de casos é muito maior. Em Portugal, o número fornecido no dia 24 de abril pela Our World in Data é de que há 21,82 testes a cada mil habitantes.
Quando demitiu Mandetta a meio da pandemia, Bolsonaro deixou de contar com um ministro que, segundo o instituto de pesquisas Datafolha, contava com 76% de aprovação de suas ações na crise. Na mesma sondagem, a avaliação de Bolsonaro era de 33% avaliações positivas. Em pesquisa posterior, a demissão de Mandetta foi rejeitada por 64% dos brasileiros.
Em sondagens anteriores à crise sanitária, Moro era o ministro melhor avaliado do governo, também com valores maiores que os de Bolsonaro. Nas maiores cidades do país, as saídas dos dois ministros foram acompanhadas pelos já tradicionais “panelaços” nas janelas. Enquanto em outros países, em horas marcadas, as varandas viraram pontos de homenagem aos profissionais essenciais, no Brasil as 20h são referência para os protestos contra o presidente.
Na saída, Moro recebeu apoio de diversos nomes políticos que estiveram ligados a Bolsonaro nas eleições de 2018. O governador do Estado de São Paulo, João Dória (PSDB), eleito com o jargão “BolsoDória”, disse no Twitter que “Moro mudou a história do País ao comandar a Lava Jato”. Relatora do processo de impeachment de Dilma Rousseff e deputada estadual em São Paulo pelo PSL Janaína Paschoal escreveu na mesma plataforma que “Perde o Governo, perde o Brasil, mas ganha a verdade!”
A saída de Moro, eleito uma das 50 pessoas mais influentes da década pelo Financial Times, teve impacto no mercado financeiro. O índice Ibovespa da bolsa de valores de São Paulo fechou em queda de 5,45% na sexta-feira, enquanto o dólar comercial teve alta de 2,33%, acompanhado do euro que subiu 2,60%. Respectivamente, em R$ 5,65 e R$ 6,11, cada moeda terminou na sua maior cotação nominal na história.
Pressão por saída
A velocidade da internet demanda ações que não correspondem às instituições no mundo real. Nas redes, crescem os pedidos por impeachment, e um afastamento imediato. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), a quem cabe decidir pela abertura ou não do processo, já tem 24 pedidos de impedimento protocolados, de instituições diversas e da sociedade civil.
Por conta do comportamento errático do presidente, chegou-se a cogitar um afastamento por conta da avaliação de falta de aptidão mental, algo descartado pelo professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Mafei. Em artigo para a Revista Piauí, Mafei, que é especialista em processos de impeachment, indicou que “Suspeitar da sanidade mental de Bolsonaro não permite encurtar caminho para afastá-lo; saída legal é o impeachment”.
Quem reforça a aposta acredita em uma saída menos desgastante e rápida do que as votações na Câmara e no Senado, especialmente dificultadas em tempos de pandemia, mas Mafei ressalta que não há previsões legais para tal já que “o Brasil não fez a opção de tratar a incapacidade mental superveniente do presidente como hipótese autônoma para sua remoção”.
As acusações de Moro na saída complicam ainda mais Bolsonaro, já que o Procurador Geral da República, que é indicado pelo próprio presidente, pediu ao Supremo Tribunal Federal a autorização para investigar as denúncias. Os crimes possíveis a partir das declarações de Moro são os seguintes: “falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia https://staging2.shifter.pt/wp-content/uploads/2021/02/e03c1f45-47ae-3e75-8ad9-75c08c1d37ee.jpgistrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra”.
Enquanto as mortes se acumulam por conta da Covid-19, e o desgaste internacional de Bolsonaro, que durante a atual crise já foi chamado de “Bolsonero”, “Pior líder do mundo” e “avestruz” por alguns dos principais jornais do mundo, segue, o presidente tem agora que lidar com múltiplas crises, a maioria criada pelo próprio. O desfecho é imprevisível, mas como já se consolidou no Brasil, a única certeza é de muitos memes pela frente.
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Texto de Matheus Gouvea de Andrade, jornalista convidado a partir do Brasil