Hoje, 25 de Abril, celebra-se um dos dias mais marcantes da história recente do nosso país. Celebra-se o dia em que se depôs um regime ditatorial e se dispuseram as primeiras pedras da edificação democrática. Celebra-se a liberdade de pensar, de exprimir e, por inerência, de sonhar e articular os sonhos de uma vida melhor, de uma ideia diferente. Na deposição do regime deram-se os primeiros (grandes) passos para a concretização de um sonho sem data, o sonho da equidade, da emancipação e do fim da opressão. Um sonho que só se celebra enquanto tiver capacidade para se reinventar.
Só há liberdade a sério quando houver
A paz, o pão
habitação
saúde, educação
– Sérgio Godinho
Ao contrário de outras efemérides que celebramos anualmente, o 25 de Abril não nos remete para uma data puramente histórica.
Pelo contrário o dia serve-nos, ou deve servir-nos, de lembrança dos sacrifícios feitos para conquista dos direitos democráticos e do esforço que colectiva e diariamente devemos fazer para ir mais além nesta conquista e não ceder um milímetro. Afinal de contas, não recordamos uma data que se passara há séculos, mas antes um momento vivido de perto pelas gerações com quem convivemos, um momento que ainda se reflecte nas memórias dos que ainda vivem, e na cultura que partilhamos. Mas se a abstração da memória parece idêntica e imutável, o contexto actual modificou-se por completo, trazendo novas ameaças ao sonho da liberdade. A expressão significa hoje em dia algo diferente e os limites da nossa liberdade redefiniram-se, como se redefiniu o espaço público em que habitamos, a informação que consumimos e o sistema em que consumimos.
Celebrar o legado do 25 de Abril é continuar a sonhar com a mesma ânsia de liberdade e com o mesmo respeito com que sonharam os homens que operaram a revolução; identificando com serenidade as fragilidades do sistema que se opõe. O mundo mudou a um ritmo que, à data, seria difícil imaginar – e não foi só a internet que o motivou. Os voos low-cost, as empresas multinacionais, start-ups e scale-ups, a fintech, os algoritmos, a vigilância massiva ou a monitorização de localização, para alguns exemplos, apresentam-se hoje como novos contextos à nossa vida, praticamente impossíveis de prever e enquadrar. A celebração do 25 de Abril deve ser o renovar dos votos no combate ao fascismo nas suas mais diversas formas ou configurações; o renovar do compromisso de lutar por uma sociedade mais justa, plural e democrática.
A relativa paz e segurança de que hoje gozamos nos nossos estilos de vida não deve ser vista como a última formulação do desejo porque, notoriamente, não o é.
Hoje, mais do que nunca, devemos lembrar-nos daqueles que por desígnio das novas contingências vêem o seu direito a vida uma livre posto em causa – por corrosão dos seus direitos laborais, por invasão da sua privacidade. Hoje, mais do que nunca, devemos lembrar que são a ignorância, o medo e a desconfiança em relação ao outro que fundam o nacionalismo.
Hoje mais do que nunca devemos lembrar que é no seio do povo, na sua heterogeneidade e tolerância, na sua ingenuidade e inocência, entre quem, como diz Robert Kramer no Outro País de Sérgio Tréfaut, tem coragem de fazer a pergunta mais infantil – como podemos viver todos bem juntos? – que se esboçam novas formas de vida. É no cultivo da diferença, da pluralidade e da equidade em cada canteiro do nosso país, que todos os dias se pode deixar a semente para que floresça entre nós a famigerada liberdade.