Gerir um órgão de comunicação em tempo de pandemia é um desafio absolutamente novo para todos, e especialmente para aqueles que como nós começaram nesta área há menos de uma dezena de anos. Nunca cobrimos guerras, nem sentimos grande necessidade de falar de epidemias anteriores porque não impactavam directamente a nossa vida, mas neste caso tudo parece ter de ser diferente. O coronavírus colocou-nos a todos num estado de excepção que é um verdadeiro teste àquilo que andamos aqui a fazer e, simultaneamente, uma oportunidade para pensarmos aquilo em que podemos ser úteis. É por aí que começo este importante editorial do Shifter, por uma reflexão global.
Num momento como o que vivemos, em que cada um percebe a sua responsabilidade na malha colectiva e as relações de poder se tornam muito mais evidentes, desce-nos no momento de consciência uma estranha noção do nosso tamanho e da nossa importância no global. Este não é o momento de procurar crescer nas redes sociais ou ultrapassar os colegas na luta pela promoção e isso dá-nos espaço para pensar com honestidade naquilo que realmente nos motiva para além dos motivos do ego — uma reflexão que se estende a projectos como o nosso. Não faremos sempre a coisa certa mas não deixaremos que um critério largo nos deixe levar na corrente do populismo e do aproveitamento do medo que todos, sem excepção, temos desta situação. Assumimos a responsabilidade de nos mantermos fiéis aos nossos princípios e faremos de tudo para que não sejamos parte de nenhum dos problemas que esta situação acarreta.
É nesse sentido que decidimos aqui expor, a priori, as linhas básicas do que será o nosso funcionamento durante os próximos tempos, colocando a nu o nosso compromisso, para que nos possam sugerir ou criticar mas, sobretudo, para que nos possamos manter sempre com os pés assentes no chão, que é o nosso propósito.
Rejeitaremos ser mais um órgão de comunicação social a propagar o medo. Não faremos da pandemia tema único no Shifter, nem reportaremos a cada novo caso, a cada novo dado… Não estaremos sempre ligados e a tentar ‘informar’ quando não temos nada para dizer. Manteremos o nosso horário, as nossas rubricas e as nossas obsessões para que, apesar da emergência, possamos cultivar alguma normalidade onde todos, enquanto comunidade, possamos respirar tranquilamente, sem a pressão dos directos, dos última-hora. Reflectiremos sobre a pandemia segundo as nossas linhas, informaremos dos projectos relevantes e daremos espaço para os bons exemplos vingarem.
Rejeitaremos o moralismo, o populismo e o sensacionalismo. Em momentos como este é fácil apanhar a onda e com lições de moral populistas fazermos o papel de bons da fita. Não faremos nada disso. Sabemos o papel de cada um neste importante desafio global e sabemos que o papel de dar ordens cabe às autoridades. Faremos eco nas nossas redes sociais das suas principais recomendações mas não faremos do moralismo uma forma fácil de ganhar seguidores. Consideramos que este tipo de aproveitamento não deve ser feito por um órgão de comunicação social por muito boa que seja a intenção, por uma questão de consideração pelos nossos leitores. Não partilharemos as fotografias da praia, nem bradaremos sobre a humanidade, não é o momento.
Da nossa parte, tentaremos dar o exemplo, continuando com a nossa vida, seguindo à risca as recomendações de isolamento social físico e de higienização, mantendo atenção redobrada a este fenómeno sem nos deixarmos contagiar mentalmente por ele. Desde o 11 de Setembro que as televisões vivem do última hora, não deixemos que o coronavírus mude o paradigma para o directo constante em que os órgãos de comunicação social inundam o espaço público. Há lugar para todos, saibamos ocupar o nosso.