Andrei Tarkovsky (1932-1986) é um dos mais importantes realizadores da história do cinema. O seu legado instituiu uma linguagem e uma estética próprias, que conquistou e tem vindo a influenciar várias gerações. Foi premiado e distinguido ao longo da sua carreira, e deixou uma obra única que conta com filmes como Andrei Rublev (1966), Solaris (1972), O Espelho (1975) ou Stalker (1979).
Em todos os seus trabalhos, Tarkovsky esculpiu o tempo à sua maneira, uma teoria que viria a servir de inspiração a todas as gerações de realizadores por vir. Para o realizador russo, o tempo era o potencial mais rico do cinema e devia ser usado para explorar a nossa própria percepção e alterá-la. Os planos longos e silenciosos e os poucos cortes na edição dos filmes pretendiam dar aos espectadores a sensação de passar do tempo, de perder tempo, e a relação entre um momento no tempo e o que lhe segue.
Em cada um dos seus filmes, Tarkovsky ensinou-nos assim a assistir, ouvir e esperar, como se de um exercício meditativo se tratasse, um teste de paciência que às vezes parece ser também a própria recompensa. E se essa proposta de nos desafiarmos introspectivamente nos foi feita a cada filme por si assinado, Tarkovsky foi mais longe e mais directo na sua mensagem, num vídeo divulgado no canal de Youtube da The Criterion Collection.
Nele, o famoso realizador russo pondera sobre que mensagem gostaria de passar aos jovens, dizendo que o seu principal conselho era que aprendessem a cultivar a solidão. A tradução do russo para o inglês e do inglês para o português pode trazer nuances de interpretação, principalmente porque as legendas do vídeo só traduzem algumas das suas palavras, por isso, no site Brain Pickings, de Maria Popova, podes consultar uma tradução completa (em russo-inglês) da resposta do cineasta à pergunta “O que gostava de dizer aos jovens?”.
Não sei… Acho que gostava apenas de dizer que eles deviam aprender a estar sozinhos e tentar passar tanto tempo quanto possível consigo mesmos. Acho que uma das grandes falhas dos jovens de hoje em dia é que estão sempre a tentar estar todos juntos em eventos barulhentos, quase agressivos por vezes. Este desejo de estarem juntos para não se sentirem sozinhos é um sintoma infeliz, na minha opinião. Toda a gente precisa de aprender desde criança como passar tempo consigo mesma. Isso não significa que eles devam ser solitários, mas que não devem crescer fartos de si mesmos, porque as pessoas que vivem aborrecidas com a sua própria companhia parecem-me estar em perigo, do ponto de vista da auto-estima. (tradução livre)
O vídeo que mostra Tarkovsky encostado casualmente a uma árvore enquanto debita sabedoria intemporal, faz parte do documentário Andrey Tarkovsky – Um Poeta no Cinema, de Donatella Baglivo, lançado em 1983, três anos antes da morte do realizador. Nessa altura, o cineasta vivia num mundo analógico, livre de redes sociais — o que diria Tarkovsky agora do mundo instantâneo e tantas vezes desinformado em que vivemos, um ambiente que se torna particularmente hostil a meios como a poesia, ou os seus filmes distintamente poéticos, e que nos mergulha nos tipos de experiências estéticas da internet e televisão, com as suas conversas ininterruptas, onde se normalizam termos como FOMO (Fear Of Missing Out) e se faz uma partilha constante da nossa vida com o Outro, submetendo-a constantemente à sua aprovação.
Numa altura como a que vivemos, forçados ao isolamento físico por meio da pandemia de Covid19, as palavras do cineasta e escritor devem caber-nos na consciência como uma luva, tirando proveito do distanciamento a que fomos obrigados para parar e pensar. Usada saudavelmente, a solidão pode ser um veículo de excelência para cultivarmos alguns dos estados mais férteis para o nosso cérebro e espírito, para experimentarmos os nossos maiores tormentos e a tranquilidade mais reconfortante.
Do mesmo documentário, resultou um outro vídeo viral e sincero, que pode ser combinado com este, com conselhos para jovens cineastas e todos os artistas no geral — conselhos que exigem atenção, paciência e compromisso com a paixão e a visão individuais, e que nos mostram que um dos maiores cineastas de sempre criou o seu espólio partindo deste lugar reflexivo de solidão, um lugar para onde podemos tentar viajar agora e sempre.