Se traduzirmos o nome do novo álbum dos Tame Impala, The Slow Rush, para além de termos um belo jogo de palavras, percebemos que estes 5 anos foram um longo caminho para Kevin Parker, um adiamento tipo: “A pressa é inimiga da perfeição”. The Slow Rush era esperado o ano passado, em consonância com a atuação da banda no Coachella mas tal não se materializou e o cantor australiano admitiu que o processo criativo só começou no final de 2018, contribuindo ainda mais para as expectativas dos fãs. Em pleno São Valentim a espera acabou e o sucessor de Currents está cá fora.
Vivemos numa era em que a junção de géneros (pop com hip-hop, hip-hop com rock, rock com eletrónica) leva a que muitos artistas se vejam inseridos no meio desta génese e foi neste pico que os Tame Impala entraram em cena. A viagem é longa e começou em Innerspeaker, transitou no espírito progressivo e experimental do rock psicadélico em Lonerism e cruzou em Currents, o álbum que os colocou no mapa e recebeu aclamações de críticos de renome. The Slow Rush é quase como uma continuação da música intemporal e gloriosa de Currents, mas que flui naturalmente no processo de unir cada vez mais as distinções entre rock e pop do universo Tame Impala.
Mas desengane-se quem pensa que este álbum tem uma ‘ajudinha’ de samples. Parker traz-nos mais uma vez a genialidade e a capacidade de surpreender num projeto detalhado e que mostra que a espera valeu a pena. Com o seu vasto conhecimento de ferramentas e técnicas, faz-nos mergulhar numa experiência vibrante e extremamente dançável, cheia de instrumentação acústica que desafia os seus contemporâneos a samplarem The Slow Rush.
A antecipação do novo álbum começou com o lançamento dos singles “Borderline”, “Patience” e mais tarde “It Might Be Time”, algo que preocupava os fãs, pois o rock psicadélico habitual estava muito longe de se concretizar e a procura por sonoridades mainstream parecia estar a erguer-se, mas The Slow Rush é a prova que a continuidade da trajetória dos Tame Impala passa por redefinir o seu som e processo criativo sem nunca perder a essência.
O tema do álbum passa por abordar e explorar a passagem do tempo, começando logo pela música de abertura, “One More Year”, uma faixa melancólica e bastante íntima que é acompanhada por uma batida contínua e estabelecida por glitchy loops onde Parker reflete sobre o conceito de tempo e demarca-se dos seus fatores limitativos, dando o motto de que a vida deve ser vivida ao máximo, aceitando as escolhas que se faz durante tudo o que já vivemos e ainda temos para viver.
A acompanhar o tema preponderante, é de notar que Kevin Parker ainda adopta os grooves mas desta vez com influência de Disco — o som psicadélico sofre uma ‘queda’ na sua intensidade e todas aquelas elevações cheias de adrenalina que eram tradição na discografia da banda australiana deixaram praticamente de existir. As influências agora são outras e variam entre o electro funk e o dance-floor, com alguns toques de Philly soul, early prog e acid house, misturado ainda com um pouco de R&B contemporâneo.
Destaque ainda para um sentimento de introspecção muito presente no álbum, na medida em que várias faixas refletem para além da passagem do tempo, a memória, recordações e decisões do passado, que surgem na dor pessoal que Parker mostra, por exemplo, em Posthumous Forgiveness, onde aborda o relacionamento complicado com o pai que morreu vítima de cancro. O tema contrasta com os entusiásticos sons dos anos 60, escolha especial de Kevin em memória ao pai que era fã desta sonoridade — a bateria e os acordes de guitarra acompanham as palavras duras do músico. E mesmo noutros momentos do álbum mais dançáveis, a inclusão de temas mais ‘duros’ é predominante. “Borderline”, que sofreu alterações na vinda para este disco, é uma reflexão destes 5 anos e da transformação profissional e estilística que Parker teve,
“Quite a show for a loner in L.A.
Askin’ how I managed to end up in this place
And I couldn’t get away”
“Lost in Yesterday” é outro highlight do álbum. Kevin Parker reflete no poder da nostalgia e deixa memórias do passado que na sua visão podem ser assustadoras para quem o ouve, dando a sensação que as más lembranças devem estar “Lost in Yesterday”. A melodia faz questão de criar um ambiente de praia, ao estilo Daft Punk, com um riff elaborado e funky e uma bass line dos anos 80.
De momento, os Tame Impala já têm um percurso bastante alargado e Kevin Parker encontra-se numa fase da vida que o faz ponderar sobre o momento em que se encontra. Com 34 anos e recentemente casado, reflete sobre o rumo que tomou ao longo destes 5 anos de paragem da banda e o que os fãs esperam do seu trabalho. “It Might Be Time” fala disso mesmo. Parker pergunta a si mesmo se ainda tem aquele touch, se é relevante e se é capacitado para corresponder às expectativas do que os outros esperam dele, numa compilação de sons monstruosos variando entre sequências de sirenes e drums pesadas.
https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_kn0erWyFYIqhheWX8BA1DrJBEO-_g-Z-w
É difícil avaliar o que toda esta ansiedade e receio dos Tame Impala transmite no álbum como um todo, porque algumas músicas carecem de mais excentricidade e presença, melhor arranjo musical, um esforço maior nos vocals e letras, contudo estes pormenores acabam por ficar ofuscados na criatividade deste novo disco, longe de terem perdido o ‘enredo’, podemos afirmar que esta viagem cósmica dos Tame Impala por psicadelismos suaves e etéreos, é fruto da incrível visão de Kevin Parker. The Slow Rush é a prova que a versatilidade e o perfeccionismo da banda australiana continuam bem presentes, e não são necessários qualificadores para provar que a essência não se perdeu pelo caminho, como Parker canta em “On Track”: “But strictly speaking, I’m still on track”.