No contexto atual de causas do aquecimento global, é evidente a necessidade de redução de emissão de gases de efeito estufa, o que tem levado ao aumento de produção de eletricidade através de energias renováveis, como a solar, hídrica ou eólica.
Estes tipos de fontes de energia emitem uma quantidade de CO2 muito inferior ao carvão, petróleo ou gás natural, mas não são as únicas a fazê-lo. Um outro tipo de energia não renovável consegue também uma baixa emissão de gases de efeito estufa: a energia nuclear.
Baseado na fissão de núcleos radioativos, este tipo de energia usa minérios que são extraídos da crosta terrestre, como o urânio ou o plutónio, sendo estes recursos limitados a longo termo. Mas, no que diz respeito aos níveis de emissões de gases por quantidade de energia produzida, este tipo de fonte energética apresenta valores similares à energia eólica ou hídrica e cerca de um terço da energia solar – considerando nestes cálculos todas as etapas do ciclo de vida de uma central nuclear, desde a extração de minério à construção das infraestruturas e sua manutenção [1].
Os problemas da energia nuclear
Contudo, a energia nuclear tem três grandes problemas. Um deles, já assinalado, prende-se com a sua dependência de recursos finitos da Terra. Mesmo que exista uma quantidade de elementos radioativos em grande abundância no planeta, algumas estimativas apontam que, à taxa atual de produção de energia nuclear, teríamos urânio para cerca de 100 anos, o que faz com que a dependência desta energia não seja eterna.
Os outros problemas prendem-se com os riscos associados à radioatividade dos elementos usados. Por um lado, acidentes como Chernobyl ou Fukushima suscitam uma elevada apreensão para as populações que habitam em torno de uma central nuclear. No caso de Chernobyl, 2.600 km2 em torno da central são ainda áreas de restrito acesso, passados mais de 30 anos do acidente. Devido ao risco de acidente associado a este tipo de energia, certos países, como a Alemanha, começaram o desmantelamento de reatores ativos, tendo este país em particular o objetivo de fechar a sua última central em 2022.
Por outro lado, os resíduos radioativos são outro problema a longo prazo, já que, depois da utilização de elementos radioativos para produzir energia, estes continuam a emitir radiação, o que pode causar a contaminação de terras, de aquíferos e da biosfera. Estes resíduos ficam radioativos por milhares ou milhões de anos, sendo atualmente acondicionados em minas ou nas profundezas dos oceanos, o que causa bastante impopularidade na opinião pública.
Mas será que existe uma solução para eliminar estes resíduos?
O prémio Nobel da Física de 2018, Gérard Mourou, acha que sim. Este físico francês desenvolveu, nos anos 1980, diferentes tipos de lasers de alta intensidade e curta duração. Estes dispositivos óticos têm pulsos com uma duração na ordem dos picosegundos, ou seja, um bilião de vezes mais rápidos do que um segundo.
Com estes lasers, muitas questões sobre a interação entre luz e matéria puderam ser estudadas, o que potenciou várias aplicações, como o seu uso em cirurgia ocular, para resolver problemas como miopia ou astigmatismo.
Lasers super-rápidos e lixo radioativo
Gérard Mourou acredita que esta tecnologia de lasers que desenvolveu pode ser usada para reduzir a radioatividade de resíduos nucleares de milhões de anos para alguns minutos. A ideia é criar uma transmutação nuclear, ou seja, alterar a composição do núcleo atómico.
Se pensarmos nos elementos da tabela periódica, os seus núcleos são compostos de protões e neutrões. Em particular, o número exato de protões define um certo elemento. Por exemplo, o oxigénio tem 8 protões no seu núcleo, o ouro 79 protões ou o urânio 92. Se mudarmos o número de protões no núcleo dos átomos, podemos assim obter um material com outras características.
No caso de elementos radioativos, procuramos mudar o decaimento radioativo que normalmente dura milhares ou milhões de anos para outro elemento ou isótopo que tenha um decaimento radioativo mais curto. Para o fazer, Gerárd Mourou propõe o uso de lasers de alta potência e de pulsos curtos, o que gera um grande fluxo energético de uma só vez. Isto levaria à alteração dos núcleos destes elementos radioativos, mudando o número de neutrões ou protões.
Este projeto do Nobel da Física, em colaboração com o centro de investigação francês, Commissariat à l’énergie atomique et aux énergies alternatives (CEA), já foi lançado, e espera-se que, em 10 ou 15 anos, os resultados mostrem que seja possível a implementação do método à escala industrial. Mas claro que existem obstáculos, já que nunca foram criados lasers com esta potência energética e será difícil encontrar uma forma de tratar a grande quantidade de resíduos produzidos atualmente de forma industrial.
Se esta ideia tiver sucesso, um dos maiores entraves ao uso da energia nuclear pode ter uma solução prática, permitindo reduzir a quantidade de lixo radioativo já produzido no passado e tratar os novos resíduos gerados, o que pode levar a um caminho mais “verde” para a energia nuclear.
Agradecimentos ao Manuel Xavier pela revisão científica do texto.
Referências:
[1] McIntyre, J., Berg, B., & Seto, H. B. S. WNA report: Comparison of Lifecycle Greenhouse Gas Emissions of Various Electricity Generation Sources. 2010. World Nuclear Association: London, UK, 1-12.