Alarga-se um lado, encurta-se o outro: como pouco muda em Lisboa entre grandes mudanças

Alarga-se um lado, encurta-se o outro: como pouco muda em Lisboa entre grandes mudanças

24 Fevereiro, 2020 /
Imagem via CML

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Se o Jardim da Amnistia Internacional já ficou ligeiramente menos verde, mais cinzento ficará quando o trânsito na Rua de Campolide se intensificar. O projecto servirá para escoar o trânsito da nova Praça de Espanha.

Enquanto a requalificação da Praça de Espanha, em Lisboa, avança com a promessa da criação de um jardim maior que o da Estrela, ali ao lado, a Rua de Campolide está em obras para passar a avenida. Com o encurtamento dos passeios já estreitos, a optimização de zonas mortas e eliminação de algumas áreas verdes, está a ser criado espaço para o automóvel. Duas vias de trânsito em cada sentido vão nascer naquela rua artéria. O projecto servirá para escoar o trânsito da nova Praça de Espanha.

O Jardim da Amnistia Internacional já está a sofrer com ampliação da Rua de Campolide. Com cerca 3,3 hectares, este jardim cola com a dita rua na parte intervencionada e viu um bocado da sua área verde ser desbastada. Perdeu-se relvado, arbustos e uma ou duas árvores de pequeno porte – era preciso arranjar espaço para o automóvel.

É certo que o verde que se perdeu naquele belo Jardim desenhado pelo arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles é insignificante à escala do mesmo, mas não deixa de ser simbólica e irónica essa perda (por mais ínfima que seja) na tão aclamada “Capital Verde Europeia 2020”. A criação de uma avenida no espaço de uma rua parece um contra-senso em relação a todas as restantes intervenções que vão acontecendo no resto da cidade de Lisboa, onde têm sido alargados passeios e criadas ciclovias em detrimento do espaço automóvel.

Esse contra-senso é ainda mais gritante quando na Praça de Espanha, a poucos metros da Rua de Campolide, se realiza uma obra para, no espaço de um complexo e desajustado cruzamento rodoviário, ser criado um parque verde de cerca de 5 hectares – maior que o Jardim da Estrela. Sendo o alargamento da Rua de Campolide uma obra justificada para o escoar o trânsito que vai deixar de ser bem-vindo na Praça de Espanha, mais parece que se está a varrer o pó para debaixo do tapete. Efectivamente, o carro não perde espaço, com o ruído e poluição a serem remetidos apenas para meia dúzia de metros dali.

Se o Jardim da Amnistia Internacional já ficou ligeiramente menos verde, mais cinzento ficará quando o trânsito na Rua de Campolide se intensificar. O projecto de intervenção desta artéria foi controverso, com moradores e comerciantes preocupados com o estreitamento de zonas pedonais já pequenas, conforme reporta o jornal Público. A Rua Avenida de Campolide permitirá chegar rapidamente ao Eixo Norte-Sul, à Ponte 25 de Abril e também à Radial de Benfica – será um canal de escoamento que evitará que os automobilistas tenham de passar pela Praça de Espanha.

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Nesta Praça, obras ainda estão a decorrer e garantidamente irão mudar a vivência daquele espaço para melhor. A reorganização do trânsito e a melhoria das acessibilidades pedonais e cicláveis são mais que bem-vindas mas é importante não sermos levados em vão pelos renders e promessas que nos apresentam. Esses mostram-nos um jardim de sonho no centro da cidade, cheio de verde, água e biodiversidade. Mas o que não nos mostram é que a Praça continuará a cruzar cinco grandes avenidas que manterão as suas 2 a 3 vias de trânsito em cada sentido. Contas feitas, a nova Praça de Espanha será um jardim circundado por filas e filas de automóveis. Pouco falado também têm sido os projectos imobiliários previstos para aquela zona, incluindo o prolongamento do IPO e a nova sede do Montepio.

Imagem via CML

Em ano de “Capital Verde Europeia”, parece que tudo tem de ser verde em Lisboa, talvez para mostrar trabalho feito nas instâncias europeias e para comunicar uma cidade comprometida com as alterações climáticas. Seria injusto não reconhecer os avanços que estão a ser feitos em Lisboa; os 5 hectares do novo Parque Urbano da Praça de Espanha vão ligar aos jardins da Gulbenkian, que, por sua vez, serão alargados para Norte. Vão ligar também aos 3,6 hectares do Jardim da Amnistia Internacional, aos 6,2 hectares do Jardim da Amália, ao Parque Eduardo VII e a Monsanto. Vamos ter uma massa verde com peso no meio de Lisboa.

Mas não podemos cair numa situação de greenwashing – uma estratégia de marketing e comunicação que consiste em apresentar como verdes negócios, produtos e projectos que não o são. Na conta de Instagram da Capital Verde Europeia 2020 apresenta-se o lado mais verde de Lisboa, através de imagens e enquadramentos que escondem uma cidade cheia de carros, grandes vias rodoviárias e estacionamento abusivo em variadas ruas.

Enquanto se inaugura a primeira parte de um novo parque verde na zona oriental de Lisboa, noutra ponta da cidade – na Ameixoeira – preparam-se extorsões em série de terrenos para a criação de uma grande avenida ao lado do Eixo Norte-Sul. Uma pequena azinhaga vai passar a ter duas faixas de rodagem em cada sentido, no âmbito de um grande plano de reurbanização anunciado e já apresentado para aquela zona degradada e abandonada da cidade. Na Estrela, há passeios a serem reduzidos para serem criados novos lugares de estacionamento. Ainda há pouco tempo, Campolide autorizou estacionamento pago em cima do passeio e acompanhámos também a história das Marias que não conseguiam sair de casa com o carrinho de bebé com estacionamento ilegal em cima do passeio com o compadrio da Junta de Freguesia e das autoridades.

O Shifter contactou a Câmara Municipal de Lisboa sobre as intervenções na Rua de Campolide e Praça de Espanha mas até ao momento não recebeu qualquer resposta. Este artigo será actualizado caso essa resposta chegue entretanto.

Autor:
24 Fevereiro, 2020

Jornalista no Shifter. Escreve sobre a transição das cidades e a digitalização da sociedade. Co-fundador do projecto. Twitter: @mruiandre

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