A cientista alimentar Ann Reardon chama-lhes “as fake news do mundo culinário”: vídeos que geram milhões de cliques baseando-se apenas em clickbait e receitas impressionantes, mas que não resultam. Infelizmente, não dá para fazer um pudim metendo meia dúzia de ovos e marshmallows dentro de um pacote de leite que depois cozinha 10 minutos no microondas, e se tentarmos derreter gomas em banho maria ficamos com uma pasta viscosa mas cimentícia, e não com uma gelatina bonita e reluzente.
O jornalista da BBC Click Chris Fox quis explorar o fenómeno destes mini-vídeos com hacks de cozinha e ideias insólitas de pastelaria que inundam as redes sociais e reúnem milhões e milhões de visualizações. O seu sucesso enquanto formato audiovisual é garantido, mas e aquilo que mostram, funciona? Fox começou por reunir as receitas de alguns dos maiores canais de Youtube e páginas de Facebook do género e descobriu que a maioria destas dicas são simplesmente boas demais para ser verdade.
I tried out some "fake bakes" that have clocked up millions of views on YouTube, but don't actually work! featuring @howtocookthat pic.twitter.com/jl54RuKcNi
— Chris Fox (@thisisFoxx) February 17, 2020
O tal pudim no microondas acima referido era uma ideia do canal de lifestyle Blossom, que conta com 17 milhões de visualizações, e ganhou fama porque cozinhava dentro de um pacote de leite de cartão no microondas. Quando tentou reproduzir a receita, “em nome da ciência”, Chris esbarrou no passo mais irónico possível – um pacote tradicional de leite nem sequer cabe num microondas, nem o seu, nem o da equipa que fez o vídeo original. Depois de o analisar, o jornalista percebeu que este tinha mesmo sido cortado para caber no eletrodoméstico.
Segundo Ann Reardon, cientista alimentar responsável pelo canal de receitas (legítimo) How To Cook That, o fenómeno está intimamente relacionado com o poder que o clickbait de vídeos como estes tem nos algoritmos do YouTube e Facebook que, consequentemente, gera mais receitas em publicidade.
Também Ann, intrigada com esta vaga de virais, tem experimentado algumas destas receitas nos seus vídeos. Num deles, testou uma receita de gelado que se transforma magicamente em cobertura de bolo, uma dica do canal So Yummy, com 70 milhões de visualizações. Chris Fox também a experimentou e, escusado será dizer, que não aconteceu…
“Tendo uma licenciatura em ciência alimentar, eu conheço as propriedades dos diferentes produtos e alimentos e sei de antemão se algo vai resultar ou não. E não é mesmo possível bater gelado como se fosse natas porque não tem gordura suficiente para criar esse efeito. (…) Por isso estão mesmo só a preparar as pessoas para o fracasso.” refere a cientista, quando questionada sobre o propósito destes vídeos.
Será que o número de visualizações destes vídeos é equivalente ao número de pessoas que realmente experimenta as receitas? É provavel que não. Mais problemático ainda é quando estas experiências passam de simplesmente falsas a perigosas. Ann dá o exemplo de um vídeo do conhecido canal 5-Minute Crafts, onde três morangos são mergulhados em lixívia até ficarem sem cor – alertando para o facto de que se alguma criança tentasse fazer isso em casa e comesse os morangos de seguida, estaria a ingerir quantidades obviamente nocivas de lixívia. O mesmo acontece com um vídeo com mais de 3 milhões de cliques onde alguém tenta fazer um “ninho” de caramelo para enfeitar um bolo deitando açúcar a ferver por cima de uma batedeira em funcionamento, algo que acabaria, quase de certeza, por magoar o autor da experiência.
Chris Fox tentou contactar as empresas por detrás de vídeos deste género e obteve apenas uma resposta da First Media, a companhia que detém os canais So Yummy e Blossom, que o convidou para os seus estúdios para provar a funcionalidade das receitas com a condição de que não poderiam ser filmadas. A empresa insistiu que só mostra receitas que resultam, o que leva a crer que as experiências nos vídeos podem não ser 100% falsas, mas devem precisar de mais ingredientes que os que são listados, ou são, pelo menos, muito editadas no processo de confeção.
Quanto ao título, durante a pesquisa para este artigo desvendámos o seu mistério. Existe mesmo uma variedade de maçarocas — milho seco — que se transformam em pipocas no microondas e estão disponíveis no mercado vendidas por marcas especializadas como esta.