Nuno Lacasta: “A Agência Portuguesa do Ambiente não faz política”

Nuno Lacasta: “A Agência Portuguesa do Ambiente não faz política”

6 Fevereiro, 2020 /
Nuno Lacasta (foto via Fumaça)

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Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), é um dos homens mais poderosos da administração pública portuguesa. Na prática, toda e qualquer atividade que diga respeito à gestão da água, resíduos, alterações climáticas e avaliação ambiental passa por, pelo menos, um dos gabinetes que chefia.

A entrevista era para ter acontecido antes daquela que terá sido a decisão mais polémica e visível dos oito anos de Nuno Lacasta à frente dos destinos da Agência Portuguesa do Ambiente (APA): a luz verde à construção do aeroporto complementar do Montijo. A conversa foi adiada a pedido da agência e aconteceu uma semana depois. Lacasta, que chefia a APA desde 2012, defende o “sim” à nova estrutura: “Se o aeroporto não fosse ambientalmente viável, a decisão teria sido outra.”

Só na terça-feira, 28 de janeiro, o especialista em Direito do Ambiente conseguiu falar ao Fumaça, depois de vários pedidos de entrevista ao longo dos últimos anos. Chegou com o tempo contado – “tenho 45 minutos” –, apesar da conversa ter durado mais de uma hora.

A APA como hoje existe nasceu em abril de 2012, pouco tempo depois de Lacasta ter sido nomeado presidente pela ministra Assunção Cristas, quando esta tinha a pasta da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território. Entregou-lhe uma “mega-agência” que fundia dez organismos públicos: a antiga Agência Portuguesa do Ambiente (criada, em 2007, pelo Governo de José Sócrates, pela fusão do Instituto do Ambiente com o Instituto dos Resíduos), o Instituto da Água, as cinco Administrações de Região Hidrográfica, a Comissão para as Alterações Climáticas, a Comissão de Acompanhamento da Gestão de Resíduos e a Comissão de Planeamento de Emergência do Ambiente. Na base desta decisão estava o Plano de Redução e Melhoria da Administração Central, criado no governo de Passos Coelho e Paulo Portas, para “repensar e reorganizar a estrutura do Estado, no sentido de lhe dar uma maior coerência e capacidade de resposta no desempenho das funções que deverá assegurar, eliminando redundâncias e reduzindo substancialmente os seus custos de funcionamento”. Por outras palavras, austeridade.

Mas o especialista em Direito do Ambiente, com mestrado pelo Washington College of Law da American University, não se queixa de falta de orçamento ou trabalhadores, apesar de todas as atribuições legais que estão acometidas à agência – na prática, toda e qualquer atividade que diga respeito à gestão da água, resíduos, alterações climáticas e  avaliação ambiental. Não há nada de monta que se possa fazer envolvendo o Ambiente que não envolva também a APA. A agência é continuamente chamada e, entre 2008 e 2018, apenas 5% dos processos de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) que emitiu receberam um parecer desfavorável. A maioria recebeu um parecer “favorável condicionado”, que obriga o promotor da obra a implementar uma série de medidas de mitigação e compensação ambiental.

“Somos uma organização https://staging2.shifter.pt/wp-content/uploads/2021/02/e03c1f45-47ae-3e75-8ad9-75c08c1d37ee.jpgistrativa”

18 anos que Nuno Lacasta ocupa cargos em funções de serviço público, tendo sobrevivido às mudanças de governo, ora do PS, ora do PSD coligado com o CDS-PP. Entre 2006 e 2012 foi Coordenador do Comité Executivo da Comissão para as Alterações Climáticas e gestor do Fundo Português de Carbono. Entre 2004 e 2007 foi Diretor do Gabinete de Relações Internacionais do Ministério do Ambiente. E, antes disso, entre 1998 e 2002, consultor para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Nações Unidas e Comissão Europeia.

Para ele, a organização que dirige tem um caráter exclusivamente técnico – “A APA não faz política. Somos uma organização https://staging2.shifter.pt/wp-content/uploads/2021/02/e03c1f45-47ae-3e75-8ad9-75c08c1d37ee.jpgistrativa.” Defende, no entanto, que a lei o obriga a fazer considerações socioeconómicas (e necessariamente políticas) em determinadas decisões, como a necessidade do novo aeroporto de Lisboa ser construído no Montijo. A emissão da Declaração de Impacto Ambiental favorável condicionada ao cumprimento de medidas de compensação e mitigação de danos que custarão à ANA (ex-empresa pública responsável pela gestão de dez aeroportos em Portugal, vendida em 2012 à francesa Vinci) cerca 48 milhões de euros, será uma das decisões mais marcantes da sua carreira na APA e aquela que não depende de decisões de antecessores seus.

Um processo que defende, escudando-se nos pareceres de outras estruturas estatais: “Mais de 16 entidades públicas estiveram envolvidas. Um conjunto vasto, de cerca de 30 técnicos, esteve envolvido. Foram pedidos mais 30 pareceres a entidades externas. (…) É uma decisão coletiva, não é só da Agência Portuguesa do Ambiente.”

O outro lado

Só que há um reverso. O relatório da consulta pública deixa claro que, “com exceção de um conjunto muito reduzido de exposições (10) que são favoráveis à construção do Novo Aeroporto do Montijo, a esmagadora maioria [em  1180 participações] é contra o projeto. Esta posição que considera a solução de projeto apresentada uma má solução é, transversalmente, defendida por cidadãos, organizações não-governamentais de ambiente, associações e outros representantes da sociedade civil e autarquias, e sustentada por opiniões de técnicos especialistas de diversas valências, que manifestam grandes reservas quanto ao projeto pelos impactes significativos negativos, não minimizáveis, em particular, nos sistemas ecológicos, ambiente sonoro, saúde humana, qualidade do ar, alterações climáticas, ordenamento do território, segurança, recursos hídricos e acessibilidades.”

José Alves, biólogo, investigador da Universidade de Aveiro especializado no estudo das aves, diz que o Estudo de Impacto Ambiental foi feito “com recurso a dados antigos não validados, extrapolações para além do aceitável, assunções baseadas num número muito limitado de espécies e aplicações de modelos erradas que se avaliam os impactes do funcionamento do Aeroporto do Montijo nas áreas e no número de aves afetadas”.

E o arranque das obras pode não ser tão rápido quanto quer o Governo. As organizações de defesa do ambiente Almargem, ANP/WWF, A Rocha, GEOTA, LPN, FAPAS, SPEA e ZERO anunciaram que vão recorrer aos tribunais e à Comissão Europeia para travar o projeto, porque consideram que este infringe leis nacionais, diretivas europeias e tratados internacionais, defendendo que construção deste novo aeroporto devia ser sujeita a um processo de Avaliação Ambiental Estratégica – coisa que a APA não obrigou a ANA a fazer –  e que o Estudo de Impacto Ambiental tem insuficiências graves. O atual processo Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) iniciou-se a 15 de abril de 2019, mas já em julho de 2018, os promotores do projeto do aeroporto do Montijo viram um primeiro processo de AIA ser encerrado, depois da Comissão de Avaliação ter declarado a desconformidade do Estudo de Impacte Ambiental, num parecer arrasador que apontava inúmeras falhas.

Nuno Lacasta cá estará para ver. Foi reconduzido no cargo em 2019, por mais cinco anos. Haverá aeroporto no Montijo na altura que esta sua comissão de serviço terminar?

Trabalho de Pedro Miguel Santos, Margarida David Cardoso, Ricardo Esteves Ribeiro, Bernardo Afonso e Joana Batista

Autor:
6 Fevereiro, 2020

O Fumaça é um projecto de jornalismo independente. Um meio contra-poder que quer descodificar os processos e estruturas formais e informais da Democracia representativa em que vivemos: questionar as decisões tomadas, responsabilizar quem as toma e escrutinar as pessoas que mandam e actuam no sistema político-partidário.

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