Desde a última visita a Portugal, em 2013, Devendra Banhart deixou crescer alguma idade na sua barba. Agora malhada de cor cinza, veste, com relativa sapiência, a mesma criança em corpo de cantor graúdo. Não resiste à vontade de ser ele próprio, entre piadas e desabafos, conversando com o público como velhos amigos que não se viam há algum tempo.
“Is This Nice?”, perguntou à chegada ao palco. É sempre, Devendra. Não há outro capaz de proporcionar ambientes acolhedores onde as canções passam a conversas e os versos passam a pedaços de vida. Teve no Capitólio as medidas certas para garantir o nível de intimidade que almeja, mesmo numa casa esgotada, e espalhar o mel que da sua música jorra.
A noite começou branda, com o lado mais doce do seu novo Ma. Editado no final do ano passado, o décimo álbum do norte-americano fala sobre a maternalidade do amor nos seus diferentes formatos, conta-nos sobre a morte e aborda a acepção de vivermos num mundo mais complexo do que aquele que imaginámos. De todo o romantismo que dele nos apresentou, “Carolina” foi a que coleccionou mais pretendentes. Não seria fácil resistir ao seu verso “Eu deveria aprender português”, mas quase bastaria a melodia e os seus jogos de palavras para atrair os corações que as escutam. E como canta, às vezes tenta também desembaraçar timidamente umas palavras em português, e ao confessar não passar do portunhol, transita novamente para o espanhol, e depois eventualmente para o inglês.
Se este foi um concerto mais romanesco, com o habitual tète-à-tète sem a banda (onde houve até discos pedidos), foi também uma viagem pelo novo Devendra onde coabitam todos os outros Devendras. Onde a sinceridade em formato bruto nunca se desvanece e há sempre espaço para rir ou discutir sobre a vida, pensar o mundo e a sua estranheza, a nossa estranheza, a nossa existência. Contou-nos como esta sensação não nos pertence só a nós e descreveu em desabafo como o esquisito não é apenas estranho, mas singular. E que podemos sê-lo juntos e dançar. Seja com baladas como “Daniel”, com interpretações mais singelas e teatrais como “Shabop Shalom”, frenesins de pernas como “Mi Negrita” ou “Carmensita” ou desbunda total com “Für Hildegard von Bingen”.
Devendra Banhart pode estar mais virado para as lides românticas, mas a sua excentricidade e transparência continuam a dar grandes concertos. Seja com os seus trejeitos expressivos ou os seus passos desacertados ou os seus comentários curiosos, a sua energia omnipotente continua a catalisar sorrisos e a multiplicar pés de dança.
Texto de Joana Canela
Fotografias de Bárbara Monteiro
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