Uma semana antes da data do seu aniversário, a família de Mac Miller lançou um comunicado nas redes sociais a anunciar Circles, um disco póstumo que o rapper já tinha dado sinais de andar a preparar antes da sua morte repentina. Para os que já o acompanhavam, o disco lançado do dia 17 de janeiro é uma oportunidade de voltar a ouvir a voz que agora se eterniza num arco temporal fechado em 2020; para quem ainda não o ouviu, é a oportunidade para descobrir a discografia do miúdo da Pensilvânia que levou para o rap uma sensibilidade muitas vezes posta de parte pelo género.
Mergulhar em Circles é encontrar no fundo do mar uma série de memórias de uma adolescência musicada por Mac Miller: o sábado de manhã a saltar entre as janelas do MSN e o vídeo de “Best Day Ever” no YouTube, os fins de tarde fechados no quarto depois de um desgosto amoroso a ouvir “Missed Calls” enquanto ao longe a mãe nos chama para jantar, o caminho para as aulas com GO:OD AM no máximo enquanto acompanhamos o ritmo das faixas com os passos, e um caminhar para a vida adulta a (voltar a) acreditar no amor ao som de The Divine Feminine.
O rap de Mac Miller é a vida de Malcolm James McCormick. Sem grandes encenações, abriu as portas a um mundo de festa e ingenuidade com K.I.D.S. (2010), começou a construir um caminho ainda sem um fim em vista – só a viver o dia – com Blue Slide Park (2011), deu pistas de uma sensibilidade a que nem sempre ia levantando o véu com Watching Movies with the Sound Off (quem não ouviu em loop “Objects In The Mirror” nas Space Migration Sessions?) e confirmou-a com GO:OD AM (2013), entre o beat contagiante de “Weekend” e a serenidade de “ROS”.
Em The Divine Feminine (2016) abriu a alma e transportou o que lá continha para cada faixa. A vontade de partilhar a felicidade de uma história a dois que, pelo menos à altura tinha tudo para dar certo resultou num disco cheio de colaborações – de Anderson .Paak a Bilal, Ty Dolla $ign, Njomza, CeeLo Green, Kendrick Lamar e a própria Ariana Grande –, com uma consistência que nos faz clicar no play e chegar ao fim sem que nos apercebamos de qualquer tipo de mudança de disposição. A avalanche veio dois anos depois, com Swimming.
A narrativa que Mac Miller construiu com Swimming, o disco que deu a conhecer num fato cor-de-rosa, de olhos fechados e com os pés descalços, criou uma ponte entre o turbilhão de pensamentos que inundavam a sua cabeça e os que do lado de cá esperavam compreender o que se passava consigo. Através da música, sempre. Entre a dúvida da sua existência, o limbo entre perder a cabeça e ter de tratar de si, e uma procura pelo eu que acaba por resultar numa corrida às voltas do mesmo lugar, Malcolm percebe que a vida é sempre um processo e estende Swimming a Circles.
O disco póstumo apresentou-se com “Good News”, um bom agoiro das restantes onze faixas lançadas dois dias antes do seu aniversário. O ciclo fechado por Jon Brion, o produtor responsável por acabar o álbum, tem altos e baixos e faixas que parecem acabar rápido demais; não por uma má gestão de produção, mas porque o embalo de cada música nos faz querer continuar no pequeno círculo que é cada uma delas.
A começar pela canção homónima, “Circles”, iniciamos a viagem mental de altos e baixos com uma chegada ao precipício e vamos recuando para um lugar mais seguro até chegarmos a meio do trilho com “Everybody”, o cover a partir da balada de Arthur Lee, e acabarmos por fim em “Once a Day”, um elogio à loucura que parece ser levarmos os dias com tempo, sem grandes pressas de chegar.
A continuação da narrativa resultaria não em dois, mas em três discos. Jon Brion conta ao New York Times que “Swimming foi uma espécie de hibridização entre hip-hop e o formato de canção. O segundo, que ele já tinha decidido que se chamaria Circles, teria uma base melódica” e acredita “que o terceiro teria sido uma gravação de puro hip-hop”. “Eu acho que ele queria dizer às pessoas “Eu ainda adoro isto, ainda faço isto” “, explica Brion.
Para onde quer que tenha ido, Mac Miller levou consigo o terceiro elemento de uma tríade que nunca chegará a acontecer. Mas na verdade, não são precisas provas de que ainda existia “puro hip-hop” a correr ao seu lado; a pureza está na honestidade de cada rima que fez, seja o fundo mais ou menos musicado.
Malcolm não vai continuar a fazer discos que nos acompanhem – a nós jovens adultos da sua geração – pelas diferentes fases da nossa caminhada, tal como acidentalmente tinha feito até à sua morte. Ainda assim, deixa uma discografia completa o suficiente para revisitarmos mediante o mood que precisarmos – pela vida fora.