Bruxelas, capital da Bélgica, e Viena, capital da Áustria, voltaram a estar ligadas por um comboio nocturno com passagem pela Alemanha. O renovado trajecto nocturno entre Bruxelas e Viena surge num contexto em que novas ligações ferroviárias entre cidades europeias estão a surgir ou a ressurgir. Já na Suécia, a Trafikverket, o braço governamental que gere as infraestruturas de transporte do país, fala numa ligação nocturna entre Malmö, no sul da Suécia, e a cidade alemã de Colónia, que permita aos passageiros trocar aí para comboios já existentes, que os levem até a Amesterdão, Munique, Paris ou Londres.
Saindo de Malmö às 19h40, chegar-se-ia Colónia às 6h00 (com uma paragem intermédia em Copenhaga às 20h40) e a Londres pelas 11h57, segundo contas do The Independent. Actualmente uma viagem de comboio entre a Suécia e Londres demora dois dias, com uma paragem nocturna normalmente em Hamburgo. A Trafikverket diz que “há uma boa oportunidade” para esse comboio nocturno seguir a partir de Colónia, e fala também na criação de um serviço do mesmo género para Hamburgo e “a longo prazo” para outras cidades, como Frankfurt, Bruxelas, Berlim e Basel.
A operadora Eurostar já há algum tempo que fala numa ligação directa entre Amesterdão e Londres, com passagem por Roterdão, viagem que demoraria menos de 4 horas – é possível viajar de comboio entre as duas cidades pela Eurostar por 40 euros mas com uma troca de comboio em Bruxelas. A ideia pode, contudo, concretizar-se agora em 2020.
Nos Países Baixos este desejo já é antigo, a NS e a ProRail – ou seja, a ‘CP e a Refer holandesas’, respectivamente – anunciaram em 2018 a vontade de criar uma ligação diurna de 4 horas entre Amesterdão e Berlim; uma viagem entre as duas capitais demora actualmente mais de 6 horas. A ideia é parte de uma aparente vontade generalizada de posicionar o comboio como uma alternativa ao avião para viagens curtas, “não só para Berlim mas para muitas mais cidades europeias”, segundo disse na altura Pier Eringa, então director executivo da ProRail.
Outra notícia, esta mais recente, fala de uma ligação nocturna entre Amesterdão e Helsínquia, com paragem em Hamburgo, Copenhaga e Estocolmo; o plano estará na agenda dos políticos das cinco cidades para ser discutido a sério em Bruxelas em Maio.
Todos estes planos – uns mais perto da concretização que outros, e alguns já em andamento – contrastam com um certo marasmo ferroviário que se vive em Portugal. Na cauda da Europa, Portugal só tem três ligações ferroviárias a Espanha – em Vilar Formoso (Linha da Beira Alta), que permite chegar a Madrid ou Paris; em Valença (Linha do Minho), que liga a Vigo; e em Elvas (Linha do Leste), que dá ligação a Badajoz. Apesar da liberalização do mercado ferroviário nacional de passageiros, Portugal mantém-se com a sua CP e não está, como os Países Baixos ou a Alemanha, no meio de todo a dinâmica ferroviária do centro da Europa.
Dado o crescimento público das preocupações ambientais, o comboio está a ser visto cada vez mais como uma alternativa ao avião, principalmente em curtas distâncias. O encurtamento dos tempos de viagens e a criação de ligações directas pode tornar o comboio mais atractivo, e parece ser essa a vontade de políticos e responsáveis pelas empresas ferroviárias em alguns países europeus.
Já os comboios nocturnos permitem viajar de forma eficiente e prática, uma vez que os passageiros podem fazê-la literalmente a dormir, acordando no destino que desejam. A austríaca ÖBB opera actualmente 27 comboios nocturnos, alguns dos quais em parceria, servindo cidades na Alemanha, Itália e Suíça. Uma ligação de Viena a Amesterdão está prevista para o final de 2020. Um estudo do Instituto de Análise de Políticas de Transporte holandês (KiM), que pertence ao Ministério das Infraestruturas, indica existir um grande potencial em comboios nocturnos de Amesterdão para outras cidades, estimando entre 700 mil e 1 milhão de passageiros por ano.
O sector dos transportes representa cerca de um quarto das emissões de gases com efeito de estufa na União Europeia e é uma das principais causas da poluição atmosférica nas cidades. O comboio é uma forma de viajar mais ecológica que o avião ou o carro privado, e o seu uso pode ser estimulado para que as metas ambientais de neutralidade carbónica estabelecidas para 2050 possam ser atingidas. É preciso diminuir o uso do avião para viagens curtas e mudar o paradigma fiscal também, como nota o EUObserver; o combustível da aviação, o querosene, está isento de taxas e muitos países na União Europeia, incluindo Portugal, não cobram IVA nas passagens aéreas. O fim desses benefícios fiscais poderia levar ao aumento dos custos da aviação comercial, estimulando a procura e o desenvolvimento de alternativas como a ferrovia.