Edward Snowden “regressou” a Portugal. As aspas são propositadas porque o whistleblower (ou denunciante) norte-americano está exilado na Rússia, de onde não pode sair sem correr o risco de ser levado (a palavra usual é ‘extraditado’) para os EUA. É que desde que o ex-funcionário da NSA através do The Guardian tornou públicos os projectos de vigilância massiva das autoridades norte-americanas, que o governo do lado de lá do Atlântico o passou a considerar um inimigo. A situação é judicial e politicamente delicada e talvez por isso o Governo português e a Câmara Municipal de Lisboa tenham optado por não interferir de qualquer modo.
Foi por isso que, quando Snowden falou na abertura do Web Summit – para um Altice Arena a cheio, mesmo cheio – o Ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, em representação do Governo, e o Presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, terão optado por não estar a fila da frente como habitual. Só entraram depois, fazendo um breve compasso de espera desde o final da conferência de Snowden, talvez para o momento não ficar muito assinalado. Contudo, não passou despercebido uma vez que em edições anteriores os representes políticos tinham estado sempre desde o início.
Mas, em boa verdade, ninguém deu por falta dos políticos. A arena estava cheia, e não houve espaço para todos. Edward Snowden ligou-se através de Moscovo, Rússia, numa videochamada que se aguentou firme durante os cerca de 20 minutos que durou a sua conversa com o jornalista James Ball, do The Bureau of Investigative Journalism. Com uma auto-biografia recentemente editada e algumas entrevistas dadas por ocasião do lançamento do livro, o que Snowden tem para dizer são lembretes que valem sempre a pena escutar mas, para quem costuma acompanhar o seu trabalho (ou o seu feed de Twitter), já não são novidade. Ainda assim, houve um par de declarações interessantes e diferentes, nomeadamente sobre o RGPD (ou Regulamento Geral de Protecção de Dados), que no ano passado entrou em vigor em toda a União Europeia.
Snowden entende que o RGPD foi “um bom primeiro esforço” para a protecção da informação pessoal de quem navega na internet, mas diz que nivela a “barreira por baixo” e que interpreta mal o problema.
“A regulação sobre a protecção de dados presume que a recolha de dados em primeiro lugar foi apropriada e que não representa um perigo, que é OK espiar toda a gente desde que não haja fugas, desde que só tu [utilizador] estejas em controlo do que antes te foi roubado”, entende. “Mas se aprendemos algo desde 2013 é que eventualmente tudo vaza.” O whistleblower defende, assim, uma regulação a começar na questão da recolha de dados e também que as empresas de tecnologia, como a Google e o Facebook, “passem a cumprir não só o texto mas também o espírito da lei”, lembrando também que até vermos multas serem aplicadas a essas grandes empresas todos os anos o [RGPD] é “apenas um tigre de papel, algo que nos dá um falso sentimento de confiança”.
Snowden lembrou que se legalizou o abuso de recolha de dados e que não são os dados que estão a ser explorados, são as pessoas, que ficaram vulneráveis em benefício de alguns privilegiados.
Esta foi a 2ª vez que Eduard Snowden veio a Portugal. Em 2017, esteve nas Conferências do Estoril, também por videoconferência. Nessa altura, Portugal não conhecia ainda o caso de Rui Pinto. O whistleblower português que trouxe a público várias informações sobre a indústria do futebol, está preso e a ser fortemente acusado pelo Ministério Público, que, segundo o próprio, não deu seguimento às suas denúncias sobre crimes de corrupção. Recorde-se que ainda em Julho deste ano Eva Joly, magistrada francesa, e Delphine Halgand, directora da The Signals Network — a mesma rede que apoiou legalmente Snowden — denunciaram a inércia da justiça portuguesa neste caso, algo que contrasta profundamente com a presença de Snowden em conferências desta nomeada.
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