Em 2015, Jacques Berman Webster II, mais conhecido pelo seu nome artístico, Travis Scott, lançou quase sem se aperceber, o álbum que viria a ser visto como um dos pioneiros de um novo estilo musical: Progressive Trap.
Baseado no Trap, um estilo que surgiu em Atlanta durante o final da década de 90, o Progressive Trap procura enriquecer os instrumentais simples característicos do género, de forma a tornar a música mais complexa e menos mecanizada. Este estilo continua a recorrer ao uso de muitos hi-hats (aqueles sons que fazem ts ts ts) e de baixos extremamente pesados, no entanto, a grande diferença é que muitas das vezes, as músicas não se resumem simplesmente a uma melodia que se repete sistematicamente, criando assim faixas mais orgânicas e, no geral, mais interessantes.
Apesar do álbum ser aclamado por muitos fãs como o melhor de Scott, no momento em que foi lançado não pareceu muito valioso aos olhos da crítica. Muitos acabaram por criticar a maneira como Travis Scott rappava e as letras, caindo num erro que irei explicar mais adiante. Para além disto, Scott foi apontado como um artista pouco original, que apenas emulava o que ouvia de outros artistas como Kanye West, Young Thug e Future.
No entanto, os anos passaram e, a pouco e pouco, os seus ouvintes foram percebendo cada vez mais o racional por detrás do álbum.
O disco abre com a faixa “Pornography”, narrada por TI, um artista muito popular de Atlanta, na qual o rapper apresenta o álbum como sendo o chamamento para todos os que se sentem, tal como Scott, perdidos. É uma faixa épica e define o tom que será carregado ao longo da duração de todo o álbum. A produção está incrivelmente bem desenhada, com a ajuda de Mike Dean e Metro Boomin. Ouvimos todos os elementos comuns a qualquer faixa de Trap mas a sensação que esta nos deixa é que se trata de uma música bastante diferente da que estamos acostumados.
Quatro faixas depois somos confrontados com “90210”, que é uma boa representação do que o álbum é: uma dicotomia entre o bom e o mau, onde em algumas faixas somos trazidos aos horizontes mais altos e noutras somos largados por Scott num abismo obscuro sem fim.
Na primeira parte, o rapper conta a história de uma rapariga que procura fama e estrelato, mas em vez de a encontrar, acaba por se deixar cair no mundo das drogas. Isto tudo acompanhado por um instrumental algo inquietante, com vocais adicionais de Kacy Hill. Por outro lado, depois do instrumental florescer para algo mais exuberante, acelerado e vivo, ouvimos uma reflexão extremamente pessoal de Scott sobre a sua fama e o seu sucesso onde o mesmo refere que os próprios pais, que no início se opunham à sua carreira musical, estão orgulhosos do seu trabalho — um fim muito positivo para uma faixa que começa da pior maneira possível.
Passando um pouco mais à frente, temos a faixa que é provavelmente a mais emocional do álbum. “Impossible” tem um instrumental lento e etéreo que em conjunto com uma bateria muito suave, fala sobre uma relação que deu para o torto e as consequências disso. Solidão, tristeza e arrependimento são algumas das emoções transmitidas pela voz de Scott. Ao longo da música ouvimos vários sons que passam de um ouvido para o outro, o que contribui para ao psicadelismo da música e cria uma leve sensação de confusão.
Logo a seguir, podemos ouvir “Maria, I’m Drunk”, uma faixa que conta com a contribuição de Justin Bieber e de Young Thug. A música está dividida em duas partes, à semelhança de outras músicas que constam na mistura, e a transição entre ambas contribui para a razão por detrás do nome da faixa, visto que a mesma nos dá a sensação de queda num poço fundo, alusivo à sensação que se pode sentir ao ficar embriagado. A própria faixa não tem instrumentos em demasia e por isso transparece a sensação de vácuo, no entanto, o elevado uso de auto tune, tanto pela parte de Thug como de Scott, dá uma nova vida à música que contribui imenso para a temática.
O fecho do álbum dá-se com a música “Apple Pie” (a Expanded Version contém mais duas faixas extra), onde Scott reflete sobre o que já alcançou e explica que está pronto para enfrentar a sua vida de uma forma positiva e sem a ajuda constante da sua família.
A música termina com mais uma narração de TI, que desta vez explica o significado por detrás do nome do álbum: diz ser uma reflexão sobre os altos e baixos da vida e a dificuldade de a “domar”, tal como acontece num Rodeo, em que um cowboy tem que se manter em cima de um cavalo selvagem que o tenta derrubar.
Rodeo é uma experiência profundamente imersiva que utiliza todos os elementos que estamos tão habituados a ouvir em álbuns de Trap mas que leva o género ao nível seguinte. É psicadélico, negro, atmosférico e por fim, único. É um álbum que, tal como qualquer outro álbum de Trap, se pode ouvir casualmente enquanto andamos de carro ou numa festa, mas, numa análise mais profunda, é muito mais do que isso. É uma celebração de instrumentais com personalidade servidos com uma dose de vocais espaçosos e vivos. Não peguem neste álbum com o objetivo de ouvir e esmiuçar as letras que Scott escreve porque sairão desiludidos e não é esse o seu propósito: a ideia é visualizar os instrumentais em conjunto com a voz do rapper porque ambos formam uma simbiose muito forte e tirando um desses elementos, a experiência perde-se e o álbum perde o seu valor artístico. Rodeo fez recentemente quatro anos e pessoalmente ainda me deixo levar por esta epopeia sonora de tempos a tempos, visto que durante este período, foram poucos os álbuns que me causaram um impacto tão grande como este.
Texto de Pedro Caldeira