Se muito do trabalho do The Verge passa por abordar os últimos avanaços tecnológicos das grandes empresas, tem existido paralelamente – e de modo mais evidente – um esforço por parte dessa publicação para escrutinar a actuação dessas empresas, por detrás dos gadgets e dos serviços que toda a gente quer ou usa. Parte desse trabalho tem sido desenvolvido pelo jornalista Casey Newton, que se tem focado muito no escrutínio do Facebook e de Mark Zuckerberg.
Foi Casey que, em Junho, divulgou detalhes chocantes sobre como é feita a moderação de conteúdos pelo Facebook; o jornalista ouviu alguns dos moderadores que são subcontratados por Mark Zuckerberg para ver imagens e vídeos psicologicamente violentos e decidir se ficam nos feeds ou se são eliminados da rede social. Desta vez, o repórter do The Verge trouxe a público áudios de dois encontros de Zuckerberg com os seus funcionários, em que o CEO do Facebook partilha respostas que geralmente não chegam aos ouvidos da imprensa.
Uma questão de transparência
Mark Zuckerberg é uma das pessoas mais importantes do mundo. Dirige o Facebook, um gigante monopólio que conecta mais de dois mil milhões de pessoas por todo o planeta através da sua “família de apps” (Facebook, Messenger, Instagram e WhatsApp) e que exerce um poder directo e indirecto, voluntário e involuntário, na vida social e política de vários países. Outrora uma figura activa no seu perfil de Facebook, onde partilhava o que pensava e sentia inclusive sobre temas que não tinham directamente a ver com a actividade da sua empresa, Zuckerberg tem-se mantido mais resguardado desde que escândalos como o das eleições norte-americanas de 2016 e o da Cambridge Analytica vieram a público, e começou a ser chamado para ser ouvido em audições parlamentares.
Apesar de as coisas cá fora parecerem mais calmas, internamente o ambiente continua tenso, como descreve o The Verge, nomeadamente porque há eleições norte-americanas de 2020 à porta, a criptomoeda Libra tem sofrido apertos dos reguladores e a aplicação TikTok ameaça seriamente o sucesso do Instagram entre os mais novos. Assim, entre a equipa do Facebook havia quem tivesse sérias dúvidas e o CEO Mark Zuckerberg esclareceu algumas delas em dois encontros com os seus funcionários – um hábito na cultura da empresa – em Julho. Os áudios dessas conversas, que têm no total duas horas, foram obtidos pelo The Verge e divulgados numa peça; para além disso foram também partilhadas as transcrições integrais desses áudios, por uma questão de transparência.
O que Mark Zuckerberg nas reuniões?
Casey Newton descreve um Zuckerberg sempre a tentar aliviar o clima apesar da seriedade dos assuntos discutidos e a usar um discurso mais sincero que aquele que costuma ter em público. Mas não é só sobre a forma que esta revelação permite saber mais sobre a gigante rede social.
- Zuckerberg falou sobre a vontade de Elizabeth Warren, senadora norte-americana e candidata às eleições de 2020, de “partir o Facebook ao meio”. Disse que “se ela for eleita presidente, apostaria então que teremos um desafio legal” e que isso seria “péssimo” para o Facebook. O líder executivo do Facebook acredita que dividir tecnológicas grandes como a sua, o Google ou a Amazon “não vai resolver os problemas”: “não torna a interferência eleitoral menos provável de acontecer, pelo contrário, torna-a mais provável porque as empresas deixam de conseguir coordenar-se e trabalhar em conjunto”, defende Zuckerberg;
- sobre a Libra, criptomoeda que o Facebook anunciou este ano e que tem desde então juntado desconfiança do lado legal e regulatório, Zuckerberg comentou que “as coisas públicas, penso seu, tendem a ser um bocadinho mais dramáticas”, acrescentando que as interacções privadas do Facebook com “reguladores de várias partes do mundo”, que não são feitas para a câmara, têm sido “mais substantivas e menos dramáticas”;
- sobre as audições parlamentares, Zuckerberg disse que falou no Senado norte-americano e no Parlamento europeu, mas que “não faz sentido para mim ir às audições em qualquer outro país que queira que eu apareça”. Recorde-se que Zuckerberg falou à audição do Parlamento britânico;
- em relação ao tema dos moderadores de conteúdos subcontratados pelo Facebook, Mark Zuckerberg considerou peças como a do The Verge (mais uma vez) “um pouco dramáticas” e que num universo de 30 mil moderadores haverá histórias diferentes. “Mas há coisas mesmo más com que as pessoas têm de lidar, e garantir que recebem o acompanhamento, o espaço e a possibilidade de fazer pausas e obter apoio ao nível de saúde mental de que precisam é algo muito importante”, disse;
- Zuckerberg abordou também o TikTok, aplicação que está a tornar-se extremamente popular e que poderá ameaçar o estatuto entretanto ganho pelo Instagram, principalmente junto das audiências mais novas. O líder executivo lembrou que têm um clone do TikTok chamado Lasso que está a ser testado em mercados como o México. “Estamos a tentar ver primeiro se conseguimos que funcione em países onde o TikTok ainda não é grande antes de avançarmos e de competirmos com o TikTok em países onde este já é grande.” Zuckerberg referiu também que o “TikTok é muito parecido com o separador Explore que temos no Instagram”. O jornalista Josh Constine do TechCrunch tem um artigo só sobre este tema, no qual aponta que o Lasso só foi instalado 425 mil vezes desde que foi lançado em Novembro de 2018 enquanto que, sem contar com a China e analisando o mesmo período, o TikTok conta com 640 milhões de instalações (olhando para todo o período de existência do TikTok, a app de origem chinesa conta com 1,4 mil milhões de instalações fora da China);
- noutros assuntos, Mark Zuckerberg comentou que, se não tivesse negociado total controlo da empresa, já teria sido despedido várias vezes, recebendo risos da sua equipa. Falou sobre o que os funcionários devem dizer aos amigos que acham que a empresa onde trabalham é má. O CEO disse que o Twitter “não consegue fazer um trabalho tão bom quanto o nosso” em matéria de segurança, porque “o nosso investimento em segurança é maior que toda a receita da empresa deles”.
Outros áudios
O artigo central de Casey Newton sobre as discussões internas entre Zuckerberg e os seus funcionários foi publicado no dia 1 de Outubro, com o jornalista a prometer divulgar novos excertos ao longo das semanas seguintes através da sua newsletter The Interface. E é o que tem feito.
Por exemplo, no dia 8, publicou um excerto no qual o CEO do Facebook surge a explicar porque é que a plataforma tem ido abaixo mais vezes e durante mais tempo – em Março, os serviços do Facebook, incluindo o WhatsApp e o Instagram, estiveram em baixo durante mais de 24 horas e, em Julho, também por um período idêntico.
Com a quantidade pessoas e entidades a depender da infra-estrutura do Facebook para comunicar, estas quebras são mais sérias do que possamos pensar. As explicações públicas foram vagas e curtas para o sucedido, mas à sua equipa esclareceu que o problema sentido, pelo menos em Julho, esteve relacionado com um teste num maiores centros de dados da empresa, que quebrou o sistema e deitou o Facebook abaixo.
As reacções
Entretanto, em reacção aos áudios publicados pelo The Verge, a candidata presidencial Elizabeth Warren reagiu dizendo, num tweet, que “péssimo seria não solucionarmos um sistema corrupto que permite que empresas gigantes como o Facebook tenham práticas anti-competitivas ilegais, espezinhem os direitos de privacidade dos consumidores e se atrapalhem repetidamente com a responsabilidade de proteger nossa Democracia”.
What would really “suck” is if we don’t fix a corrupt system that lets giant companies like Facebook engage in illegal anticompetitive practices, stomp on consumer privacy rights, and repeatedly fumble their responsibility to protect our democracy. https://t.co/rI0v55KKAi
— Elizabeth Warren (@ewarren) October 1, 2019
Também Mark Zuckerberg partilhou uma reacção, apesar de, segundo Casey Newton, “o Facebook se ter recusado a comentar” na semana em que o jornalista contactou a empresa por causa do leak – Para o jornalista foi “a entrada de Warren em cena [que] deu às palavras de Zuckerberg um toque de escândalo, levando a empresa a agir”.
Facebook publica conversa interna com funcionários
Zuckerberg decidiu partilhar no seu Facebook o link do The Verge com a transcrição integral dos áudios divulgados para que os seus seguidores pudessem ter acesso a “uma versão não filtrada do que penso e do que digo aos funcionários”, apesar de serem coisas que “eram para ser internas em vez de públicas”.
Em reacção também ao trabalho do The Verge, o Facebook decidiu fazer na última semana a sua reunião interna com a equipa à vista de todos, isto é, com transmissão em directo na plataforma, através do perfil de Zuckerberg,
Peter Kafka, do Recode, argumenta que Mark Zuckerberg é uma pessoa demasiado importante na sociedade e no mundo para o que diz ou pensa ser restricto a um conjunto limitado de pessoas.
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