Joker é um filme de pessoas sobre pessoas

Joker é um filme de pessoas sobre pessoas

23 Outubro, 2019 /
Joker (foto via Warner Bros. Pictures)

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O sucesso do filme deve-se sobretudo a dois nomes: Todd Phillips e Joaquin Phoenix. Ao analisarmos a carreira de ambos sentimos que, durante anos, parecem ter andado a preparar-se para produzir Joker.

(Nota prévia: já tínhamos publicado uma análise a Joker, de Todd Phillips, que podes ler aqui. O presente artigo apresenta uma perspectiva diferente, que achámos pertinente partilhar.)

Foi em Veneza, no festival de cinema, que Joker começou a dar as primeiras cartadas, onde acabou por ganhar o galardão máximo, o Leão de Ouro – prémio que tinha na lista de candidatos o filme português, A Herdade.

As expectativas aumentavam e o trailer só deixava ainda mais água na boca… Até que, chegou o dia da estreia mundial no grande ecrã, que rapidamente se transportou para o pequeno, em forma de uma “inundação” de posts nas redes sociais. As críticas pareciam ir todas num só sentido – Joker é uma obra prima, como há muito Hollywood não produzia.

O filme de Todd Phillips prepara-se para se tornar o recordista de sempre em receitas de bilheteira tendo feito, em menos de um mês, 737.5 milhões de dólares, sendo que o recorde atual pertence a Deadpool 2 com 783 milhões de dólares.

O filme

Se fores ao cinema à espera de um filme de super-heróis com uma mega-produção, efeitos especiais e cabeças pelo ar, vais ficar desiludido – Joker é um filme de pessoas sobre pessoas.

Os temas são complexos e o ambiente pesado, o que torna o filme pouco apelativo para as massas, não aconselhável para os mais pequenos e um MUST para os fãs de cinema.

É bem provável que a certa altura te esqueças de que estás numa sala de cinema e entres para dentro do ecrã… para dentro da história… para dentro da cabeça do Joker. O motivo? A maestria da realização do Todd Phillips, aliada à representação emotiva do Joaquin Phoenix.

Prepara-te para que, só ao fim de algumas horas, o teu cérebro se habitue ao mundo normal – sim, a intensidade é tão grande que precisas de horas para te desligar da carga emocional que acabaste de viver. Mas não te preocupes porque, no final, vais perceber que tudo não passa de um filme (um grande filme).

A história

Estamos no início dos anos 1980 e os tempos são duros: a cidade parece uma enorme lixeira devido à greve dos trabalhadores que recolhem o lixo, o ambiente é sujo e nojento, os ratos crescem (em número e tamanho), existe uma grande tensão entre a classe baixa e a classe alta, o crime aumenta e o clima geral é de infelicidade. Sejam bem-vindos a Nova I… Gotham City.

O nosso protagonista, Arthur Fleck, sobre de uma doença mental que o faz rir de forma espontânea e incontrolável em momentos inoportunos. Com o sonho de se tornar comediante de stand-up, Arthur ocupa o seu tempo a trabalhar como palhaço de rua (algo de que claramente não gosta), para que, no final do dia, quando chega a casa, tenha de tratar da sua mãe doente.

A solidão, tristeza e infelicidade são alguns dos elementos da vida de Arthur, que se intensificam com a forma como a cidade o trata – Gotham é o tipo de cidade que facilmente te “come vivo” para no final “cuspir” de volta para as suas ruas sujas, repetindo o processo até não aguentares mais – a retratar esta imagem temos uma cena onde vemos Arthur Fleck nu e muito magro – consequências de uma dieta de nicotina e dor, muita dor.

Dois pesos, a mesma medida

O sucesso deste Joker deve-se sobretudo a dois nomes: Todd Phillips, realizador e produtor (juntamente com o seu grande amigo Bradley Cooper), e Joaquin Phoenix, ator principal que interpreta o papel de Arthur Fleck/Joker.

Ao analisarmos a carreira de ambos sentimos que, durante anos, parecem ter andado a preparar-se para produzir Joker. Por um lado, temos um Todd Phillips, que, vindo da comédia, aperfeiçoou o seu estilo e habituo-nos a filmes centrados na história e nas personagens. O realizador prefere canalizar os custos de produção na qualidade dos atores, em vez das melhores explosões e efeitos especiais – o que claramente conseguiu fazer com a contratação de um dos melhores atores da atualidade para o papel principal.

Em Joaquin Phoenix encontramos uma carreira cheia de personagens intensas e complexas, onde a diferença entre um grande sucesso ou total fracasso reside na forma como o ator representa o seu papel – acabou sempre por ser a primeira opção.

As inspirações

Sendo Joker centrado na evolução da personagem e na forma como o desenrolar da sua história culmina num ato de violência, é impossível ver o filme sem encontrar referências ao mestre desta arte. Todd Phillips bebeu de uma fonte chamada Martin Scorsese, e a influência que um realizador teve sobre o outro é claramente notória.

A forma como é retratado o processo de evolução da personagem principal, que passa de uma pessoa normal para a completa demência e, sobretudo, a normalidade com que essa evolução é construída, leva-nos imediatamente a pensar em Taxi Driver (1976) – um dos melhores filmes de Scorsese.

Continuando nas referências ao realizador americano e, de forma mais direta, temos a obsessão de Arthur Fleck por um comediante e apresentador de um talk show, representado por um Robert De Niro que, em The King of Comedy (1982), fez exatamente o papel inverso.

Heather vs Phoenix

É inevitável as pessoas quererem fazer a comparação e questionarem: quem é o melhor Joker, Heather Ledger ou Joaquin Phoenix?

É injusto comparar qual ator representa melhor uma personagem quando, um teve num filme como vilão e o outro como ator principal, numa abordagem muito mais real que fictícia – o tempo de antena é muito diferente.

De qualquer das formas, é possível dizer que o Joker de Joaquin Phoenix é representado como alguém de carne e osso, com as suas fraquezas e tão humano como qualquer um de nós. Com Phoenix aquela personagem é palpável e conseguimos sentir-lhe a alma. Enquanto que, com Ledger, vemos um Joker carregado de estilo e personalidade, um super herói da DC.

Por último

Numa altura em que é cada vez mais difícil ver um bom filme em exibição no cinema, numa altura em que 10 minutos de grandes explosões parecem ganhar a 30 minutos de bom diálogo, Joker pode ser uma chamada de atenção para Hollywood… o mundo ainda quer bom cinema e está pronto a pagar por isso.

Ao contrário de algumas das críticas feitas, este filme não normaliza a violência, faz sim com que o espectador sinta, perceba e se identifique com o que vai na alma da personagem principal, com as decisões tomadas, com a angústia, com o sofrimento e, por último, com a revolta. Quanto muito, Joker pode contribuir para inspirar toda uma geração de atores e realizadores a um dia poderem vir também eles a criar algo tão belo.

Joker: a piada é sobre os ricos no reencontro de Philips com a tradição de Taxi Driver

Autor:
23 Outubro, 2019

Nascido e criado em Coimbra, onde se encontra a estudar Marketing e Negócios Internacionais. Apaixonou-se pela escrita, é amante de cafés e tem um relacionamento sério com a literatura. Escritor favorito: Ernst Hemingway. Livro favorito: Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski.

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