No assunto ferrovia, se Manuel Margarido Tão, especialista em transportes da Universidade do Algarve, tivesse, por acaso, um frente-a-frente com o primeiro-Ministro, António Costa, grande parte das proclamações do chefe de Governo em matéria de comboios ficariam apeadas.
A 5 de março de 2018, para o lançamento do novo troço da linha ferroviária Évora-Caia, juntou-se na Estação de Elvas uma comitiva de peso: o primeiro-ministro português; o Presidente do Governo de Espanha, Mariano Rajoy; a comissária europeia para os Transportes, Violeta Bulc, e o (à data) ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques.
Anunciava-se um feito raro no país, o da construção de novos quilómetros de caminho-de-ferro, sobretudo quando a tendência das últimas três décadas tem sido a de os encerrar. De tal forma que o chefe de governo nacional anunciou o feito como “a maior obra de linha ferroviária nova dos últimos 100 anos”. Manuel Tão diz que não é verdade: isso aconteceu com a Linha do Sado, em 1925.
No passado julho, na inauguração da eletrificação de um troço de 44 quilómetros na Linha do Minho, entre Nine (Vila Nova de Famalicão) e Viana do Castelo, Costa elogiou a obra, parte de um programa mais vasto que o seu governo lançou para os caminhos-de-ferro: “Esta não é uma obra isolada. É uma das peças importantes do grande programa Ferrovia 2020, que é o maior programa ferroviário, seguramente das últimas décadas e do último século, com dois mil milhões de euros de investimento”. Tão discorda. Olha para o Ferrovia 2020 como “uma coleção de remendos que nada de substancial vai alterar na ferrovia portuguesa”.
Já no início de agosto, numa entrevista ao Canal 11, o canal de televisão da Federação Portuguesa de Futebol, António Costa disse, a propósito do ‘TVG’ (como ficou conhecido o projeto de comboio de alta velocidade português) – já meses antes tinha classificado como assunto “tabu na política portuguesa” – , não haver “condições económicas, nem condições financeiras no próximo quadro comunitário para que esse tema surja”.
Ora, o doutorado em economia dos transportes pelo Instituto de Estudos dos Transportes da Universidade de Leeds, no Reino Unido, desmente e atira: “Portugal tem direito, tal como Espanha, a 80% a fundo perdido de Fundo de Coesão para construir as suas linhas de alta velocidade [ferroviária]. Portugal não está interessado em receber esses fundos de Bruxelas. É uma opção política não avançar, porque Portugal tem direito a esses fundos comunitários.”
Talvez esta diferença de visões sobre o setor ferroviário, os seus problemas e necessidades seja a razão que faz este professor de transportes e planeamento regional não acreditar nas intenções dos governantes para a ferrovia nacional: “Houve, deliberadamente, uma vontade de distorcer a mobilidade e focalizá-la no transporte rodoviário para que depois essa mobilidade ficasse cativa de grupos económicos apoiados pelo Poder e pelas direções dos partidos políticos”, acusa.
Defende a construção de uma nova Linha do Norte, critica o abandono do projeto de alta velocidade pelos sucessivos governos e acha uma “aberração” a ponte aérea Lisboa-Porto, bem como a falta de ligações de caminhos-de-ferro a Espanha. Para o investigador, só o investimento estrangeiro, com a entrada de operadores europeus, fruto da liberalização do transporte ferroviário de passageiros, poderá salvar a ferrovia em Portugal.
Texto e entrevista de Pedro Miguel Santos; preparação de Pedro Miguel Santos e Ricardo Esteves Ribeiro; edição de Ricardo Esteves Ribeiro; fotografia e vídeo de Joana Batista; som de Bernardo Afonso.
(Nota: o que vais ouvir, ler ou ver foi produzido pela equipa do Fumaça, um projecto de jornalismo independente, e foi originalmente publicado em fumaca.pt.)