O Sabotage é um sítio fácil de perceber e de explicar, e também por isso é fácil compreender a onda de apoio que tem recebido desde que, no fim-de-semana passado, anunciou que ia ter de abandonar o espaço onde está actualmente instalado, na Rua de São Paulo, no Cais do Sodré.
O Sabotage nunca colocou barreiras às bandas a começar e a precisar de um palco para mostrar todas as suas ideias. Também nunca colocou barreiras ao público: os bilhetes têm um preço acessível, compram-se à porta, e ao descer as escadas a banda está logo ali, cara-a-cara com a audiência, separada de quem a quer ouvir por um degrau quase insignificante. Acima de tudo, nunca colocou barreiras aos promotores e à música. Enquanto ponto de passagem quase obrigatório para todas bandas e músicos independentes da cidade, sempre acolheu democraticamente todas as ideias, todos os projectos e todos os interessados em criar ali mais um momento importante para a cena indie em Lisboa.
Sou um privilegiado por, em 2016, ter sido tão bem recebido quando quis estrear o primeiro álbum de Ditch Days nesta sala ou quando, em 2018, não hesitaram em receber-nos quando quisemos juntar três bandas numa festa que celebrava o clima solarengo de Lisboa numa das salas mais escuras e underground da cidade. Sou um privilegiado porque o Sabotage nunca colocou barreiras a mim. Nem a ninguém.
As cenas musicais funcionam como uma bola de neve. O aparecimento de novas bandas dá origem a música cada vez mais interessante, essas músicas cativam uma maior audiência, de onde acabam por se formar novas e melhores bandas. Esta bola de neve tem-se tornado, nos últimos anos, numa avalanche, porque espaços como o Sabotage existem para garantir que o loop bandas-música-público se mantém bem oleado, dando palco às bandas emergentes que, de outra forma, não teriam como expor o seu trabalho e como evoluir.
Perder o Sabotage é perder um dos pilares da cena indie em Lisboa e tudo aquilo que ela impulsiona, das pessoas à música. É perder a arte que se cria quando existem movimentos como este, que tem no Sabotage um dos seus pontos centrais.
Perder o Sabotage é também perder diversidade. Quando não está ocupado a receber concertos, abre a pista de dança para DJ sets com alinhamentos pouco comuns quando comparados com o que podemos encontrar noutros espaços da noite de Lisboa. Dos clássicos Ramones, Sonic Youth ou Joy Division (o título deste artigo é também o título de uma música dos britânicos The Wombats, sobre dançar ao som da banda liderada por Ian Curtis), às novas estrelas do indie – Courtney Barnett e King Gizzard and the Lizard Wizard são os primeiros nomes a vir-me à cabeça –, até chegar à música portuguesa – é difícil apanhar uma noite em que não se ouça Cave Story, por exemplo. Na pista do Sabotage ouve-se uma playlist alternativa que traz diversidade à oferta noturna da capital.
O Sabotage é, assim, fácil de compreender e de explicar porque resume-se a isto: ao apoio incondicional à música independente e a todos aqueles que a fazem, que a ouvem e que a promovem.
Quando anunciou que teria de mudar de local, os responsáveis pela sala lisboeta lançaram o repto a todos os “jornalistas, músicos, editores, agentes, clientes e amigos” – num pedido de ajuda que prova por si só a importância de existir uma comunidade activa – para que os ajudassem a encontrar um novo espaço onde possam continuar a sua actividade. O desafio é difícil tendo em conta a actual situação imobiliária de Lisboa, mas não é impossível. Até estar encontrada uma solução, resta-nos voltar ao Sabotage para apoiar novas bandas, reencontrar as que já conhecemos e, no fim, dançar ao som de Joy Division mesmo que tudo esteja a correr mal.
You must be logged in to post a comment.