Apesar do termo ‘populista’ ter ganho nova tracção e novos protagonistas com o surgimento da internet e a eleição de nomes como Donald Trump e Jair Bolsonaro. que fizeram parte da sua campanha recorrendo à web, a verdade é que o assunto é de longa data. Há não muito tempo, Berlusconi, Primeiro-Ministro italiano, dono do AC Milan, e uma figura de mediatismo e fortuna singular, era o símbolo deste fenómeno e é sobre as suas consecutivas eleições que um estudo feito por três economistas se debruça.
Nesse estudo – publicado na edição deste mês da revista científica norte norte-americana dedicada às ciências sociais, American Economic Review –, uma equipa de investigação composta por Ruben Durante, Paolo Pinotti, e Andrea Tese, analisam qualitativa e quantitativamente o panorama mediático e político italiano para, a partir, daí proporem uma ideia geral sobre um dos mecanismos que leva populistas ao poder. A investigação é ampla, contempla quatro eleições, num período compreendido entre 1994 e 2013, e foca-se sobretudo na retórica do partido de Berlusconi, Forza Italia, para o comparar com os demais, bem como na influência exercida pelo canal de televisão privada, Mediaset, detida pelo ‘caimão’ da política italiana.
Apesar de se propor a analisar a influência exercida pela televisão nas decisões de voto, imediatas ou posteriores, o estudo levado a cabo pelos três economistas não se foca na influência que possa ser exercia sob a forma de notícias falsas ou por uma cobertura enviesada dos vagos; em vez disso, procura explorar um ângulo de análise recorrente ao longo deste século, focado na televisão comercial e em todos os seus produtos mediáticos: entretenimento ligeiro, novelas e até publicidade.
Assim, os especialistas procuram, recorrendo a dados reais, inferir a influência da penetração do canal de televisão detido por Berlusconi nos vários municípios nas votações que se seguiram.
Para dar sentido aos dados, é preciso fazer alguns pontos de contexto sobre o canal e o próprio estudo. Primeiro, o canal Mediaset começou no princípio da década de 1980, quando só havia o canal estatal RAI, tendo gradualmente chegado a vários zonas de Itália; apenas em 1991, numa altura em que o panorama mediático era mais rico, introduziu na sua grelha conteúdo informativo ou educacional, sendo até então dedicado a “entretenimento ligeiro e filmes”. Sobre o estudo, é importante ter em conta que este analisou o panorama mediático desde 1985, mas resultados eleitorais apenas desde 1994 – pelo que não trata do efeito directo mas antes mudanças mais estruturais, isto é, hipoteticamente, da influencia do consumo mediático no desenvolvimento cognitivo. De resto, a forma como a televisão influência o público é um tema permanentemente em aberto e onde surgem várias correntes de pensamento, algumas delas apontando a especial vulnerabilidade dos mais novos.
Os resultados
Os resultados obtidos pelos investigadores não deixam margem para rejeição. Apesar de as percentagens serem relativamente modestas ao olho de um leigo, o estudo demonstra uma correlação entre as localidades que mais cedo tiveram acesso ao canal de televisão Mediaset e a tendência de voto no partido de Berlusconi: “Descobrimos que municípios expostos ao Mediaset antes de 1985 demonstraram um nível de apoio ao partido do Berlusconi, Forza Italia, aquando da sua primeira corrida eleitoral, quando comparados com municípios que só foram expostos à sua televisão mais tarde.”
Para além disto, os investigadores apontam a consistência dos resultados ao longo dos anos – um indício que pode ser revelador de uma influência mais profunda, ao mostrarem que mesmo depois da extinção do partido de Berlusconi, o Movimento 5 Estrelas (M5S) que sucedeu lugar na categoria de populista conseguiu uma vantagem similar.
Assim, e depois de expostas as conclusões, exploremos as hipóteses que cientistas sugerem para as explicar; mais do que a influência directa, conforme anteriormente referimos, o estudo acaba por revelar uma tendência duradoura ao longo do tempo que os cientistas atribuem a uma alteração no normal desenvolvimento cognitivo das crianças que foram expostas mais cedo à dita televisão.
Para confirmar os resultados e estabelecer uma hipótese, os economistas foram mais longe e compararam os dados sobre o acesso à estação Mediaset com dados a nível individual sobre consumo de televisão, habilidades cognitivas e sociais, que mostraram uma tendência mais acentuada em crianças (abaixo dos 10 anos) e em pessoas depois dos 55 anos – as faixas etárias que mais assistem televisão. Por sua vez, estes dois grupos, segundo o estudo, parecem relacionar-se de formas distintas com o mesmo fenómeno. Por um lado, as crianças sujeitas à televisão antes dos 10 anos tem uma menor taxa de envolvimento social, revelando menos interesse por política e participação cívica. Quanto aos mais velhos, o estudo aponta que o principal efeito à exposição é o desenvolvimento de afinidade com o canal em questão que torna mais propícia a visualização dos blocos noticiosos daquele canal em detrimento de outros.
Em conclusão
Em suma, o estudo aponta uma correlação entre a visualização de televisão ligeira e índices mais baixos de desenvolvimento cognitivo e social, que se relaciona no momento eleitoral com o seu tipo de discurso especialmente apelativo para votantes menos sofisticados, como lhes chamam. O uso de linguagem directa, simples ou, se quisermos, ordinária, que qualquer cidadão entende é a principal característica partilhada entre os populistas em análise, mais do que o pendor ideológico.
O estudo é uma interessante análise de um fenómeno em constante esmiuçar e, mais do que explicar fenómenos, aponta hipóteses explicativas para os mesmos, deixando sempre espaço para a influência de variáveis não contempladas. Todavia é um interessante contribuição para uma área de investigação importante para a saúde das democracias e que oferece um olhar aprofundado graças à panóplia de dados em que assenta. O estudo pode ser conhecido com detalhe aqui.