Ponta Delgada, São Miguel, Açores: tão perto e tão longe

Ponta Delgada, São Miguel, Açores: tão perto e tão longe

16 Julho, 2019 /
Trabalho de Maria Trabulo enquadrado no festival Walk&Talk

Índice do Artigo:

O espaço da ilha e mais concretamente da cidade de Ponta Delgada permite uma diversidade que compensa a falta de escala com a possibilidade de proximidade e imersão. É praticamente impossível não saber o que está a acontecer a um par de quilómetros e é bastante provável que pessoas ou espaços se juntem em sinergias inesperadas.

Quando viajámos para Berlim e em jeito de digestão interpretativa da experiência de conhecer uma cidade nova, escrevemos aqui uma peça daquilo que chamámos #CulturaShifter — um testemunho na primeira pessoa e com pouca ou nenhuma ambição informativa. Agora que viemos a São Miguel essa entrada não estava prevista, afinal de contas não chegámos a sair do país na sua concepção social, mas a riqueza da ilha assim o sugere. Tal como no caso de Berlim, São Miguel é uma estreia para mim que aqui escrevo e isso faz com que ainda brotem as reflexões espontâneas sobre o espaço.

Foi a convite do festival Walk&Talk que viemos até aos Açores, mais propriamente à Ilha de São Miguel e à cidade de Ponta Delgada. Apesar da proximidade cultural as particularidades da ilha não deixaram de ser surpreendentes e dignas de partilha num artigo ao estilo do que fizemos anteriormente. Se em Berlim sentimos uma espécie de ressaca de liberdade que se traduzia num ambiente excêntrico, sobrelotado e em processos de gentrificação, em Ponta Delgada a sensação é quase inversa — no melhor sentido dessa comparação. A circunscrição ao espaço que é uma ilha parece ser um elemento modelador de uma cultura de bem estar e calma que escasseia em cidades como Berlim… ou mesmo Lisboa. Como se estar rodeado pelo Atlântico fosse um sinal diário de que os recursos e a expansão são finitos e o povo transformasse essa hipotética frustração numa outra forma de estar.

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Em Ponta Delgada não vi trânsito, não vi pressa e mal vi prédios (ainda que os haja, claro, a quantidade é incomparável), mas não foi por isso que deixei de ver vida e animação nas principais artérias da cidade, quer no sábado pontuado pelas festividades do Espírito Santo quer no domingo de ressaca. Quando o tempo convida as pessoas saem à rua mesmo durante a noite e a prova disso são as tradições que se mantém como os cachorros quentes à beira da estrada ao longo da marginal. De dia o atractivo é óbvio, o imenso azul do Atlântico que espreita em cada rua faz com que seja praticamente indispensável mergulhar na água salgada e límpida em espaços como os pesqueiros, onde cardumes de pequenos peixes convivem com banhistas de todas as idades, sem medo e com toda a naturalidade. Nem que seja o chamado mergulho técnico numa pausa a meio de uma tarde de trabalho.

Mas Ponta Delgada não é só mar, nem a experiência precisa de ser necessariamente turística, especialmente para portugueses continentais que visitem a ilha. A hospitalidade dos micaelenses é notória e numa nota pessoal confesso que até vontade de aqui viver tenho. Apesar da dimensão – tanto da ilha como da população –, há muita diversidade e riqueza cultural. Não é como estamos habituados nas cidades continentais, especialmente no Porto ou em Lisboa ,em que a imensidão de espaços e eventos convida a uma mudança quase constante; aqui, a confinamento no espaço e a calma perante o tempo convidam a um mergulho em interesses específicos, podendo a ilhar servir tanto como uma espécie de laboratório ou de retiro.

Não há hipótese de pegar num carro ou apanhar um transporte e ir à procura da densidade urbana; por isso, parece haver espaço para aprender e aprofundar com densidade as ideias. A presença envolvente da natureza sugere também um outro olhar sobre o tempo e o espaço, oferecendo novas referências à navegação. Os anos que passaram da formação da ilha, da erupção dos capelinhos ali ao lado, ou a distância entre as lagoas ou entre os extremos das ilha.

Espaços como o recente Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas acrescentam uma camada à ilha que provavelmente estava em falta, como ouvi num comentário durante a inauguração da exposição Estação Meteorológica, nesse mesmo espaço, “há que aproveitar porque nem sempre foi assim”.

O espaço da ilha e mais concretamente da cidade de Ponta Delgada permite uma diversidade que compensa a falta de escala com a possibilidade de proximidade e imersão. É praticamente impossível não saber o que está a acontecer a um par de quilómetros e é bastante provável que pessoas ou espaços se juntem em sinergias inesperadas — como as que acontecem a pretexto do Walk&Talk que, por exemplo, ocupa o 4º andar de um shopping na Avenida Marginal ou oferece uma alternativa musical na noite das festividades locais do espírito santo com Pedro Mafama e DJ Kami.

Autor:
16 Julho, 2019

O João Gabriel Ribeiro é Co-Fundador e Director do Shifter. Assume-se como auto-didacta obsessivo e procura as raízes de outros temas de interesse como design, tecnologia e novos media.

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