No ano passado, a contestação pública ao furo ao largo de Aljezur, apoiada por algumas decisões judiciais, levou à desistência por parte da Galp e da italiana ENI do polémico projecto de exploração petrolífera na Costa Alentejana. De pé, ficaram apenas dois furos, ambos em terra e ambos na zona de Leiria: um em Aljubarrota e outro na Bajouca. Tratam-se de duas explorações de gás natural atribuídas à empresa Australis Oil & Gas, através de contratos assinados pelo Governo em final de mandato em 2015 e que o actual executivo não rasgou.
Para contestar os dois projectos de exploração de gás e pedir uma “transição energética rápida e justa para energias renováveis”, um conjunto de movimentos cívicos – incluindo a Climáximo, a Linha Vermelha e o Peniche Livre de Petróleo –, com o apoio de várias colectivos e associações ligadas ao meio ambiente, decidiram organizar o Camp in Gás, aquele que dizem ser “o primeiro acampamento de acção e o primeiro acampamento climático em massa em Portugal”. Uma iniciativa diferente dos habituais protestos com faixas e megafones.
Durante cinco dias, de quinta a domingo, vários activistas – cerca de 300 pessoas – participaram no Camp-in-Gás, que contou com uma programação riquíssima. Houve palestras sobre floresta ou a energia nuclear, oficinas sobre compostagem ou carpintaria, sessões de yoga e meditação pela manhã, almoços e jantares em convívio, e também concertos, leituras poéticas, teatro e a exibição de um filme para relaxar ao final do dia. Incluídas na programação estavam também diversas acções de formação com o objectivo de preparar os participantes do acampamento para uma acção de ‘desobediência civil’ prevista para sábado, dia 20.
“Os furos de gás neste zona não só ameaçam toda a zona aquífera subterrânea (uma das maiores do país), mas também o património arqueológico. Isto representa um desastre para a agricultura local. Mesmo que o parecer da Avaliação de Impacto Ambiental venha a ser positivo para o furo e afirme que não haverá danos, esse impacto ambiental existirá sempre e já está avaliado pela ciência climática”, defendem os activistas, que propõem alternativas aos combustíveis fósseis.
O Camp-in-Gas começou a ser organizado em Janeiro e foi sendo preparado através de 14 assembleias abertas, “dinamizadas e facilitadas pelos sete colectivos e associações que co-organizam o acampamento, e muito mais pessoas sem afiliação participaram no processo”; e foram constituídos três grupos de trabalho: Hardware, Software e Conteúdo. Os organizadores criaram um site com o programa em detalhe e um mapa dos diferentes espaços do acampamento – e que tinham os nomes de Greta Thunberg e de outros activistas pelo clima conhecidos –, e disponibilizaram vídeos para explicar num registo mais informal toda a iniciativa.
A inscrição no Camp-in-Gás era gratuita e qualquer pessoa se podia juntar. “Vamos tentar assegurar que todos (com ou sem capacidade monetária) possam participar no activismo climático”, lia-se no site. De acordo com o orçamento divulgado, a iniciativa foi orçamentada em 8400 euros, tendo sido financiada em 7315 euros pelos movimentos que integraram a organização, por dois patrocinadores e através dos fundos angariados junto da comunidade. A organização apenas pedia aos participantes o custo das refeições, fixado entre os 5 e 10 euros por dia.
O acampamento teve como momento alto, se assim quisermos chamá-lo, uma acção de ‘desobediência civil’ no sábado. Desobediência civil é, tal como definido por Henry David Thoreau, é uma forma de protesto político em que uma pessoa ou um colectivo testa os limites legais para fazer valer aquilo que defende, que tem de ser algo suficientemente importante para que compense os riscos de quebrar algumas leis.
A acção de desobediência civil foi preparada durante o acampamento através de formações; os participantes foram organizados em ‘grupos de afinidade’, isto é, grupos mais pequenos onde uns se podem apoiar aos outros, partilhando os seus limites, receios e vontades; foi também disponibilizado um manual de apoio legal, para auxiliar os intervenientes em qualquer e eventual situação com as autoridades.
“Vamos agir de uma forma calma e educada. Não vamos colocar nenhuma pessoa em perigo. Vamos usar os nossos corpos para ocupação do terreno. O nosso objectivo não é destruir ou causar danos em pessoas ou objectos. Atravessaremos ou contornaremos pacificamente quaisquer bloqueios de forças policiais ou de segurança. A nossa acção transmitirá uma imagem de diversidade, criatividade e abertura”, assegurava-se no site do Camp.
O momento de desobediência civil decorreu no terrenos que a Australis Oil & Gas prevê perfurar, em paralelo com uma manifestação aberta a toda a população de Bajouca e arredores. “Tragam faixas, cartazes e palavras de ordem. Este é o momento de dizer inequivocamente que não vamos permitir que este furo aconteça, aqui ou em qualquer lugar!”, lia-se no convite direcionado a toda a comunidade.
Assim descreveram, no Instagram, o dia de sábado:
“Ontem foi o tão esperado dia da acção. Logo após o pequeno-almoço, marchámos desde o acampamento até o centro da Bajouca, onde nos encontrámos com a população local. Depois de batucar com os Ritmos de Resistência, cada grupo seguiu em direcção ao terreno de exploração por caminhos diferentes. O grupo verde ficou do lado de fora do terreno, manifestando-se juntamente com a população da Bajouca, dando apoio aos outros grupos. Os grupos amarelo e rosa invadiram o terreno da Australis e seguiram diferentes caminhos pelo meio da floresta para se encontrarem no descampado, onde cantaram, gritaram, ergueram uma escultura e todos juntos plantaram árvores.”
O colectivo editorial Mídia Ninja, que surgiu no Brasil e agora tem literalmente ‘Casa’ em Lisboa, conta que terão sido plantadas cerca de 80 árvores no terreno que a Australis Oil & Gás quer prefurar, ainda este ano, para prospecção de gás natural em Bajouca. O acampamento Camp-in-Gás terminou no domingo, dia 21, com mais uma assembleia aberta para preparar os “próximos passos na luta contra a exploração de combustíveis fósseis e contra o furo na Bajouca”.
A descarbonização começa a surgir nas agendas políticas e nos planos das empresas, que começam a ter cercos regulatórios mais apertados. A consciencialização em relação ao que é bom e mau para o ambiente vê-se também nas acções individuais e colectivas pela redução do plástico, pelo zero desperdício e pela adopção de estilos de vida no geral mais sustentáveis. Recentemente, e depois do discurso de Greta Thunberg nas Nações Unidas, temos vindo a assistir a manifestações pelo clima pela voz de estudantes nos vários cantos do mundo, que acabam por dar mais força aos protestos com faixas e palavras de ordem que já aconteciam aqui e ali por causa de uma iniciativa específica.
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