Quem já navega pela internet há uns bons aninhos com certeza que foi reparando na forma como ao longo do tempo tudo se foi tornando mais higiénico. O que antigamente era uma espécie de selva de conteúdos carregados por utilizadores um pouco por todo o mundo foi ganhando cada vez mais preceitos e preconceitos até se tornar numa réplica dos programas de apanhados e das listas de músicas mais ouvidas que outrora víamos na TV.
Os algoritmos chegaram em força e a sua intermediação beneficia os conteúdos mais vistos, relegando para um canto obscuro aquilo que não agrada as massas. A mudança foi subtil e às massas ainda nem a assimilaram mas a verdade é que o espírito predominante na internet se alterou por completo, como escreve Oscar Schwartz num grande artigo publicado na revista The Baffler. Se outrora amigos competiam por ver quem encontrava o vídeo mais estranho e recôndito, privilegiando um certo incentivo à diferença no espaço online, hoje a tendência é cada vez mais o apelo para que vejamos todos o mesmo — basta pensarmos nos fenómenos do streaming.
Contudo, não tem de ser sempre assim e a verdade é que há formas (e benefícios) de trazer a velha internet de volta. Se quisermos explicar de uma forma simples: contrariando os algoritmos. E para isso não basta entrar nas plataformas sem login.
Se entrarmos no YouTube sem a nossa conta ligada a plataforma vai optar por nos mostrar o conteúdo que mais se encaixa no seu algoritmo; se há uns tempos seria o vídeo mais popular, hoje e do modo como parece construído o algoritmo, a tendência parece ser mostrar-nos vídeos que nos prendam durante largos minutos, a assistir por exemplo à preparação de uma refeição num restaurante japonês ou a ver um sem fim de truques simples que nos vão salvar a vida.
Para contrariar os algoritmos, é preciso perceber as suas falências e como podem ser contornados. Foi isso que fez Everest Pipkin, artista e curador norte americano no seu projecto Default Filename TV. Pipkin apercebeu-se de que, se o YouTube o deixava fazer carregamentos para a plataforma sem dar um título ao vídeo, permitiria o mesmo aos restantes; e, a partir daí, criou uma simples plataforma onde podemos ver vídeos que foram carregados sem estarem identificados, directamente das câmaras.
A ideia não é uma plataforma completa com o YouTube, nem pretende ser. Pelo contrário, é uma demonstração artística do papel de mediador prestado pelos algoritmos e uma espécie de portal de resistência à homogeneização de conteúdos promovida actualmente. Visto que os vídeos são identificados apenas pelo título gerado pela máquina não há referências que os algoritmos possam decifrar e o resultado é perto do completamente aleatório.
Em meia dúzia de cliques, vimos um sikh a fazer xixi, uma regata de vela, um cão a comer e um nigeriano a discursar. Se ao pensarmos de acordo com os preconceitos de hoje em dia, podemos achar que esta experiência é uma perda de tempo, ao recuperarmos a ideia de que a internet pode servir para nos ligar a pessoas comuns como nós, mas diferentes como todos somos, rapidamente aprendemos a valorizar uma experiência que não depende do consenso; no mar de conteúdos esta é se calhar a forma mais real de navegar.