As políticas de regulação das redes sociais e a sua aplicação dariam motivo para escrevermos, pelo menos, um artigo por dia. Em qualquer parte do mundo, a todo o momento, surge mais um caso que evidencia a forma como estas redes de regras são permeáveis e duvidosas. Ainda há poucos dias, Pacheco Pereira escrevia no Jornal Público sobre a censura imposta pelo Facebook a alguns dos posts da sua página Ephemera e agora surge um caso completamente diferente mas igualmente relevante. Trata-se da popular contenda entre Steven Crowder, uma estrela do Youtube norte-americano, e Carlos Maza, um jornalista da Vox.
Tudo começou com Steven Crowder a ofender abertamente o jornalista da conceituada publicação Vox. Crowder, ao jeito desmedido dos youtubers, foi usando e abusando de termos homofóbicos e xenófobos para, sob a capa da piada, ir alvejando Maza com os seus insultos. A certo ponto, o caso começou a ganhar tração mediática e o jornalista não se ficou, reportando no seu twitter o avançar da história e os insultos à sua orientação sexual e ascendência étnica (Maza é latino).
https://twitter.com/gaywonk/status/1134264395717103617
Perante o mediatismo dos dois intervenientes, o veredicto do YouTube foi-se aguardando com alguma curiosidade — afinal de contas, iria o YouTube punir severamente Crowder pelos insultos homofóbicos ou ser condescendente neste caso? Quando chegou a resposta, não era bem o que Maza ou muitos internautas esperavam. A equipa do YouTube dirigiu-se directamente ao jornalista que se apresenta como @gaywonk no Twitter, para lhe garantir que tinha analisado em profundidade a sua exposição mas que decidira não tomar medidas punitivas em relação aos vídeos do youtuber. Apesar de dar a entender o reconhecimento de existência de linguagem ofensiva, a equipa do YouTube não terá considerado as ofensas de Crowder como “discurso de ódio”.
(2/4) Our teams spent the last few days conducting an in-depth review of the videos flagged to us, and while we found language that was clearly hurtful, the videos as posted don’t violate our policies. We’ve included more info below to explain this decision:
— TeamYouTube (@TeamYouTube) June 4, 2019
A reação de quem acompanhou a história não podia ser mais evidente e o jornalista não se contentou com a respostas, sublinhando numa série de tweets a ambiguidade das políticas do YouTube. Para além de apoiantes anónimos, um outro grupo se juntou à causa e a tornou ainda mais bicuda para a Google — detentora da plataforma Youtube. Foram os próprios trabalhadores da empresa norte-americana que na conta de twitter @EthicalGooglers se juntaram à onda de descontentamento com a decisão tomada, aproveitando para relacionar a polémica com o mês de Orgulho LGBT que se celebra por todo o mundo e a que a Google também se juntou simbolicamente — com o doodle no Google e uma série de materiais de comunicação no Youtube.
Despite YouTube capitalizing on Pride as a marketing campaign, it's clear they have no issue making policy decisions that harm LGBTQ people like @gaywonk. We have #NoPrideInYT pic.twitter.com/onD1cARt98
— Googlers for Human Rights (@EthicalGooglers) June 5, 2019
No meio de tudo isso a Google viu a sua posição fragilizada e acabou por voltar atrás na sua decisão. Assim, em vez de se decidir pela inação, avançou com um processo de desmonetização do canal de Youtube de Crowder — que tem mais de 3,7 milhões de subscritores. Ainda assim a decisão não foi totalmente bem aceite por Maza que chamou à atenção para o facto de nem sempre a monetização do YouTube ser o maior proveito tirado do site. Neste caso, Crowder replica o seu discurso homofóbico em merchandising que vende num site à parte promovido no seu canal, com frases como “Socialism Is For Fags”. Depois do alerta para este cenário a equipa do Youtube voltou a refrasear a sua decisão garantindo que só se Crowder tirar qualquer link para as suas t-shirts poderá voltar a ter a monetização do seu canal de volta.
Até lá, continua com a sua plataforma mediática e a audiência que conquistou com um discurso sempre ambíguo entre a opinião e o insulto e que mistura análise política com ofensas ad hominem num caldeirão de populismos e pontuado com discurso de ódio — a receita que parece ficar à margem das políticas restritivas do Youtube.
https://twitter.com/gaywonk/status/1136057689585410050
Depois de toda a polémica e da revolta que se gerou sobretudo contra Steven Crowder, o Youtuber que dá a cara pelo programa Louder with Crowder, fez um longo vídeo em que lendo de um guião pede desculpa a todas as pessoas que possa ter ofendido, numa extensa lista que vai desde o rapper canadiano Drake até ao povo palestiniano, repetindo o que lhes havia dito com uma expressão ambígua que deixa muitas dúvidas sobre a sinceridade das afirmações. Também as t-shirts com a frase “Socialist is For Fags” desapareceram do seu web-site onde restam outras com frases de apoio a Trump, contra o aborto e a favor da legalização das armas.
Para além do canal de Steven Crowder outros canais de tendência conservadora e discurso inflamado acabaram por ser também desmonetizados algo que gerou outra onda de controvérsia desta vez em sentido inverso. Os YouTubers apanhados por esta onda criaram mesmo a hashtag #VoxAdpocalypse que o pŕoprio Steven explicou em vídeo. Em causa, apontam, está a falta de um critério claro do YouTube na hora de punir os vídeos, acabando por ter um critério mais alargado para os media tradicionais e mais apertado para os pequenos criadores de conteúdo.
O caso é mais um que merece reflexão sobre a possibilidade de regulação nos social media. Por um lado medidas mais punitivas podiam ser apelidadas de censura e gerar polémicas de uma escala ainda maior e mais polarizante, por outro a permissividade da plataforma perante este tipo de discurso pode torná-lo demasiado normal. A centralização massiva de conteúdo em plataformas privadas e centralizadas (Facebook, YouTube) está cada vez mais na ordem do dia à medida que se percebe a dificuldade em estabelecer políticas justas, compreensíveis e ferramentas para as operacionalizar em tempo útil.