Este domingo saiu o sexto e último episódio da série humorística O Resto da Tua Vida, protagonizada por Carlos Coutinho Vilhena e João André. No derradeiro capítulo da série, o humorista revela que parte do que aconteceu e foi sendo reportado nos diversos canais de comunicação social tinha sido engendrado quase inteiramente por si. No meio disto tudo, surgiu uma espécie de onda de revolta contra a série que acusam de enganar, para além do público, a imprensa – numa atitude comparável/comparada à de David Carreira de mentir aos jornais dizendo ter sido preso.
Nós, no Shifter, fomos um dos meios que reportou esta série e escrevo este artigo para deixar uma coisa bem clara: não nos sentimos minimamente enganados; mesmo que alguma das informações que o Carlos Coutinho Vilhena nos tenha prestado na sua entrevista não sejam absolutamente verdade, acreditamos na mensagem mais ampla que a série passou ao longo dos vários episódios. De resto, mais do que repórteres, neste caso, fomos também espectadores atentos do primeiro ao último minuto, de igual para igual para qualquer outra pessoa na internet. Ainda assim, fizemos a reportagem de um modo seguro e sem assumir que nada da ficção pudesse ser totalmente real; feitas as contas mantêm-se as premissas que sustentam o nosso artigo: a reinvenção do humorista e o renascer do actor. Como se mantém tudo o que Carlos Coutinho Vilhena nos disse à margem da narrativa da série.
O Resto da Tua Vida: a reinvenção do humorista e o renascer do actor
A série foi motivo de várias discussões internas antes de avançarmos para a entrevista, nas quais cada pessoa do Shifter tentava adivinhar onde começava e terminava a ficção na narrativa de Carlos e João, e mesmo na nossa entrevista procurámos cultivar esse espírito. Estamos perante um produto de humor, dois jovens artistas e uma série no YouTube sem grandes obrigações institucionais, nem reputacionais; uma série feita por putos que, por muito boa (ou comovente) que seja, deve ser entendida como tal. Mas, então, quem foi enganado nesta história toda?
Como se percebe neste episódio final, a estratégia foi executada em dois momentos distintos. Numa primeira, Carlos Coutinho Vilhena enviou informações falsas para revistas cor-de-rosa que acabavam por publicar sobre os assuntos sem fazer um rigoroso fact-checking dos acontecimentos; e numa segunda, já com a série a decorrer, nos vídeos publicados no canal do João André, facilmente compreendidos por quem via a série e percebia do que se tratava – a história da orgia da Ana Zannati e da escolha do final do episódio dos Morangos era uma exagero escandaloso e evidente e os cliques na notícia do “engano” podem tê-lo tornado conveniente… mas voltemos ao primeiro momento.
Foi especialmente nas rubricas de social protagonizadas por Cláudio Ramos que o ex-moranguito a entregar pizzas ou a lutar com o Kasha dos D.A.M.A. ganhou visibilidade. E se é certo que induzir alguém em erro é uma atitude pouco ética, este caso parece ser uma espécie de teste aos limites de um ambiente mediático com muitos momentos dedicados à exploração da futilidade sem grande rigor nem credibilidade. Pode não ser a atitude mais louvável mas, quanto muito é mais um capítulo para a discussão sobre os limites do humor. Quanto aos limites da imprensa, esses estão bem definidos e fazer notícias com base numa foto recebida num e-mail enviada por um perfil estranho ou por um curto vídeo que surgiu vindo de sabe-se lá onde tem o seu risco associado.
Se nos sentimos enganados pela série? Talvez. Se nos sentimos enganados pelo Carlos e pelo João? Nem por isso. Compreendemos a sua ideia e sobretudo compreendemos a importância de ter feito as coisas desta forma – a série não teria o mesmo impacto, nem a mesma substância se a narrativa não tivesse surgido de um modo orgânico no meio social. Se quisermos retomar a comparação com David Carreira, pensemos como desse caso resulta apenas a promoção de um vídeo que em nada se serve da mentira criada, enquanto que no caso da série a ambiguidade reforça todas as mensagens que nos parece que a série quer passar: uma reflexão sobre a superficialidade e permeabilidade do circuito mediático em Portugal