No último dia de Abril, Mark Zuckerberg voltou a subir ao palco da F8, a conferência anual do Facebook. Atrás dele, a frase “privacidade é o futuro” e um ano negro, carregado de escândalos de privacidade e segurança, que colocaram à prova o antes relativamente admirado miúdo de Sillicon Valley. Zuckerberg parece (e o verbo “parecer” é importante aqui) ter aprendido a lição, e apresentou-nos um novo Facebook.
Uma limpeza urgente
O Facebook nasceu em 2004 como uma rede social universitária, onde estudantes podiam criar um perfil e conectar-se aos seus colegas. Depois transformou-se na lista telefónica, agregador de notícias, álbum de fotografias e agenda cultura de mais de dois mil milhões de pessoas pelo mundo inteiro, tudo num só site. Tornou-se tão denso como aborrecido. Uma plataforma cheia de funcionalidades e, como desde 2016 é bem claro, de problemas. A questão da privacidade foi uma das que foi ganhando peso e agenda nas esferas política, empresarial e social; as pessoas passaram a migrar as suas partilhas mais pessoais e íntimas para o Instagram, e conversar em privado pelo Messenger ou WhatsApp; o conceito de ‘rede social all-in-one’ tornou-se obsoleto, ainda que a mudança se dê muitas vezes para outra plataforma da mesma empresa.
Era urgente uma mudança no Facebook, na rede social, na sua família de apps (Messenger, Instagram e WhatsApp) e na empresa. Mark Zuckerberg tinha começado este 2019 a prometer um foco na privacidade…
https://twitter.com/kevinroose/status/1123274852331413505
…e foi isso que prometeu cumprir na F8. “Muitas pessoas pensaram que não estávamos a falar a sério. Eu sei que nós não temos a melhor reputação em privacidade agora, dizendo de forma simpática”, brincou Zuckerberg na F8, sem arrancar grandes ou sequer algum riso.
Um novo Facebook
Para assinalar a mudança – um antes e depois de 2018 –, o Facebook vai começar por perder a cor azul e apresentar-se redesenhado de alto abaixo até ao final do ano em mobile e desktop. Por outro lado, a rede social será repartida: enquanto que o Facebook passará a girar em torno de duas funcionalidades – grupos e eventos – e servirá para estabelecermos comunidades digitais além dos nossos amigos, familiares e conhecidos do mundo offline; o Messenger e Instagram ficarão para as nossas interacções mais privadas, pessoais e íntimas; quanto ao WhatsApp, não há grandes novidades – continuará a ser o serviço de chat encriptado e seguro mais básico do Facebook, sem stories ou cores pomposas.
A lista de amigos que criámos na plataforma alimentará os dois novos focos do Facebook – grupos e eventos – e também evoluirá com elas, à medida que na rede social conhecemos pessoas com quem partilhamos os mesmos interesses. Mais que uma lista de quem conhecemos na vida real, passará a ser a nossa relativamente pequena comunidade digital – pelo menos, em teoria.
O Facebook vai lançar uma funcionalidade chamada ‘Meet New Friends’ que será transversal a toda a aplicação e que permitirá a estabelecer o contacto com pessoas que trabalham no mesmo sítio de nós ou com quem andamos na escola, mas também com quem temos interesses em comum, por exemplo por pertencermos a um mesmo grupo.
O ‘Meet New Friends’ coexistirá com o Facebook Dating, uma réplica do Tinder e uma ferramenta opcional que será expandida para mais países além da Colômbia, Tailândia, Canadá, Argentina e México onde foi lançada no ano passado – Portugal não está incluído, para já.
Grupos e eventos no centro do novo Facebook
Produtos como o Marketplace – que tem 800 milhões de utilizadores mensais – e o Watch mantém-se no Facebook: o primeiro para compra e venda, o segundo para vídeo. Os utilizadores vão continuar a ter perfil, News Feed e Stories no Facebook, só que os grupos passarão a ter uma presença mais proeminente. Publicações em grupos deverão aparecer mais no News Feed, utilizadores vão ver a opção para partilhar num grupo sempre que clicam no campo para fazer um post no seu perfil pessoal.
Vão existir grupos para partilha de ofertas de emprego e grupos de ajuda (onde os membros poderão guardar anonimato e autorizar os https://staging2.shifter.pt/wp-content/uploads/2021/02/e03c1f45-47ae-3e75-8ad9-75c08c1d37ee.jpgistradores do grupo a publicar por eles); serão grupos com características especiais, à semelhança do que já acontece com os grupos de compra e venda e os grupos de videojogos. No fundo, os grupos passarão a estar integrados em praticamente tudo. Também os eventos ganharão uma vida diferente no Facebook, permitindo aos utilizadores descobrir o que há a acontecer no seu bairro ou na sua localidade de residência. Um mapa terá localizados os eventos em nosso redor e será acompanhado pela já habitual lista de eventos. Locais de interesse também vão aparecer na nova secção a que o Facebook chama de Local.
Se em 2017 dissemos que a F8 não tinha nada a ver com o “facebook.com”, desta vez teve tudo a ver. Mas teve que ver igualmente com aquilo a que Zuckerberg chama a sua “família de apps”.
Novidades no Instagram
No Instagram, há uma nova interface para fazer Stories que vai tornar mais visíveis as opções que a app já oferece para publicar sem imagem. É o Facebook a mostrar que as Stories são o novo News Feed, o destino para as partilhas mais imediatas. (Aliás, o Facebook já anda a testar na ex-rede social azul uma forma de unificar o News Feed e as Stories no formato vertical.)
Como escreve o The Verge, apesar de o News Feed permitir ao Facebook recolher uma quantidade absurda de informação sobre cada utilizador para lhe mostrar anúncios o mais adequados possível ao seu comportamento online, tornou-se também um mar de problemas de segurança e privacidade, e levantou questões quanto aos limites que devem (ou deveriam) existir quanto à moderação dos conteúdos numa plataforma de media onde todos podem publicar, onde todos são editores.
Mas atenção, as ferramentas que nos habituámos a ver no Facebook não vão desaparecer: o Facebook dará apenas maior destaque às coisas que as pessoas continuam a usar mais, sendo este redesign uma espécie de ‘manifesto’ sobre o futuro do Facebook. “Os produtos do passado tiveram pouco amor em palco na F8”, diz o TechCrunch. Nada de novo para o News Feed, para as Timelines (perfis) dos utilizadores, onde podíamos arquivar as nossas memórias. Nada de novo também paras as Páginas de marcas e negócios, “que foram o centro da estratégia de monetização há uns anos”.
Voltando ao Instagram, os ‘likes’ em posts e as visualizações em vídeos podem deixar de aparecer imediatamente visíveis, num teste que começou no Canadá e que poderá ainda levar aperfeiçoamentos antes de chegar a todos os utilizadores (ou nem sequer chegar).
O Instagram vai também fazer outras experiências para melhorar o ‘bem estar’ de quem usa o serviço, como a possibilidade de colocar a rede social em pausa se estivermos a passar por um momento difícil e quisermos tempo para nós.
E o Messenger e WhatsApp?
No Messenger também há novidades. Uma app para desktop – finalmente – e todas as comunicações passarão a ser encriptadas, ou seja, o Facebook deixará de ter acesso ao que os utilizadores escrevem uns aos outros – finalmente, idem. A app do Messenger permitirá ainda conversar com contactos no Instagram Direct e no WhatsApp – um primeiro passo à já anunciada vontade de Zuckerberg de unificar os três serviços de chat.
O Messenger irá ganhar também algumas características para estimular a conexão entre amigos, como as ‘Watch Parties’, em que um grupo de pessoas podem estar a assistir e a reagir a vídeos em simultâneo, e o novo separador ‘Friends’, onde poderemos partilhar fotos e vídeos só para os nossos amigos mais chegados (que definimos na app) verem.
No WhatsApp, as novidades anunciadas tiveram mais que ver com a forma como as empresas podem aproveitar a plataforma para comunicar com os seus clientes ou consumidores.
Em conclusão
“Vamos começar um novo capítulo, mas vai demorar tempo e vamos ter de resolver alguns problemas. Parecendo que não estamos a fazer progressos, mas vamos fazer tudo para construir os produtos que as pessoas querem. Estamos confiantes de que vamos fazer isto”, anunciou Mark Zuckerberg na F8, prometendo fazer as coisas bem desta vez. “As conversas privadas devem estar protegidas, até de nós” e “não se devem preocupar que o que escrevem seja utilizado contra vocês” foram afirmações que se ouviram do multimilionário norte-americano.
Ainda deverá demorar até vermos a luz do dia de tudo o que o Facebook anunciou na F8 e é cedo para sermos crentes em relação ao monopólio de Mark Zuckerberg – ainda esta semana saiu um artigo no New York Times que promete agitar um 2019 que tem sido calmo para a tecnológica e que iremos analisar em breve no Shifter. De qualquer das formas, o Facebook parece estar atento às tendências e comportamentos dos utilizadores, e o que foi anunciado no final de Abril pode ser entendido como um novo posicionamento da empresa e da(s) plataforma(s). O claim “privacidade é o futuro” não significa só a promessa de uma melhor salvaguarda dos dados dos utilizadores, como uma leitura da preferência das pessoas por canais mais privados de comunicação, principalmente quando são partilhas entre amigos.
Todavia, há motivo para cepticismo em relação aos anúncios feitos nesta F8: afinal de contas, ainda estamos à espera da ferramenta Clear History, anunciada no ano passado e que nos permitirá eliminar o histórico do Facebook, ou a opção para apagar todas as mensagens trocadas no Messenger a que só os executivos da empresa têm acesso – os utilizadores só podem remover definitivamente as suas conversas uma a uma e até 10 minutos depois de a enviarem. O TechCrunch escreve, entretanto, que, enquanto o Facebook falou de privacidade, a Google já a construiu – “privacidade” parece ser a buzzword de 2019 entre as gigantes de tecnologia, depois de um 2018 sobre “bem estar digital”.
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