AVISO: ESTE ARTIGO CONTÉM SPOILERS!
Foi provavelmente a maior série dos últimos tempos, pelo menos em termos de números. Salários, números de figurantes, gastos com efeitos especiais, audiências, e o número de críticos experts em guionismo. Não há memória recente de uma final tão antecipada como a de “A Guerra dos Tronos”. Há anos que milhões de fãs insuportavelmente expectantes teorizavam sobre como acabaria GoT e, no final, todas as suposições falharam.
Até quem começou a ver a série há um mês para não fugir ao hype – confissão – tinha apostas, e é legítimo que todos aqueles que acompanharam a narrativa de Westeros por oito temporadas se tenham sentido no direito de ter algo a dizer. Custa sempre dizer adeus e um final é sempre um final, com tudo o que isso acarreta, despedidas custosas e expectativas redobradas. Talvez por isso, e decididamente por causa do sucesso da série, nos últimos tempos, todos os que a viram se tornaram letrados em técnicas de escrita de argumentos, arcos de personagem e técnicas de produção audiovisual. Pouco mais há a acrescentar ao desagrado dos fãs a partir do momento em que existe uma petição online assinada por quase 1 milhão de espectadores indignados, que pede a desqualificação de toda a última temporada e exige que se filme uma nova.
Entre as maiores críticas estão a de que os criadores apressaram o final da série, e que sob essa pressão, acabaram por simplificar a complexidade da narrativa, em especial a transformação de Daenerys em “Rainha Louca”, fãs (e eu) acreditam não ter sido bem contextualizada ou justificada pelo desenvolvimento da personagem. Também se falou muito da forma como as mulheres foram representadas ao longo da série, em feminismo e sexismo, e a forma como uma série fantástica passada num período medieval tratou as questões de género. Há ensaios e artigos sobre o tema, incluindo um de Slavoj Žižek. Nem o filósofo esloveno fugiu à polémica e acabou mesmo por concordar com as teorias de muitos milhares de espectadores que, sem o conhecimento teórico para o fazer, associaram GoT ao conceito de feminilidade tóxica.
Num texto publicado no britânico The Independent e no site da editora brasileira Boitempo, Žižek começa por referir a série tocou em temas como o medo da revolução ou das mulheres politizadas, e que não nos deixou melhor do que estávamos. Refere que uma das vozes mais “inteligentes” a pronunciar-se sobre o final da série foi o escritor Stephen King, que referiu que a indignação dos fãs se devia ao fim da série por si só, e não porque o final tenha sido mau. Escreve que a composição simples da última temporada é para si mais realista que “os habituais enredos melodramáticos góticos”, mas deixa críticas, à já afamada mudança repentina de Daenerys e à forma como o facto de terem sido dois homens, os criadores da série, poderá ter influenciado o seu tratamento.
Daenerys como Rainha Louca é estritamente uma fantasia masculina, por isso os críticos estavam certos quando apontaram que sua queda na loucura não estava psicologicamente justificada. A visão de Daenerys com uma expressão furiosa a voar num dragão e a incendiar casas e pessoas expressa a ideologia patriarcal e o seu medo de mulheres fortes na política.
Cita Hegel, Schelling e Wagner, fala em antifeminismo e critica especificamente a postura que foi dada à personagem no momento daquele diálogo final com Jon Snow. Žižek escreve que o momento mais baixo da cena é aquele em que a Mother of Dragons diz a Jon que se ele não consegue amá-la enquanto rainha, então o medo reinará, descrevendo-o como um “arquétipo embaraçosamente vulgar da mulher sexualmente insatisfeita que explode em fúria destrutiva.”
No final vai mais longe, fazendo uma ponte entre Cersei e Daenerys, observando que, na série, mesmo que “a má” sejam derrotada e “a boa” vença, o poder acaba sempre por corromper a Mulher. Žižek cita ainda o desaparecimento de Arya e a permanência de Sansa, concluindo que marginalização das mulheres é “um momento chave da lição liberal-conservadora geral do último episódio” de A Guerra dos Tronos.
Há ainda espaço para criticar a recorrência de alguns clichês caricatos no argumento, como o facto de Jon Snow matar por amor “salvando a mulher amaldiçoada de si mesma, como diz a velha fórmula masculino-chauvinista”, ou “a sabedoria insípida de que os melhores governantes são aqueles que não querem poder”, que colocou Bran Stark no trono dos Sete Reinos, e outros pormenores de análise interessantes que talvez tenham escapado aos nossos olhos em lágrimas e corações apertados de saudades. Muitas teorias continuarão a escrever-se sobre a série que aproximou os pensamentos de um dos mais prestigiados filósofos dos nossos tempos dos nossos, mas mais não seja por isso, não percas oportunidade de ler o seu artigo.