Dá-lhe Gás #4: o vício da Europa

Dá-lhe Gás #4: o vício da Europa

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18 Maio, 2019 /

Índice do Artigo:

O Governo de António Costa quer que Portugal seja a porta de entrada, na Europa, do gás de fracking norte-americano.

(Nota: o que vais ouvir, ler ou ver foi produzido pela equipa do Fumaça, um projecto de jornalismo independente, e foi originalmente publicado em fumaca.pt.)

Até ao fim do ano, uma petrolífera planeia furar em Aljubarrota e na Bajouca, em busca de gás natural. Em Dá-lhe Dás, série de quatro episódios, contamos as histórias por contar, os bastidores, a oposição das populações e as promessas da empresa. Meses de investigação não deixam dúvidas: as decisões nacionais e europeias estão a salvar a indústria do gás.

Episódio 4: o vício da Europa – o Governo de António Costa quer que Portugal seja a porta de entrada, na Europa, do gás de fracking norte-americano. A União Europeia injeta milhares de milhões de euros nos negócios do gás natural, subsidiando projetos faraónicos. Mas há muitas pessoas a querer travar a proliferação da indústria petrolífera, seja nas lutas contra os furos de gás de Alcobaça e Bajouca ou nas greves estudantis pelo clima.

Este episódio foi produzido para ser ouvido. Mas pode ser lido em simultâneo. O que se segue abaixo é a transcrição integral de toda a peça áudio, acompanhada de fotos e mapas.

Parte I – O mundo em que vivemos

No episódio anterior, descobrimos porque é que a técnica de fraturação hidráulica ou fracking apareceu nos contratos que o Estado Português celebrou com a Australis. Estivemos nas sessões de esclarecimento que a empresa organizou em Aljubarrota e na Bajouca e ficámos a conhecer com mais detalhe as várias etapas envolvidas na realização de um furo de prospeção de gás deste género. Ouvimos as preocupações sobre o uso de água e a sua possível contaminação. Além disso, percebemos que o povo da Bajouca está contra o furo e que não será nada fácil à petrolífera australiana assentar arraiais por aqueles lados.

Se ainda não ouviste os três primeiros episódios, para aqui e vai ouvir. Será mais fácil entender o que hoje vamos contar, já que é o último capítulo da série.

João Vinagre:
A gente já não consegue deixar de viver neste mundo, não é? Eu vou viver até morrer rodeado de petróleo e de plástico por todo o lado. A mim, o que me preocupa é que, as pessoas, para não discutirem o assunto, ou não quererem mesmo perceber ou aceitar que é verdade o impacto negativo que este tipo de produto tem, preferem entrar nesse jogo de facilidade de respostas: “tu não tens uma resposta viável”. Pá, ‘ya’, ando de carro, porque se não andar de carro não tenho trabalho, se não tiver trabalho sou um zé ninguém, se for um zé ninguém, já fui. Já tentei viver no meio do monte, usávamos carro na mesma, porque se não tiveres carro… Se não usar dinheiro… Eu posso me encostar como um vagabundo, mas aí dirias que sou um estorvo para a sociedade, ‘só estou aqui para te chular, né?’. Então, tipo, o que é que queres que e faça? Eu não sou pessoa de me suicidar.

Conhecemos João Vinagre, que agora ouvimos, no último episódio. O caldense anima o blogue Gás Natural Não e olha com um misto de descrença e fatalismo para a sociedade que criámos. É uma daquelas pessoas com quem se pode passar horas a falar, sobre tudo e sobre nada, como fiz quando me encontrei com ele, em sua casa. Queria ouvir o que pensa sobre esta indústria, o que foi descobrindo e aprendendo ao investigá-la, como tem sido a sua vida.

O Vinagre é uma personagem. Digo isto num bom sentido. Aos 43 anos, já fez de tudo um pouco na vida, viu mundo, já passou dificuldades, já quis “abandonar a sociedade”.

João Vinagre: Já experimentei tudo.
Pedro Miguel Santos: Tiveste lá quanto tempo?
João Vinagre: Tive lá um ano e meio.
Pedro Miguel Santos: Onde é moraste?
João Vinagre: Tive a trabalhar na associação dos burros e depois fui pastor.

Em tempos, mudou-se para Miranda do Douro, para trabalhar numa associação que protege o burro mirandês. Queria ter tempo para si. Viver no meio das montanhas, ser mais livre.

Anos depois voltou às Caldas da Rainha e hoje trabalha no campo, na fruta. A casa onde vive, é um rés-do-chão num pequeno prédio, com janelas voltadas à rua, onde ele colou um autocolante da luta anti-fracking. Tem um pátio traseiro com plantas, com muito espaço para a cadela a Chica, o cão o Joshua e o gato – cujo nome não cheguei a saber – poderem brincar à vontade.

João Vinagre, na sua sala, ‘acompanhado’ por uma imagem do Zé Povinho e com a sua cadela.

Quem ali entrar não vai ao engano. É a casa de um ativista. Há posters de manifestações, de encontros anti-exploração de petróleo e gás, da luta contra as grandes barragens, de encontros anticapitalistas e antifascistas.

E também uma figura em cartão do Zé Povinho a sorrir, ou não estivéssemos na terra que a arte de Bordalo Pinheiro materializou em faiança.

João Vinagre: Zé Povinho. O Zé povinho é nosso… lá está, povo.

Há livros, panfletos, pins, sementes, plantas. E há a bicicleta e o material para pedalar. Já foi daqui a Burgos, Espanha, para se juntar a um acampamento anti-fracking. Mais de 700 kms.

João Vinagre: ‘Pá, tenho tempo, vou de bicicleta’. E foi assim a primeira viagem grande que fiz assim de bicicleta.
Pedro Miguel Santos: Foste daqui, das Caldas [da Rainha] a…
João Vinagre: De bicicleta até ao País Basco.

Em 2016 fez outra viagem. Organizou uma bicicletada contra a exploração de gás e petróleo em Portugal, que partiu de Viana do Castelo e passados quase dois meses e 1200 km chegou a Vila Real de Santo António. Passou, com quem se ia juntando a ele pelo caminho, em mais de 50 localidades. Ia arregimentando mais pessoas para o pelotão, faziam pequenas exposições e sessões de esclarecimento.

João Vinagre: Fazíamos 50km por dia. De manhã fazíamos 25 ou 30, parávamos num povo, junto à costa, porque toda a costa portuguesa nessa altura, estava perigosamente…
Pedro Miguel Santos: Havia as concessões. E a bicicletada foi contra…
João Vinagre: Foi contra as concessões de petróleo em Portugal.

João tem um olhar crítico sobre a realidade e faz-nos pensar o mundo de outra maneira. Embarquem nestas divagações, da mesma forma que eu fiz.

João Vinagre:
A minha luta não é contra a indústria petrolífera, é contra o modo como vemos o mundo, vá, não é? A indústria petrolífera é só um dos sintomas. Sintoma que torna a velocidade e a força da nossa capacidade em construir e em produzir, que tornou isto muito mais… o impacto muito mais rápido e muito mais sentido, não é? Isto… Se calhar se estivéssemos a extrair petróleo devagarinho, ninguém estava a falar ainda em problemas ambientais, não é? Mas a força e o poder que trouxe a uma economia mundial, hoje em dia, não é, que todos dependem dela, e que se não fosse o petróleo, ela caía… O petróleo não traz só valor, não é? Traz rapidez, não é? Que é uma das coisas mais importantes… então foi rapidez e possibilidade de entregas rápidas. De avião, de barco… E apesar das energias apresentadas como alternativas, que não o eram, eram as verdadeiras, como a solar e a elétrica, estarem há tanto tempo, uma das desculpas para se não as implementar, é que elas não têm a mesma capacidade de rapidez e de potência de produção. Essa sempre foi a desculpa.

João Vinagre:
Para ser mais extremo, eu costumo dizer ao pessoal: o nosso primeiro produto energético de massas foram os escravos, porque a gente não trabalhava, quem trabalhava eram eles. O petróleo veio substituí-los, porque foi que aconteceu. Veio o carvão, depois veio o petróleo, não é? E agora vem o gás e há de vir o hidrogénio, e há de vir… A cena não é se é melhor ou não a nível ambiental, é se quem o vai controlar…
(…)
Vais deixar nas mesmas mãos que têm mantido o mundo da energia a circular – têm sido sempre os mesmos: carvão, petróleo, nuclear, aquilo é sempre as mesmas famílias -, se vais deixar a solução nas mesmas mãos…

João Vinagre:
E a energia não é para nós. Não é para ti e para mim, não é? Nós estamos agora a usar isso, não é? Quem as constrói é que precisam dessa energia toda. Mas, lá está, há uma frase internacional que agora já se ouve em Portugal que é “muda o sistema, não o clima”. Mas tu assim não estás a mudar o sistema, estás só a mudar o clima.

João Vinagre:
A única campanha que existe a nível mundial é o impacto do combustível na camada de ozono [*], porque nos interessa a todos. Como se todos os problemas que a indústria petrolífera teve até aqui não fossem interessantes, globalmente. A violação dos direitos humanos, a destruição de ecossistemas… Só agora que criou um problema a todos, que é a camada de ozono[*], é que nos devemos preocupar todos. Antes, só se deviam preocupar os que tinham lá o poço, não é? E nunca ninguém se preocupa com os plásticos que usamos, por exemplo. Lá está, o poliéster…

(* Nota: esta afirmação está incorreta. João Vinagre aludia à contribuição dos gases com efeito de estufa para o aquecimento global e as consequentes alterações climáticas. A confusão entre estes termos é comum. No site do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 é possível perceber a distinção entre ozono, camada do ozono, efeito de estufa, aquecimento global, alterações climáticas e a sua relação.)

João Vinagre:
Uma coisa que a energia alternativa tem que provar, hoje em dia, aos políticos e à sociedade, é que consegue manter o mesmo tipo de sociedade. Isso, para mim, é um grave problema ecológico. Porque o maior impacto ecológico na terra não é o petróleo, é o trabalho. Todo o trabalho depende de matéria prima. Eu não estou a dizer para deixarmos de trabalhar, estou só a dizer para as pessoas… Não é? E se estás a criar novos produtos, novos postos de trabalho, novas matérias primas, isto vai acabar no mesmo sítio… Porque o petróleo, como tu disseste bem, mesmo que a gente queira, ele vai estar cá um bocadinho, porque, se não, a sociedade caía de repente. A economia cai, não? Se a economia cai, cai tudo.

João Vinagre:
Apesar de haver diferenças, não é, para mim a luta contra o petróleo não é só contra as petrolíferas, não é? É uma ideia instalada em nós. Nas escolas, na nossa dependência… Eu já fui dependente de drogas, eu percebo o que é a dependência muito bem. E a dependência que nós mostramos como sociedade por produtos que vêm do petróleo, não é, e aceitarmos “Epá, não posso fazer nada”. O “não posso fazer nada” é que me começa a preocupar.

Mas há quem esteja a fazer coisas, a mexer-se. Sejam ativistas, representantes eleitos, estudantes e até governos. Não estão é todos a puxar para o mesmo lado. E as leis, sempre as leis, podem tornar tudo bem complicado. Quem ganhará? Ou perderemos todos?

“O vício da Europa” é o quarto e último episódio da série Dá-lhe Gás. Seja toda a gente bem-vinda ao Fumaça, eu sou Pedro Miguel Santos.

Parte II – O Estado e os tribunais

Há muitas maneiras de apanhar moscas. Como há muitas maneiras de fazer oposição ao avanço da indústria petrolífera.

Ricardo Vicente:
O meu nome é Ricardo Vicente, tenho 34 anos, faço parte do movimento Peniche Livre de Petróleo, do seu grupo fundador.

O movimento foi criado em agosto de 2016. Deu-se a conhecer ao país em pleno arquipélago das Berlengas, a reserva natural que fica a pouco mais de nove quilómetros da costa desta cidade piscatória.

Ali, naquelas ilhas, a que foi dado, em 2011, o estatuto da UNESCO de Reserva Mundial da Biosfera, a atriz Sónia Balacó, vários ativistas e Ricardo Vicente – que é engenheiro Agrónomo e militante do Bloco de Esquerda – foram lançar uma petição. A primeira assinatura era sua.

O texto começava assim:

“Os   signatários   desta   petição solicitam   à   Assembleia   da   República, enquanto   órgão   constitucional representativo dos cidadãos portugueses, que desencadeie as ações necessárias para cancelar os contratos de Prospeção, Pesquisa, Desenvolvimento e Produção de Petróleo e suspender os trabalhos em curso na Bacia de Peniche e na Bacia Lusitânica, no mar e em terra, localizadas ao longo de toda a faixa litoral, entre Lisboa e Porto.”

Nesta altura, no verão de 2016, ainda havia na zona Centro contratos que permitiam que as petrolíferas furassem no mar, numa concessão a que foi dado o nome “Camarão”.  E em terra, nas concessões Batalha e Pombal. A ideia era cancelar tudo isto. Escolheram a via institucional.

Ricardo Vicente: Recolhemos muitíssimas assinaturas, em muito pouco tempo, uma boa parte delas em papel junto da população local. A petição foi também uma forma de informar toda a gente do que se passava.
Pedro Miguel Santos: E recolheram onde, sobretudo?
Ricardo Vicente: Recolhemos essencialmente aqui em Peniche, entre Santa Cruz e Nazaré, foram estes os locais onde conseguimos fazer recolha de assinaturas em papel. Outras online que vieram de todos os cantos do país. Houve até algumas pessoas de movimentos sociais do Algarve que recolheram assinaturas em papel para a nossa petição e que nos enviaram por correio e que foram também muito úteis. Totalizámos 6000 assinaturas e a petição foi entregue em dezembro de 2016 na Assembleia da República.

Para sermos mais exatos, foram 5858 assinaturas que a Assembleia da República aceitou oficialmente, a 23 de dezembro de 2016. Quase dois anos depois, a 21 de dezembro de 2018, no ano passado, a petição foi apreciada pelas deputadas e deputados da nação em plenário. Os partidos foram atrás e aproveitaram a deixa.

O PAN apresentou um projeto de Lei para pôr fim a todas as concessões para a exploração de hidrocarbonetos em território nacional. Foi rejeitado.

O Bloco de Esquerda apresentou um projeto de resolução que defendia a suspensão imediata dos processos de concessão, exploração e extração de petróleo e gás na região Centro. Foi rejeitado.

E Os verdes também apresentaram um projeto de resolução.

Ferro Rodrigues:
Projetos d’ Os Verdes: “Cancelamento dos contratos de prospeção e exploração de hidrocarbonetos—Batalha e Pombal”. Quem vota contra? Quem se abstém? Quem se abstém? Quem vota a favor? Portanto foi aprovado.

Surpresa das surpresas. PSD, BE, PCP, Os Verdes, PAN, e três parlamentares do PS – António  Sales,  Margarida  Marques  e  Odete  João – os únicos socialistas eleitos pelo círculo de Leiria e o deputado desvinculado do PS, Paulo Trigo Pereira, acabavam de recomendar ao Governo que a empreendesse “todos os esforços no sentido de cancelar os contratos de sondagem de pesquisa de hidrocarbonetos na Bacia Lusitânica, em Alcobaça e Pombal, com a empresa australiana Australis, Oil & Gas”. A restante bancada rosa e o CDS-PP votaram contra.

O resultado foi uma grande vitória para os ambientalistas. E tem um significado político – nem que seja porque, aparentemente, nem o PSD quer projetos de exploração de gás em Aljubarrota e na Bajouca – ainda que os contratos tenham sido assinados num governo liderado pelo PSD, cujo ministro responsável, Jorge Moreira da Silva, era vice-presidente do partido. Mas, na prática, uma resolução da Assembleia da República vale pouco mais do que um post numa rede social. É apenas uma afirmação política.

O Governo não é obrigado a nada, não tem de fazer nada, pode simplesmente ignorar o conteúdo da resolução. Como se pode ver pelo que já tinha acontecido em julho de 2016, quando a Assembleia da República recomendou ao governo, a partir de um projeto de resolução do Bloco de Esquerda – e cito – “a suspensão imediata dos processos de concessão, exploração e extração de petróleo e gás, convencional ou não convencional, no Algarve”. Votaram contra PSD e CDS-PP e a favor as restantes bancadas: BE, PCP, PEV, o deputado do PAN e até o PS.

Mas como reagiu o Executivo da Geringonça? Ouça-se o Primeiro-Ministro, António Costa, um ano depois, em julho de 2017, no programa 5 para a meia noite, da RTP1.

Filomena Cautela: O furo do petróleo de Aljezur, vai mesmo acontecer?António Costa: Espero que sim.
Filomena Cautela: Apesar de todos os protestos, não é, sôtor?
António Costa: Apesar de todos os protestos.
Filomena Cautela: Muito bem.

Se a Assembleia da República não encontra uma solução mais robusta do que uma resolução, será possível travar este projeto? Rasgar os contratos? Fui saber.

Pedro Miguel Santos: Portanto, ia pedir que se apresentasse primeiro me dissesse o seu nome, a sua idade, se estiver confortável com isso, e o que é que faz aqui na faculdade na faculdade.
Suzana Tavares da Silva: Então eu chamo-me Suzana Tavares da Silva sou… Tenho 45 anos sou professora auxiliar aqui, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e entre… o meu doutoramento foi na área do Direito da Energia, Direito https://staging2.shifter.pt/wp-content/uploads/2021/02/e03c1f45-47ae-3e75-8ad9-75c08c1d37ee.jpgistrativo….

Se há coisa de que Suzana percebe é de Leis, sobretudo das que dizem respeito ao mundo do petróleo e do gás. É uma das 11 pessoas envolvidas na elaboração do livro Direito do Petróleo, lançado em 2013, pelo Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Um calhamaço, com 450 páginas, que serve de bíblia legal deste tema. Além disso sabe como funcionam as coisas, na prática. Esteve envolvida no processo de elaboração dos contratos de concessão/exploração de petróleo em Timor Leste. Trabalhou para o Estado timorense, através de um escritório de consultoria de Washington, que fazia aconselhamento em contratos de exploração petrolífera.

Suzana Tavares da Silva: Quando nós estamos a falar de investimentos, nós estamos a falar de investimentos protegidos por tratados internacionais. Portanto, neste caso nós estaríamos a falar de investimentos protegidos, quer por tratados bilaterais de proteção de investimento – no sistema do Banco Mundial – quer tratados quer investimentos protegidos pelo Tratado da Energia, Tratado da Carta da Energia, que é…
Pedro Miguel Santos: Que é um tratado europeu?
Suzana Tavares da Silva: Que é um tratado internacional que inclui Estados europeus, inclui a própria União Europeia, ela é signatária desse tratado que resolve, desde logo, um grande problema aos investidores.

Que Carta e Tratado são estes que parecem tão importantes? Na verdade, são apenas uma das muitas consequências da queda do muro de Berlim e da desagregação da ex-URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A dependência energética liga pouco a fronteiras ou a regimes políticos. Assim, 51 países – incluindo a Rússia e todas as novas ex-Repúblicas Soviéticas – assinaram, em Haia, nos Países Baixos, a 17 de dezembro de 1991 a Carta Europeia da Energia. A ideia era criar um quadro de cooperação internacional com o objetivo de desenvolver o potencial energético dos países da Europa Central e Oriental e garantir a segurança do abastecimento de energia da União Europeia. Atualmente, 66 partes – incluindo os Estados Unidos da América e Canadá – subscrevem a Carta, que é um documento essencialmente político.

Mas depois de criado, em 91, o documento evoluiu. Em Lisboa, a 17 de Dezembro de 1994, os membros iniciais que assinaram a Carta, davam um passo mais profundo e criavam o Tratado da Carta da Energia. Sendo um tratado, passava a vigorar como parte do Direito Internacional. Na atualidade, 56 membros assinam o Tratado. A Federação Russa pediu formalmente para se desvincular a 17 de abril de 2018.

O objetivo deste acordo é criar garantias jurídicas em domínios como os investimentos, o trânsito e o comércio da energia. Basicamente, garantir que independentemente das políticas nacionais, não se impede o fornecimento de matérias primas energéticas entre os países signatários, nem se podem bloquear investimentos em curso.

Por exemplo, se uma empresa encontrar petróleo ou gás e um Estado quiser travar esse processo, até pode fazê-lo. Mas é bem possível que seja muito difícil fazê-lo sem consequências.

Suzana Tavares da Silva: Se descobrirem o produto têm direito potestativo a passar à fase seguinte. Portanto, quem prospeta e encontra.
Pedro Miguel Santos: Potestativo quer dizer?
Suzana Tavares da Silva: Potestativo quer dizer que inelutável para o Estado. Quer dizer que o Estado já não pode…  ‘Encontraram, então agora vocês saem eu ponho novamente a concurso’.
Pedro Miguel Santos: Não pode impedir aquela empresa de explorar, de dar o passo seguinte…
Suzana Tavares da Silva: Dar o passo seguinte e se a empresa faz um plano de desenvolvimento para a exploração que o Estado aprova, com cumpre requisitos ambientais, cumpre requisitos de segurança técnica, cumpre requisitos de interesse público, porque eles têm que apresentar um plano de desenvolvimento do projeto.

Um Plano Geral de Desenvolvimento e Produção só é necessário quando se confirmar uma descoberta de gás ou petróleo economicamente viável. Nessa fase, já não falamos de prospeção e pesquisa – o atual ponto da situação dos furos em Aljubarrota e na Bajouca – mas falamos de Desenvolvimento e de Produção. A empresa tem de delimitar uma área e os blocos que efetivamente quer explorar; provar as reservas, detalhar os investimentos a realizar e a respetiva cobertura financeira para o fazer. Tem de apresentar planos das instalações a construir, delimitar o campo petrolífero e definir exatamente como vai fazer as coisas: quanto gás vai tirar e como, o que lhe vai fazer, como ele é escoado. Este plano tem obrigatoriamente de ser sujeito a um procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental – que só tendo um parecer positivo pode avançar – tem de ser aprovado pelo Governo e a concessionária tem de pedir todas as autorizações e licenças das diferentes entidades competentes que têm jurisdição sobre o território: da GNR à Direção Geral de Saúde, passando pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e pelas Câmaras Municipais.

Suzana Tavares da Silva: É por isso que eu acho que há demasiada contestação em Portugal para a fase embrionária em que estamos. Ou seja, na verdade está-se só a prospetar e as pessoas já estão a dizer que vai correr muito mal quando ainda não existe. Ainda não se encontrou. E, a encontrar-se, ainda não existe o plano de desenvolvimento que diga como é que vai ser feita essa exploração. (…)
Portanto, há ali uma fase de negociação. Obviamente que a empresa se descobriu não tem interesse em sair do negócio, vai ter sempre interesse, mas o Estado aí tem onde defender o interesse público que é impor-lhes um plano de desenvolvimento que vá ao encontro do interesse público.
Pedro Miguel Santos: É o Estado que faz o plano desenvolvimento?
Suzana Tavares da Silva: É a empresa.
Pedro Miguel Santos: Define as regras?
Suzana Tavares da Silva: Defina como é que vai fazer, quais são as regras que vai… e Estado tem que aprovar.
Pedro Miguel Santos: Mas não é o Estado que diz este plano tem que ter a, b, c, e d.
Suzana Tavares da Silva: Quando ele diz que só aceita e só aprova se tiver requisitos…
Pedro Miguel Santos: Faz isso a posteriori e não a priori.
Suzana Tavares da Silva: Exatamente.

Portanto, se a Australis cumprir tudo aquilo a que está obrigada pelos contratos, em teoria, o Estado também tem de cumprir a sua parte, que é deixar a empresa avançar, segundo as Leis. Mas a verdade é que politicamente não há impossíveis. E não há nenhum contrato que não possa ser renegociado ou rescindido. O Governo pode parar os furos de gás se achar que o interesse público o justifica. E terá de lidar com as consequências.

Pedro Miguel Santos: Termino com: a única maneira que o Estado tinha se quisesse cancelar os contratos, se o quisesse fazer, era qual? Era indemnizar?
Suzana Tavares da Silva: Indemnizar. Tal como aconteceu com o TGV. É bom que as pessoas se lembrem que nós não temos TGV, mas quase pagámos um TGV. Ou seja, no momento em que o Estado assumiu que queria aquele projeto, expropriou e celebrou – independentemente de já ter assinado ou não ter assinado – ele desenvolveu todo o procedimento, selecionou a empresa, portanto, digamos que há uma ideia de continuidade da atividade pública. O investidor ou qualquer pessoa que contratualiza – pode ser um nacional – qualquer pessoa que contratualiza com o Estado não contratualiza com o senhor A ou o senhor B, que é primeiro-ministro ou que é ministro, contratualiza com o Estado. Há uma continuação da personalidade jurídica do Estado independentemente de quem ocupa…
Pedro Miguel Santos: De quem ocupa o lugar transitório.

Havendo uma rescisão, a empresa poderia recorrer a tribunais arbitrais internacionais, tentando uma indemnização, e poderia argumentar usando o facto de Portugal ser signatário do Tratado da Carta da Energia, por exemplo.

Suzana Tavares da Silva: Às vezes o que falta, muitas vezes, é a pedagogia ou até os próprios Estados analisarem verdadeiramente o que é que eles querem. Porque, ou não querem este modelo globalizado do investimento. É uma opção. [Os Estados Unidos da] América, por exemplo, anda a dizer “primeiro nós” e quando ela às vezes diz “primeiro nós” está também um pouco a querer dizer isto, que não quer uma parte destas regras do jogo da globalização.
Pedro Miguel Santos: Se calhar não quer é essas regras, quer outras.
Suzana Tavares da Silva: Porque o sistema de proteção dos investimentos foi desenhado para proteger os países ricos – norte –, dos países pobres – sul.
Pedro Miguel Santos: É tão simples quanto isso?
Suzana Tavares da Silva: Maioritariamente foi isto. Foi para proteger os países que tinham capital e já não tinham recursos naturais dos investimentos que queriam ir fazer aos países que tinham recursos naturais e não tinham capital, nem know how. Portanto, América do Sul e…
Pedro Miguel Santos: Parece quase uma visão colonialista do…
Suzana Tavares da Silva: E África… É uma espécie, eu não vou dizer assim, a sério, não tire das minhas…
Pedro Miguel Santos: Não, eu não disse que foi isso que disse, está gravado. O que eu lhe estou a dizer é que a visão é uma visão bastante colonialista se voltarmos não sei quantos séculos, que é, precisamos de recursos, vamos dar a volta ao mundo, achamos os sítios onde há recursos e exploramos…
Suzana Tavares da Silva: E exploramos. Supostamente, o sistema do Banco Mundial – que é no fundo quem patrocina tudo isto e quem concebe estas regras – tenta conceber umas regras do jogo que sejam lícitas e até equilibradas no sentido de que aqueles países são países sem democracia, com muitas dificuldades na sua governança interna. São países em que de repente aparece uma ditadura e nacionaliza tudo, são países frágeis sob o ponto de vista da sua organização política.
Pedro Miguel Santos: Estamos a generalizar, claro, não é. Há alguns alguns países onde isso acontece.
Suzana Tavares da Silva: Maioritariamente, a América Latina, a África, portanto, não são países com umas estruturas democráticas iguais aos países ocidentais. Não vamos dizer que…
Pedro Miguel Santos: Estão no seu estádio de desenvolvimento, eu diria.
Suzana Tavares da Silva: Estão na sua fase. Seja como for, um investidor que vai para lá precisa de saber que e não iria, não iria, por si investir naqueles países, à partida é isto. Portanto cria-se um sistema de regras mais ou menos justas, alegadamente, ou seja, em que também… E isso também tem uma função regulatória, às vezes não se se diz isto mas é importante. O sistema do investimento estrangeiro também é uma forma de regular e anticorrupção.
(…)
Não estou a dizer que vai tornar um jogo totalmente vantajoso para os países que acolhem o investimento. Obviamente que ele foi pensado para proteção dos investidores, é isso que lá está, não é para proteção dos países que acolhem investimento. É para proteção dos investidores.

E, ainda assim, há esperança. Os tribunais não defendem só os investidores, como nos vai explicar Alexandra Aragão. É também professora de Direito em Coimbra, colega de Suzana – esteve igualmente envolvida na escrita do livro Direito do Petróleo – mas a sua especialidade é o Direito Ambiental. Ouvimo-la aqui no segundo episódio, quando nos explicar o que era um processo de avaliação ambiental. Agora, vai contar-nos como no Reino dos Países Baixos um tribunal condenou o Estado por permitir que as empresas petrolíferas extraíssem mais combustíveis fósseis. O caso foi intentado por uma associação ambientalista.

Pedro Miguel Santos: Queres explicar o que é que foi esse caso, assim rapidamente?
Alexandra Aragão: Sim. A Urgenda é uma organização não governamental holandesa. Aliás, a expressão é uma aglutinação de duas palavras – ‘urgent’ ‘agenda’ – e dá Urgenda e, portanto, a urgência da agenda dessa ONG é, de facto, combater o aquecimento global e, portanto, tentar levar a uma alteração de paradigma energético, de forma a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. E a Urgenda instaurou uma ação judicial, num tribunal de primeira instância – isto foi em 2014, na Holanda, em Haia – sendo que essa ação judicial lhe foi favorável. A ação visava obrigar o governo holandês a fazer maiores esforços para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Claro que o governo holandês utilizou todos os tipos de argumentos possíveis, dizendo ‘nós não emitimos gases, somos apenas um governo, quem emite gases é a indústria’ – argumento este que foi completamente desconsiderado pelo tribunal – porque obviamente que os governos queriam um contexto que permita às indústrias trabalhar e emitir os seus gases, ou reduzir as emissões de gases.

O tribunal deu razão à Urgenda. Mas está bom de ver que o governo recorreu para uma instância superior. O que aconteceu foi que a Justiça…

Alexandra Aragão: Deu, mais uma vez, razão à Urgenda e com argumentos ainda mais fortes, perfeitamente esmagadores. A Urgenda age em nome, essencialmente, de crianças, gerações futuras da Holanda e de fora da Holanda. Todos eles vão ser afetados pelas alterações climáticas e veem o seu direito fundamental a um ambiente são e equilibrado afetado por um governo que, por inércia, não quis alterar muito o contexto de funcionamento das tais atividades industriais de transporte, etecetera, ao contrário do que inicialmente tinha assumido. Defendem, portanto, que o governo deveria ir mais longe para garantir a proteção dos direitos fundamentais, do direito fundamental ao ambiente e condições de existência das crianças. Invocam os artigos 2º e 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. O artigo 2º é o artigo sobre o direito à vida. O artigo 8º é o artigo sobre o direito à vida privada e familiar. O primeiro tribunal na Holanda tinha descartado o recurso à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, porque disse ‘isso não é para aqui chamado, vamos aplicar apenas o Direito Internacional, que é o Acordo de Paris, e o Direito interno’. Agora, este tribunal veio dizer ‘faz todo o sentido invocar aqui o artigo 2º e o artigo 8º. O direito fundamental à vida pode estar em causa. As condições de vida das crianças vão alterar-se substancialmente, quando elas forem adultas. Vamos ter aí uma temperatura média absolutamente insuportável, vamos ter subidas do nível da água – que para um país como a Holanda pode ser catastrófico’. E, portanto, reconheceu que estávamos perante uma situação de direitos fundamentais e afirmou isso, afirmou que este é um caso de direitos fundamentais, não é só Direito do Clima. São direitos fundamentais das pessoas, nomeadamente das gerações futuras. Portanto, é um caso absolutamente emblemático.

Parece que, afinal, o Direito ao Investimento não se sobrepõe a tudo. Mesmo que numa sociedade capitalista como aquela em que vivemos, isso pareça pouco claro.

Parte III – Acordo de Paris e a Descarbonização

A 12 de dezembro de 2015, Cristina Esteves abriu o telejornal da RTP com uma notícia histórica. Tudo se tinha passado em França, onde o mundo se reuniu para, aparentemente, rumar numa só direcção. Estava mais do que justificado um direto.

Cristina Esteves: Em direto de Paris, estão os enviados da RTP: Ricardo Passos Mota e Lavínia Leal. Lavínia, muito boa noite. Houve acordo, mas para os ecologistas não é o suficiente.
Lavínia Leal: De facto, para alguns ecologistas não é o suficiente e isso viu-se hoje nas ruas de Paris. Eles protestaram dizendo que aquilo que foi aqui negociado e aquilo que foi aqui acordado não é suficiente para travar o aquecimento global. Ora, quem estive aqui durante duas semanas a negociar arduamente não pensa da mesma forma e isso viu-se também na forma como ovacionaram Laurent Fabius [Ministro dos Negócios Estrangeiros da França, ex-primeiro-ministro francês entre julho de 1984 e março de 1986] no momento em que ele declarou que o acordo tinha sido aceite. Quem estava nessa sala e quem esteve durante esta semana também, aqui, a negociar foi o Secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, ele está aqui ao pé de mim. É um bom acordo ou é o acordo possível?
Carlos Martins: O acordo é considerado um sucesso, um sucesso para Portugal, um sucesso para os países da união européia e um sucesso para todos os países que estiveram envolvidos. De facto, a expectativa relativamente ao Acordo de Paris era enorme, estamos perante um momento – eu diria histórico – que vai marcar o nosso futuro durante umas décadas ainda importantes, quase todo este século. É um acordo global. Pela primeira vez conseguimos mobilizar 196 países para terem ações concretas em torno da política das alterações climáticas. É um acordo toda a gente considerou muito ambicioso e desse ponto de vista a União Europeia merece uma palavra de destaque porque foi um dos blocos, digamos, que se colocou na linha da frente para ter objetivos muito ambiciosos…

O Acordo de Paris foi adotado por 195 nações na 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Tem um objetivo claro: garantir que o aumento da temperatura média do Planeta fica “bem abaixo dos 2 graus Celsius” e “continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus Celsius”. Entrou em vigor no dia 4 de novembro de 2016. Sendo um Tratado Internacional, teve de ser ratificado na Assembleia da República, o que aconteceu a 30 de setembro de 2016. Portugal foi o quinto país da União Europeia a fazê-lo, depois da Alemanha, França, Áustria e Hungria, e o 61º no mundo a ratificar o Acordo de Paris. Até agora, 185 partes das 197 que assinaram o Acordo já o ratificaram.

Mas o que têm os países de fazer exatamente? Na prática, o que quiserem, desde que se comprometam a reduzir as emissões de GEE – Gases com Efeito de Estufa. O mais famoso e conhecido de todos estes gases é o Dióxido de Carbono, ou CO2. Mas há outros, como o metano (CH4) ou o óxido nitroso (N2O). Até 2020, cada país tem obrigatoriamente de apresentar as suas Estratégias de Longo Prazo de Desenvolvimento de Emissões, onde explicam quanto vão reduzir e como. Neste momento, 11 países já o fizeram.

Portugal tem um discurso ambicioso, ser neutro em emissões de Gases de Efeito de Estufa em 2050. Isso mesmo disse António Costa, em 2016, na Cimeira do Clima, realizada em Marraquexe, Marrocos: “Portugal reafirma o seu firme compromisso de ser neutro em emissões de GEE até ao final da primeira metade do século”.

João Pedro Matos Fernandes:
É já na próxima década que devemos colocar um maior esforço na redução de emissões de gases com efeito de estufa.

A 29 de janeiro passado, João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Transição Energética, apresentou na Fundação Calouste Gulbenkian, o Plano Nacional Energia e Clima, o PNEC.

João Pedro Matos Fernandes:
Atingir a neutralidade carbónica exige acima de tudo uma verdadeira transição energética. O PNEC traduz esta visão para o horizonte de 2030. Em linha com as trajetórias de neutralidade, foram estabelecidas novas metas de redução de emissões, de incorporação de renováveis e de eficiência energética para 2030. Elas já foram aqui apresentadas, são muito mais ambiciosas dos que as que constam dos próprios documentos que se aplicam ao conjunto da União Europeia e destaco, repetindo três números: 45% e 55% de redução de emissões de gases com efeito de estufa; 35% de eficiência energética; 47% de incorporação de renováveis no consumo final de energia.

Ser neutro em carbono em 2050 não significa só utilizar energias renováveis em 2050. Significa que tem de haver um balanço neutro entre os gases emitidos e os removidos (por exemplo, através da absorção pelas florestas ou prados). É isto a que chama “neutralidade carbónica”. E para isso o governo está a trabalhar num documento orientador maior, mais amplo, chamado Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050.

Júlia Seixas:
Este roteiro é um documento político, ou seja, ele de facto está a ser assumido politicamente. O que é que ele contém? Ele contém uma visão e contém caminhos até chegarmos a um determinado objetivo.

Júlia Seixas, tem 56 anos, e é uma das principais especialistas em Energia e Alterações Climáticas do país. Dá aulas e investiga na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Anda nestas andanças há mais de 20 anos, quando os primeiros cientistas do país começaram a trabalhar, a pedido do governo de então, em planos para combater e mitigar os efeitos das alterações climáticas.

Júlia Seixas: Eu trabalho nestes aspetos dos planos para a mitigação climática em Portugal desde o primeiro que foi feito, já estou nisto há muito tempo, aliás, já devia era ter saído…
Pedro Miguel Santos: Foi quando, o primeiro?
Júlia Seixas: O primeiro foi a seguir a Kyoto, a ministra na altura era a Dra. Elisa Ferreira, foi a Kyoto assinar o protocolo de Kyoto e quando lá estavam na preparação dos trabalhos – isto é uma história muito interessante, eu posso contá-la – chegou à conclusão de que nós não tínhamos nenhum estudo feito em Portugal.

O Protocolo de Quioto foi o primeiro tratado internacional a vincular os Estados mundiais a um determinado limite de emissões de gases com efeito de estufa. Foi assinado em 1997, na cidade japonesa de Quioto. Júlia Seixas estava a acabar o doutoramento e foi convidada a formar uma pequena equipa para calcular as emissões de gases de efeito de estufa produzidas no nosso país.

Júlia Seixas: Na altura não tínhamos nada, tínhamos um [impercetível] onde fizemos umas contas, estivemos a ver como é que os holandeses faziam e nós fizemos. O primeiro documento sobre projeção de emissões sai em 1998.
Pedro Miguel Santos: E era só isso? Era só projetar as emissões?
Júlia Seixas: Era só projetar as emissões.

Voltemos ao presente. Conversámos no dia 23 de janeiro, num café na Rua do Século, ali mesmo ao lado do Ministério do Ambiente e da Transição Energética, de onde Júlia tinha acabado de sair. É que esta investigadora foi e é a coordenadora da parte da energia do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050.

Júlia Seixas: O roteiro o que mostra que há viabilidade tecnológica e custo eficaz para chegarmos a esse objetivo.
Pedro Miguel Santos: Portanto mostra que é possível?
Júlia Seixas: O roteiro não diz quais são as políticas públicas para chegarmos a esse objetivo. Há aspetos no roteiro que o próprio mercado se vai encarregar de implementar e de fazer acontecer, mas há aspetos no roteiro que precisam de enquadramento político, precisa de políticas fiscais adequadas, precisam de políticas e de decretos de lei e portarias que têm de ser feitos e esse trabalho todo não está feito. Portanto o roteiro…
Pedro Miguel Santos: É uma mostra de caminhos…
Júlia Seixas: É uma mostra de caminhos com os quais os políticos atuais, nomeadamente o ministro do ambiente se compromete e apoia e defende. Eu penso que, no momento em que estamos, e olhando para o resto do mundo, eu penso que isto é um aspeto que deve ser sublinhado de forma positiva.

Há um site onde a preparação do roteiro pode ser acompanhada – descarbonizar2050.pt. Na parte relacionada com a energia, pode ler-se que: “o setor energético é responsável por mais de dois terços das emissões globais de gases com efeito de estufa”; e que: “a procura de energia no mundo cresceu mais de 50% entre 1973 e 2015, suportada pelos combustíveis fósseis, que representam mais de 81% do consumo de energia primária em 2015”. Se continuarmos neste caminho – e cito – “as emissões de CO2 irão praticamente duplicar até 2050, levando a um aumento da temperatura média global de pelo menos 6°C quando comparado com o nível pré-industrial”.

Um dos grandes argumentos da indústria petrolífera é o de que o gás é fundamental para se realizar a tal transição energética. Margarida Rebelo Pinto diria que não há coincidências, mas talvez haja. No mesmo dia, 29 de janeiro de 2019, o dia em que o ministro do Ambiente anunciou na Gulbenkian o Plano Nacional Energia e Clima (PNEC), Ian Lusted, presidente do conselho de Administração da Australis, foi à Bajouca apresentar o seu plano para a sondagem de prospeção de gás natural.

Ian Lusted: Portugal has a national energy policy.
Tradutora: E Portugal tem uma política nacional ao nível energético.
Ian Lusted: It’s working towards 100% renewable energy by 2050.
Tradutora: Que prevê que até 2050 existam apenas fontes de energia renovável.
Ian Lusted: That means getting rid of hydrocarbons…
Tradutora: Isto significa livrar-nos dos hidrocarbonetos…
Ian Lusted: and replacing it with renewable energy sources.
Tradutora: …substituindo por fontes de energia renováveis.
(…)
Ian Lusted: And it actually plans to increase the amount of gas that Portugal needs.
Tradutora: O que vai dar origem e também faz parte dessa política aumentar o consumo de gás e a utilização de gás.
Ian Lusted: Over de next 10 to 15 years.
Tradutora: Pelo menos nos próximos 10 a 15 anos.
Ian Lusted: As a transition while the infrastructure for renewable sources is built out.
Tradutora: Permitindo, portanto, a transição para as energias renováveis e à medida em que as fontes e as formas de energia renovável vão sendo desenvolvidas.

Há duas imprecisões neste discurso de Ian. Não é verdade que haja um plano do governo para que em 2050 toda energia em Portugal seja 100% renovável. O que se prevê no Roteiro para a Neutralidade Carbónica é que em 2050 quase toda a eletricidade seja produzida por fontes renováveis. Continuaremos a usar outras fontes de energia – combustíveis, como gasóleo e gasolina nos transportes, por exemplo. Ou gás natural nos fornos das indústrias, mas com tendência para, até meio do século, se reduzirem para mais de metade os consumos atuais, com a progressiva eletrificação dos setores industriais como o da química, produção de vidro, metalomecânica ou cimento.

Também não é verdade é que haja planos escritos de que é preciso aumentar o consumo de gás natural. É um facto que se estima um aumento do consumo de gás no setor residencial durante a próxima década, passando dos atuais 13% para 16%. Mas, em 2050, estima-se que baixe para 1%. A estratégia assumida publicamente não é a de promover o consumo de mais gás, é a de reconhecer que isso acontecerá até determinada altura – entre 2025 e 2030 -, sobretudo fruto do abandono da utilização de carvão e da sua substituição por gás natural.

O gás natural é apresentado como sendo melhor para o ambiente. E a aposta em projetos dependentes de gás tem sido determinada quer pela União Europeia, quer pelo Governo, que aproveita os fundos comunitários.

Por exemplo, a 15 de fevereiro, na estação fluvial do Cais do Sodré, numa cerimónia pública presidida pelo primeiro-Ministro António Costa, foi lançado o concurso internacional para renovação da frota da Transtejo, a empresa pública que gere as ligações de barco entre Lisboa e os concelhos de Almada, Seixal, Barreiro e Montijo.

João Pedro Matos Fernandes:
O que se passa hoje, não é uma coisa vaga, é um concurso: 10 novos navios, a GNL, que reduzirão para metade as emissões da empresa, com navios que se deslocarão ao dobro da velocidade dos velhos cacilheiros que vão substituir.

Para quem não perceba o jargão técnico do ministro do Ambiente e da Transição Energética – que também esteve na cerimónia – GNL quer dizer Gás Natural Liquefeito.

Portanto são 10 novos navios movidos a gás. No final de Março, a mesma dupla – primeiro-Ministro e ministro do Ambiente – foi ao Barreiro apresentar a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa e – citando de um comunicado no site do governo“entregar o primeiro autocarro a gás de 60 autocarros de energias limpas que renovarão e ampliarão a frota dos Transportes Coletivos do Barreiro. O Primeiro-Ministro afirmou que vão ser adquiridos 709 novos autocarros elétricos e a gás para distribuir por diversos municípios, no valor global de 200 milhões de euros”.

Novo autocarro da Carris, empresa municipal de transporte público de passageiros de Lisboa. Grande destaque dado ao combustível com que se move, o gás natural: “Eu ando a todo o gás”. É possível ver também a menção aos programas comunitários de apoio à compra do veículo. Lisboa, na rua de São Bento.

Portanto, seja uma dezena de barcos ou umas centenas de autocarros, a solução adotada tem sido a utilização de gás. Será uma boa ideia?

Júlia Seixas: Eu penso que os autocarros novos, nomeadamente que a Carris adquiriu e que são a gás, vêm enquadrados por apoios até de natureza comunitária. E a nível comunitário ainda há projetos de apoio à introdução de gás natural.
Pedro Miguel Santos: Mas esse é um dos argumentos dos críticos que a própria UE segue a política das grandes petrolíferas.
Júlia Seixas: Eu também não tenho assim muitas dúvidas que isso acontece. Pensar que o gás é o combustível de transição é perigosíssimo, é um bocado perigoso porque vai-nos atrasar muito a transformação do sistema energético para um sistema limpo. O gás é mais eficiente do que outros combustíveis em determinadas tecnologias nomeadamente até na tecnologia automóvel, mas não é um gás limpo.
Pedro Miguel Santos: Porque se chama natural ao gás natural?
Júlia Seixas: Porque é obtido de reservas naturais, porque eu posso ter gás sintético feito em unidades industriais. Só isso.
Pedro Miguel Santos: Essa expressão induz…. eu lembro-me de andar na escola primária e de me ensinarem que o gás natural era uma coisa verde, houve uma altura em que se chamou de renovável.
Júlia Seixas: Certo, mas isso fazia-se por oposição ao GPL, ou o chamado gás de cidade. Havia uma fábrica de gás de cidade onde atualmente é a Expo, ainda lá está estrutura de uma espécie de uma refinaria que produzia gás de cidade para a cidade de Lisboa. Portanto, tanto esse gás de cidade, que já desapareceu há muito tempo, antes de 98, como atualmente o gás butano e propano que nós compramos em botija são gases que são produzidos a partir da transformação do petróleo, são produzidos. Este natural não, este extrai-se diretamente.

O gás natural de que falamos e que se quer extrair em Aljubarrota e na Bajouca é essencialmente constituído por metano. O metano é um gás que tem um potencial de aquecimento global muito superior ao dióxido de carbono, com o qual todos os outros gases são sempre comparados. Explicando: para se medir o impacto dos gases de efeito de estufa na atmosfera mede-se a capacidade que esse gás tem de absorver energia (calor) e também o tempo que ele permanece na atmosfera, a sua vida útil. Isto é importante para entender que gases são ou não mais preocupantes. Um gás muito potente, mas que é rapidamente absorvido por processos naturais é menos preocupante que um gás que absorva menos calor mas permanece mais tempo na atmosfera. Assim criou-se uma medida chamada “Potencial de Aquecimento Global” – ou PAG. A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas decidiu que a referência internacional para medir os gases é o seu Potencial de Aquecimento Global (PAG) a 100 anos. Portanto, sabemos que a emissão de 1 tonelada de metano equivale, oficialmente entre as nações, à emissão de 25 toneladas de CO2.

O metano emitido hoje permanece cerca de 12 anos na atmosfera, mas absorve muito mais energia do que o dióxido de carbono. E por isso é tão perigoso.

Júlia Seixas: Acontece que este gás natural, no seu processo de extração…
Pedro Miguel Santos: E transporte, não é?
Júlia Seixas: … liberta quantidades gigantescas de metano. O metano, o seu efeito de estufa, é vinte e uma vezes mais poderoso do que o próprio CO2. No transporte também há algumas fugas chamemos-lhe assim.

O metano é 21 vezes mais poderoso que o CO2 se contabilizado numa escala temporal de 100 anos. Esta conclusão científica foi acordada entre os Estados com base num relatório publicado em 1996 pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) – que é o organismo das Nações Unidas responsável por avaliar a ciência relacionada com as alterações climáticas. Mas a ciência tem evoluído e estes números também. No último relatório de avaliação do IPCC, publicado em 2014, o potencial de Aquecimento global do metano, a 100 anos, é 28 a 34 vezes pior que o CO2 e não 21, como antes se pensava. O cenário piora quando a análise é feita nos primeiros 20 anos em que o gás está na atmosfera. Nessas duas primeiras décadas, sabe-se hoje, uma tonelada de metano tem 84 a 86 vezes mais impacto de aquecimento global que uma tonelada de dióxido de carbono.

Em julho de 2018 foi publicado numa das mais importantes revistas de divulgação científica do mundo, a Science Magazine, um estudo que envolveu 16 centros de investigação de várias universidades norte-americanas, com o título “Avaliação das emissões de metano da cadeia de fornecimento de petróleo e gás dos EUA”. Os investigadores chegaram a conclusões assustadoras: a indústria petrolífera emitia todos os anos mais 13 milhões de toneladas de metano do que se pensava, 60% mais do que era estimado pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA.

Mas nem este dado parece ter feito soar os alarmes dos decisores políticos. Por uma razão, o gás natural, que é utilizado para produzir eletricidade, como acontece, por exemplo, na central de Pego, em Abrantes, é – em teoria – mais interessante, porque permite produzir mais eletricidade, tem um melhor rendimento, quando comparado com a uma central só a carvão.

Júlia Seixas: O que acontece normalmente é que as tecnologias que utilizam gás natural são mais eficientes do que as que utilizam outro tipo de combustível fósseis. Ou seja, para eu obter, por exemplo, numa central a gás natural, numa central de produção de eletricidade…
Pedro Miguel Santos: Como a do Pego, por exemplo?
Júlia Seixas: Como a do Pego. Eu posso ter rendimentos de 50%-55% enquanto uma central que consome carvão tem apenas 30%. Há muito mais perdas no carvão. E, portanto, nesse aspeto, é mais eficiente. Mas não quer dizer que não tenha, efetivamente, gases com efeito de estufa, claro que tem.

Parte IV – O gás e a transição energética

Neste jogo do mal menor a indústria petrolífera viu uma oportunidade: salvar-se através do gás. Se o carvão é mau e for substituído por algo aparentemente menos mau, pode dizer-se que até é bom. E assim tem caminhado o lobby do gás na Europa – onde dezenas de associações do setor fazem campanha pela ideia de que sem gás não é possível a transição energética. Talvez por isso, não surpreendam as palavras de Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, quando a 25 de julho do ano passado visitou Donald Trump, na Casa Branca, em Washington D.C., capital dos Estados Unidos da América.

Jean-Claude Juncker:
Decidimos fortalecer a nossa cooperação na área da energia. A União Europeia terá mais terminais para importar gás natural liquefeito dos EUA. Esta é, também, uma mensagem para outros.

Entre esta afirmação e o final de Março deste ano, a exportação de GNL dos Estados Unidos da América para a Europa aumentou 220%. Até março de 2019, de todo o gás exportado no país do Tio Sam – que é o maior produtor mundial – 31% veio para União Europeia.

Portugal tem sido uma das principais portas de entrada deste gás. E se depender do Governo, assim continuará a ser.

No ano passado, a 29 de maio, Dia Mundial da Energia, no Lisbon Marriott Hotel, em Lisboa, realizou-se um almoço-conferência com o título “O Futuro de Portugal e as relações com os EUA”. O repasto custava 30 euros e tinha como sobremesa um discurso do primeiro-ministro, António Costa, onde destacou – e cito – “a importância estratégica do Porto de Sines como hub atlântico de GNL e da relação Portugal-EUA na promoção do GNL marítimo como fator de reforço da diversificação da segurança energética europeia, de melhoria do desempenho ambiental do transporte marítimo e de reforço da sustentabilidade da economia azul, com uma indústria geradora de empregos qualificados e inovação tecnológica”.

Meses depois, em setembro, a Ministra do Mar, Ana Paula Vitorino alinhava pelo mesmo diapasão. Dizia querer transformar o país numa “estação de serviço” para navios a gás natural. Cito – “Se queremos ter em Portugal todo o crescimento do setor dos cruzeiros, temos de ser capazes de abastecer esses navios.” Os arquipélagos dos Açores e Madeira seriam as estações de serviço.

No porto do Funchal, Madeira, a de 20 de novembro de 2017, o navio de cruzeiros AIDAprima entrou para a história. Foi o primeiro a ser abastecido com gás natural liquefeito (GNL) num porto nacional e o primeiro numa ilha atlântica, como contava esta reportagem da RTP Madeira.

Pedro Amaral Frazão:
É a primeira vez que esta operação é feita em Portugal, e justamente na Madeira. Não é propriamente o sítio mais fácil. Obviamente, como percebem, esta operação começa sempre no Terminal de Gás Natural em Sines, tem próximos de Sines, não só o Porto de Sines, como Setúbal e Lisboa, pelo menos. E fazê-lo pela primeira vez na Madeira, eu penso que deve ser algo a registar, porque é a primeira operação a fazer no país e, aliás, é uma operação que é uma estreia mundial, na medida em que é a primeira a vez que este tipo de fornecimento ocorre numa ilha. Isto acontece hoje, em Portugal.

No mesmo dia, em Angra do Heroísmo, Terceira, Açores, a ministra do mar falou sobre o Porto da Praia da Vitória, também na ilha. Disse que aquela estrutura era “fundamental para a execução de uma estratégia nacional que tem a ver com o seu posicionamento logístico a nível do Atlântico ligado com o abastecimento do gás natural liquefeito (GNL)”,

Uma semana depois, de 27 de novembro a 1 de dezembro de 2017, realizava-se, em Lisboa, pela primeira vez no país, a Cimeira Mundial do Gás Natural Liquefeito, na sua 18.ª edição. A ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, também lá esteve. Reuniu-se com uma delegação de alto nível da diplomacia energética do Departamento de Estado dos Estados Unidos e, desse encontro, saiu uma declaração conjunta. Dizia, entre outras coisas:

“O Departament of State dos EUA e o Ministério do Mar de Portugal continuarão a trabalhar em conjunto para ajudar a Europa a diversificar os seus fornecimentos energéticos através de novas fontes de gás natural, novas interligações vitais, novas infraestruturas de GNL marítimo e de importação de GNL.”

E sublinhava a ainda importância do Porto de Sines, neste processo. Dizia o comunicado: “O Porto de Sines recebeu a primeira carga de GNL para a Europa, em 2016, e continuou a ser o destino europeu número um para o GNL dos EUA. As exportações de GNL dos EUA contribuem para a criação de empregos no sector energético, contribuem para diminuir os preços energéticos, ajudam a reforçar a segurança energética europeia e reduzem as emissões do sector do shipping.”

Esse momento histórico referido no comunicado dos Governos Português e norte-americano – o da chegada do primeiro carregamento de gás natural liquefeito (GNL) norte-americano destinado à Europa – aconteceu a 26 de maio de 2016. Eram 17h30, quando o navio Creole Spirit chegou ao porto de Sines para descarregar 170.000 m3 de GNL, o correspondente a uma semana de consumo de gás em Portugal, ou dois por cento do total de um ano inteiro, segundo a REN. Durante 24 horas, descarregou gás extraído de furos que utilizam técnicas como a fraturação hidráulica ou fracking, para ser armazenado nos reservatórios de GNL do Porto de Sines.

Para os interesses energéticos dos Estados Unidos da América e da sua indústria petrolífera, estas viagens são para repetir muitas vezes. Como defende o embaixador dos Estados Unidos da América em Portugal, George E. Glass.

George E. Glass:
O Gás Natural Liquefeito e a importação de GNL norte-americano para Portugal – com Portugal a tornar-se num hub do gás para a Europa Ocidental – é uma das maiores oportunidades que Portugal tem tido em décadas.

Glass disse isto em setembro passado ao jornalista Nuno Vinha, do Observador. A conversa fazia parte das Summer Sessions, um conjunto de entrevistas ao ar livre, acompanhadas por um cocktail à escolha do convidado, feitas no terraço do prédio onde o jornal tinha a sua redacção, no Bairro Alto. Enquanto bebia o seu whisky sour feito com Kentucky Bourbon, o embaixador continuou.

George E. Glass:
O que está a acontecer com o GNL e Portugal – sobretudo no que diz respeito ao mundo da energia – está a acontecer incrivelmente depressa, o que significa dois, três ou quatro anos. Posso dizer-lhe que a maioria do GNL norte-americano que chegou à Europa chegou através do porto de Sines. Queremos manter as coisas assim.

Parte V – Viciados em gás

A União Europeia tem previsto o financiamento de dezenas de projetos ligados ao gás vindo dos Estados Unidos da América, de modo a garantir que ele pode chegar aos principais portos europeus e, daí, ser distribuído pelo continente. Haverá tanques para o armazenar mas, também, centrais de regaseificação – é que o gás, para ser transportado, é arrefecido para passar ao estado líquido e poder ser armazenado nos tanques dos navios. Em terra, pode voltar ao estado gasoso, outra vez ou ser assim transportado, por via rodoviária. Depois, ou é armazenado, ou injetado em gasodutos – que também se estão a construir um pouco por toda a Europa.

Entre 2013 e 2018 foram construídos cinco terminais de GNL na UE. Até 2022 estarão operacionais mais 9, muitos deles já em construção. Tudo isto com farto financiamento dos impostos comunitários. Até o verão passado, a UE cofinanciou ou comprometeu-se a cofinanciar projetos de infraestruturas de GNL no valor de 638 milhões de euros.

Tudo isto faz parte de um plano para fazer com que todo este gás americano possa circular, integrado numa rede maior, com outras fontes de fornecimento. Foi em 2014, que a Comissão Europeia iniciou o financiamento dos chamados “Projeto de Interesse Comum – PICs”. Trata-se de obras consideradas chave nas infraestruturas transfronteiriças, de modo a ligar os diferentes sistemas energéticos dos diferentes países e regiões da UE. A ideia é integrar todos os mercados de energia na Europa, diversificando as fontes de energia e as rotas de transporte. É um plano gigantesco, que financia a construção de mega infraestruturas elétricas, de gás e petróleo chamados corredores.

Entre estas obras faraónicas há, por exemplo, o Southern Gas Corridor ou Corredor de Gás do Sul, um conjunto de três grandes gasodutos que ligarão o campo de gás natural de Shah Deniz, o maior do Azerbaijão, localizado no Mar Cáspio, a Itália. Mais de 3500 quilómetros de comprimento e uma das maiores infraestruturas energéticas alguma vez financiadas com o dinheiro dos contribuintes da União, via empréstimos do Banco Europeu de Investimento.

Segundo o organização sem fins lucrativos “CEE Bankwatch Network” – que fiscaliza a aplicação de verbas públicas na UE – o Corredor de Gás do Sul não só não é necessário, como é, antes, um sorvedouro de dinheiro público – até julho do ano passado quase 7 mil milhões de euros tinham sido garantidos através dos Bancos Europeu de Investimento, Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento, do Banco Mundial e dos Bancos Asiático de Desenvolvimento e Asiático de Investimento em Infraestruturas. Além disso, há acusações de práticas de corrupção e violação de direitos humanos contra várias empresas envolvidas nesta mega construção, segundo um relatório do Bankwatch.

Entre 2014 e 2018, a União Europeia entregou perto de 1,62 mil milhões de euros a projetos de gás considerados de Interesse Comum, de um orçamento de 5,35 mil milhões disponíveis para investimentos na área da energia, até 2020.

Também Portugal tem um projeto nesta lista – mais modesto, é certo – mas ainda assim considerado PIC – Projeto de Interesse Comum. Trata-se de uma obra da REN – Redes Energéticas Nacionais e da congénere espanhola, a Enagas. A ideia é construir o terceiro gasoduto entre Portugal e Espanha.

Com 248 km, unirá as redes internas de cada país. Numa primeira fase, é construído um troço entre Celorico da Beira, na Guarda, e a fronteira entre Portugal e Espanha, em Vale de Frades, Bragança. Daí segue outro gasoduto para Zamora, em Espanha.

Na segunda fase será construída em Cantanhede uma estação de compressão – que é necessária para comprimir o gás e fazer com que ele circule nos gasodutos – e é duplicado o troço de gasoduto já existente entre Cantanhede e Mangualde. O objetivo final de tudo isto é permitir que as estações de armazenamento subterrâneas de gás no Carriço, em Pombal, do lado Português, e de Yela, em Guadalajara, Espanha, possam estar ligadas.

O plano é este. Mas este plano de construir o terceiro gasoduto só resulta se for possível que o gás que chega ao porto de Sines possa viajar em grandes quantidades até ao centro da Europa. Para isso tem de passar os Pirenéus. Essa passagem estava prevista através de um novo gasoduto, também considerado Projeto de Interesse Comum, conhecido popularmente como MidCat. Só que a 22 de janeiro deste ano as entidades reguladoras da energia de França e dos mercados e concorrência de Espanha chumbaram o projeto. Consideram-no demasiado caro, sem interesse quer para as empresas de gás, quer para os consumidores dos dois países e afirmaram que ainda há suficiente capacidade instalada nas ligações já existentes entre Espanha e França.

Uns dias antes, a 4 de janeiro a REN tinha anunciado publicamente que o seu plano de investimentos na rede e infraestruturas de gás para o período 2018-2027, num montante 55 milhões de euros, tinha tido luz verde do governo. Os valores destinam-se sobretudo a obras de remodelação e modernização de infraestruturas. Por exemplo, 13,8 milhões serão destinados ao terminal de gás natural liquefeito da REN em Sines. Segundo a empresa energética, este terminal teve em 2018 o seu pico histórico de utilização e, mesmo no final do ano passado, a 22 de dezembro, recebeu o seu n.º 500º: uma embarcação proveniente do Qatar que transportava cerca de 170 mil metros cúbicos de GNL.

Por coincidência ou não, de fora do plano de investimentos prioritários da REN, até 2027, ficou a construção do terceiro gasoduto com Espanha.

Parte VI – Investimento ou especulação?

João Vinagre, que ouvimos no início do episódio, há muito que acompanha estas movimentações. Sabe que a Europa está a viciar-se em gás e não tem dúvidas de que seja o GNL que vem do outro lado do Atlântico, seja o gás natural do Azerbaijão ou aquele que se quer extrair na Bajouca ou em Aljubarrota, as pessoas comuns não terão qualquer controlo sobre o produto, nem isso baixará o seu preço.

João Vinagre: Porque outra coisa que o pessoal também tem de ver é que este gás não é português, hum. É o que eu digo sempre ao pessoal. Este gás é europeu.
Pedro Miguel Santos: Qual gás?
João Vinagre: Além de pertencer às empresas, não é, que o vão extrair.
Pedro Miguel Santos: Se houver gás em Aljubarrota.
João Vinagre: Se houver gás em Portugal, o gás é europeu. É para servir a Europa. Não há nenhum documento que diga que o gás extraído é para ser consumido em Portugal.
Pedro Miguel Santos: Nem o petróleo.
João Vinagre: Nem o petróleo, é quem pagar, leva-o. E todo o projeto da REN é um projeto europeu, é um projeto onde tens o porto de Sines, e talvez o de Matosinhos. De Leixões, não é? Vamos lá ver, espero bem que não. Mas tens o de Sines que vai entrar ali, dali vai para Espanha, de Espanha vai para França, de França é armazenado e é distribuído pela Europa toda. Se for preciso, volta para Portugal, estás a ver a estupidez da cena.

Em 2018, a Cimeira Mundial do Gás Natural Liquefeito, aconteceu pela segunda vez consecutiva, em Lisboa. Carlos Gomes da Silva, Presidente da Comissão Executiva da GALP – que patrocinava o encontro – declarou: “O gás natural é o melhor parceiro para uma nova matriz energética mais sustentável.”

Para o líder de uma empresa que vende gás, faz sentido dizer isto. E a situação, no mundo, dá razão a Gomes da Silva. Segundo a Agência Internacional de Energia, o gás natural fornece 22% da energia utilizada mundialmente e representa quase um quarto da geração de eletricidade no planeta. Entre 2017 e 2023 a China será responsável por 37% do aumento global do consumo de gás natural, mais do que qualquer outro país. A agência prevê ainda que já no final deste ano a China se torne o maior importador mundial de gás. Em 2030, o consumo de gás natural ultrapassará o de carvão, tornando-se o segundo combustível mais usado globalmente.

No final de março deste ano, há poucas semanas, a Agência Internacional de Energia divulgou o seu Relatório Global sobre Energia e emissões de CO2 e os dados mostram que o consumo de energia no mundo cresceu 2,3%, no ano passado. Dessa percentagem, 45% deveu-se à procura por gás natural, que cresceu cerca de 4,6% em 2018, o maior aumento desde 2010. Foi o segundo ano consecutivo de forte crescimento, após um aumento de 3% em 2017. A razão prende-se com a substituição do carvão por gás.

Ao contrário do que se possa pensar, isto não são necessariamente boas notícias, como lembra a professora Júlia Seixas.

Júlia Seixas: É um pouco perigoso termos esta ideia do gás de transição. O problema aqui está no ciclo de investimento das tecnologias. O que é que isto significa? Quando uma indústria decide comprar o seu próximo forno ou a sua próxima central de produção de eletricidade ou mesmo o seu próximo fogão, claro que os tempos de vida mudam, uma central de eletricidade dura 30/35 anos.
Pedro Miguel Santos: Cinquenta se for renovada.
Júlia Seixas: Exatamente. Um forno de uma indústria anda também pelos 25 anos, o seu fogão anda pelos 10 anos, mas seja o que for se eu decidir que agora o próximo ciclo de investimentos será no gás natural isto significa que daqui a 30 anos estamos a acabar este ciclo do gás natural, quando nos próximos 30 anos as opções mais limpas, (que de todas as análises que temos feito a palavra de ordem é que é a eletricidade de fonte renovável, ou a solar, ou por exemplo o solar-térmico para a indústria, que já existem opções de elevadas temperaturas para calor que podem ser utilizadas), vão começar a ser economicamente interessantes, ou já estão, ou vão começar a ser nos próximos 5/10 anos, ou já o são. E, portanto, estamos aqui a cativar 30 anos de investimentos em gás quando nós precisamos de fazer uma transformação muito mais acelerada.
Pedro Miguel Santos: Mas temos esses 30 anos?
Júlia Seixas: Não, não temos esses 30 anos. Do ponto de vista das alterações climáticas e os efeitos que nós estamos a ver e a assistir todos os dias em todas as regiões do planeta dizem-nos que nós não temos 30 anos. Nós não temos de fazer uma transição, nós temos de transformar já.

Entre o que se devia estar a fazer já e o que se faz vai uma grande diferença. A Agência Internacional de Energia, tem vários cenários relativamente à evolução do mercado de gás e diz que até 2023 “o futuro da indústria de gás parece brilhante”. Num relatório dedicado ao gás natural, publicado em maio de 2018, no cenário principal, chamado “New Policies” o consumo de gás aumenta de 1,6% ao ano, entre 2016 e 2040, e, no melhor cenário, designado “Sustainable Development” aumenta 0,6%.

Júlia Seixas: Agência Internacional de Energia as projeções que faz têm vários cenários, eu falei-lhe desse, mas também tem o outro que é o chamado current policies, ou seja as políticas atuais e as políticas atuais levam a um aumento do consumo de gás.
Pedro Miguel Santos: Que na verdade vendo a exportação que existe de gás de xisto dos EUA para a UE, a declaração política conjunta que houve entre o presidente da comissão europeia e o Presidente dos EUA, a subsidiação de projetos de interesse comum a centrais de regaseificação…
Júlia Seixas: É o mais provável que venha a acontecer. É o mais provável que venha a acontecer. Mas isso significa uma coisa, é que na verdade nós em termos de política de alterações climáticas estamos mesmo numa encruzilhada. Ou seja, ou os países que aprovaram nos seus parlamentos o Acordo de Paris levam o Acordo de Paris a sério, ou os governos que aprovaram este Acordo de Paris aprovaram uma coisa e depois querem fazer outra diferente. Aprovar o Acordo de Paris e levar o acordo de Paris a sério significa não explorar, não colocar o mais qualquer investimento a partir de hoje, já devia ter sido a partir de ontem e de anteontem, novos investimentos no ciclo do petróleo. Não pode acontecer. E muito menos no ciclo do carvão. O carvão é um facto um exemplo do que a esmagadora maioria dos países está a deixar de investir. O carvão está a fazer o fase out praticamente no mundo inteiro.
Pedro Miguel Santos: Mas aumentou o consumo de carvão no ano passado, porque é mais barato que o gás.
Júlia Seixas: Em Portugal aumentou porque era mais barato e isso vai ser uma das contradições da neutralidade carbónica. Sabe qual é? Se eu deixar de consumir combustíveis fósseis a oferta vai aumentar e como a oferta vai aumentar o preço vai reduzir, logo ficam mais apetecíveis. Então aqui é que é gigantesca a responsabilidade da política pública.

Conseguirá a responsabilidade política evitar que se extrai gás se ele for descoberto? Portugal importa todo o gás natural que consome e as avaliações apresentadas pela Australis dizem que no subsolo de Aljubarrota há uma estimativa média identificada de 12,98 mil milhões de m3, o equivalente a mais de duas vezes o consumo de gás natural em Portugal, no ano de 2017, segundo o relatório BP Statistical Review of World Energy, de junho de 2018.

Segundo a Associação Portuguesa de Empresas de Gás Natural, as reservas convencionais conhecidas de gás natural no mundo “representam mais de 120 anos do consumo global atual e as reservas totais podem exceder os 250 anos” Serão assim tão importantes as quantidades de gás que o subsolo do centro-oeste nacional poderá guardar?

Para a Australis, que é cotada na Bolsa australiana, é muito importante divulgar as reservas, porque isso não só valoriza a empresa como favorece a sua capacidade de se financiar no mercado bancário. Além disso, as reservas costumam ser usadas para avaliar as empresas e fazer previsões sobre os futuros lucros, o que ajuda os investidores a escolher onde colocar o seu dinheiro.

Portanto, pode dar-se o caso de que os furos de prospeção em Aljubarrota ou na Bajouca sejam apenas uma forma de provar as reservas, de modo a poder contabilizar essas descobertas nos ativos da empresa e não, necessariamente, a vontade de querer implementar uma indústria extrativa de gás em Portugal.

Em outubro de 2018, falei com Paulo Batista Santos, ex-deputado do PSD, presidente da Câmara Municipal da Batalha, que lidera ainda a Enerdura – a Agência de Energia da Alta Estremadura, e é vice-presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria. A sua visão sobre os furos da Australis era bastante critica.

Paulo Batista dos Santos: Queria dizer com todas as palavras que também tenho a noção exata que este tipo de empresas não estão a fazer pesquisa para exploração. No fundo, estão a trabalhar para os chamados mercados futuros. Ou seja, estão a identificar recurso para o colocar em mercados futuros para rentabilizar nalgumas bolsas dos mercados internacionais aquilo que é digamos um recurso e uma concessão que está em sua posse e naturalmente valoriza…
Pedro Miguel Santos: Dando como garantia?
Paulo Batista dos Santos: Dando como e sobretudo para fazer o chamado mercado de futuros, que é o mercado que tem, de facto, hoje alguma projeção, que ele funciona, sobretudo, ao nível dos recursos e que projeta a disponibilidade do recurso a 10, a 15 a 20 anos.
(…)

Paulo Batista dos Santos: É isto que esta empresa está a fazer e eu, toda a franqueza, eu acho que o território português – e, no caso, o meu – não está nada disponível, para além da questão da captação do recurso mas para ser também conhecido internacionalmente como um elemento de especulação financeira pura – que é isso que estamos a falar – sem trazer um valor acrescentado para o nosso território. É isso que é bom que os portugueses tenham noção porque tanto quanto me é dado a conhecer pelo menos nesta questão concreta da concessão da Batalha e Pombal, não estamos a falar em valor acrescentado.

João Camargo:
É óbvio que muitas concessões que existem à escala mundial são meramente movimentos especulativos.

João Camargo é um nome conhecido na lutas pela Justiça Climática. Em 2017, entrevistámo-lo aqui no Fumaça. É investigador em alterações climáticas e ativista do coletivo Climáximo, além de ser um conhecido militante do Bloco de Esquerda e bastante atuantes no movimento social. Escreve regularmente sobre este tema em jornais e revistas nacionais e sempre de forma contundente e sem paninhos quentes.

João Camargo:
A Australis Oil & Gas em Portugal é talvez aquela que eu acho que é mais claramente esse o sentido. Os próprios dirigentes, os próprios CEO’s da Australis diz que as condições que o governo anterior lhe apresentou para receber a concessão eram boas demais para recusar. Não tinha de fazer investimento nenhum…

João não é o único a ver estes furos como uma operação especulativa, outro João, o Vinagre, alinha pela mesma bitola.

João Vinagre:
Portanto, o dinheiro roda, o dinheiro está sempre a rodar. Haja petróleo ou não haja – que eles têm que provar, e isso prova-se com os testes e com os relatórios que eles lançam -, é a possibilidade de existência. Enquanto houver possibilidade de existência, aparece dinheiro. Agora, se o que há é necessário para um dia se abrir uma grande empresa de gás, pá, não sei.

Parte VII – Justiça climática

João Camargo: Bom fim de semana, e bom trabalho.
Segurança: Bom fim de semana e cuidado com a Tempestade, que vem aí.
João Camargo: Vem aí um furacão, olha que coisa mais estranha dois furacões em dois anos consecutivos…
Segurança: Vá, adeus.
João Camargo: Tá tudo normal, tudo normal.
Segurança: Adeus, Boa tarde, com licença.
Pedro Miguel Santos: Então João Camargo, o que é que estão a fazer aqui, conta-me lá?
João Camargo: Nós viemos entregar um gasoduto aqui ao Banco Europeu de Investimento. Hoje é o dia da ação internacional contra o gás natural e o fracking.

Evento do coletivo Climáximo, pelas ruas de Lisboa, a 13 de outubro, Dia Internacional de Acção contra o Gás e o Fracking. Na imagem, a esplanada do Café Gelo, em pleno Rossio. (foto de Climáximo via Flickr)

Neste dia, 13 de outubro de 2018, um sábado, João Camargo – ouvimo-lo aqui em diálogo com um trabalhador de uma empresa de segurança – foi com mais um grupo de cerca de 20 pessoas até ao número 190 da Av. da Liberdade, em Lisboa, sede do Banco Europeu de Investimento (BEI), em Portugal. Antes tinham andado pelo centro de Lisboa, numa ação para assinalar o Dia Internacional de Ação contra o Gás e o Fracking (o Global Gas Frackdown). Construíram um gasoduto em papelão com vários metros e andavam pelas ruas, em fila, segurando-o no topo das cabeças, como se fosse um dragão chinês. No grande tubo de papel havia várias frases escritas. Ao mesmo tempo, iam distribuindo panfletos, com informação. Acabaram no escritório do BEI para protestar contra a absurda quantidade de dinheiro que este banco coloca nos Projetos de Interesse Comum, de que falámos acima.

João Camargo:
Temos muita pena que não houvesse ninguém para poder receber o nosso gasoduto aqui, hoje. Porque andámos aí pela cidade, mostrámos o gasoduto, as pessoas estavam curiosas. O nosso gasoduto traz duas mensagens muito interessantes: “Gás, tão natural como a extinção” e “União Europeia patrocina o caos climático”. E é curioso, daqui a bocado temos de ir todos esconder-nos porque o furacão Leslie, dois anos em sequência, vem aqui. Temos furacões a virem para este lado do Atlântico dois anos consecutivos.

José Rodrigues dos Santos:
O furacão está a chegar à costa. O Leslie deverá entrar em Portugal continental daqui a cerca de uma hora. O furacão deverá entrar a norte de Lisboa pouco depois das 21h00, altura em que os ventos serão mais fortes na zona da capital. Calcula-se que as rajadas atinjam os 190 quilómetros por hora, o que será um recorde em Portugal e fará do Leslie a tempestade mais forte desde 1842.

João Camargo: Temos uma modificação fundamental do clima. Temos temperatura nos oceanos muito mais elevada e, portanto, é possível que um furacão não vá para o sítio onde normalmente vai, para o Golfo do México, mas sim para o lado de cá. Já no ano passado tivemos aqui o Ofélia, com as consequências que houve em termos de incêndios. Esperemos que o Leslie não seja tão catastrófico. Mas de facto, está tudo a mudar muito rápido e temos que travar esta insanidade que são estes projetos europeus de investimento em mais combustíveis fósseis. E nós estamos aqui para fazer a nossa parte. E se eles não nos recebem ao fim de semana, nós vamos voltar.
Pedro Miguel Santos: E o que é que tu achas que o governo português poderia fazer, não concordando com essa ideia dos gasodutos e do financiamento, em relação a isto?
João Camargo: Mas o problema é que o governo português concorda absolutamente com esta ideia dos gasodutos, de transformar até Sines num porto de receção de gás de fracking vindo dos Estados Unidos, especialmente ali do Louisiana.
Pedro Miguel Santos: Ele já veio várias vezes, não é?
João Camargo: Sim, ele já veio várias vezes. Mas a ideia é transformar isso numa rota frequente, não ser uma coisa esporádica de um metaneiro que chega de vez em quando, mas sim algo regular. E é isso que é importante travar. Também é importante travar os metaneiros, mas… De facto, esta ideia de desígnio… Porque além disso, teria como único objetivo criar mais um gasoduto depois criar mais um gasoduto que fosse ligar Portugal ao centro da Europa. Portanto, atravessar Portugal, Espanha, os Pirenéus. É o plano da união energética que a UE tem, de atravessar o continente inteiro com gasodutos de um lado para e o outro e portos para receber gás vindo quer dos EUA, da Argélia, da Rússia, do Azerbaijão, e viciar ainda mais a economia, a sociedade europeia, em combustíveis fósseis, para no fundo fazer o derradeiro resgate às petrolíferas, que é dar-lhes mais 40 ou 50 anos de negócio, enquanto o caos climático se vai acentuando.
Pedro Miguel Santos: E tu achas que vai ser possível travar isso?
João Camargo: Acho que não há nenhuma alternativa a travar isso. Esta semana mesmo saiu o relatório do 1,5º do IPCC, que nos diz uma coisa absolutamente contundente: cortar 45% das emissões de gases com efeito de estufa até 2030. São 12 anos. Eu acho que nós precisamos de despertares destes. Não há mais ninguém para resolver este assunto! Ou as pessoas que estão aqui agora resolvem este assunto ou não vai haver maneira de resolver este assunto.

O tal relatório do 1,5º foi elaborado pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), o organismo das Nações Unidas responsável por avaliar a ciência relacionada com as alterações climáticas e foi pedido na cimeira em que se chegou ao Acordo de Paris. Os Estados queriam saber o que pode acontecer ao Planeta se a temperatura média global subir 1,5º e não 2.º, que foi o limite acordado entre todos.

O aumento da temperatura terá consequências na produção de alimentos e os fenómenos extremos climáticos, como secas, cheias ou furacões, vão provocar não só a destruição de vastas áreas habitadas e de produção de alimento como a migração dessas populações.

As conclusões foram assustadoras: quase 700 milhões de pessoas (9% da população mundial) estarão expostas a ondas de calor extremas, pelo menos uma vez a cada 20 anos, num mundo em que a temperatura suba 1,5 °C. Mas se chegarmos aos dois graus serão mais de 2 mil milhões de pessoas (28,2%) em todo o planeta. Com um aumento de 2°C teremos verão sem gelo na Antártida durante todo ano, mas com aumento de 1,5 °C isso aconteceria apenas a cada 100 anos;
Quanto mais subir o nível dos oceanos, mais refugiados climáticos haverá, gerando tensões sociais e políticas.

O grupo de cientistas do IPCC nunca tinha feito declarações tão concretas: são precisas “mudanças sem precedentes”, dizem. O relatório foi aprovado a 6 de outubro, em Incheon, na Coreia do Sul, e concluiu que limitar o aquecimento global a 1,5 ° C: “requer uma transição rápida e profunda nos sectores da energia, uso do solo, urbanismo e infra-estruturas (incluindo transportes e edifícios) e sistemas industriais”.

Sem precedentes têm sido também as emissões de dióxido de carbono com origem em combustíveis fósseis e na indústria, estimou em dezembro um relatório do grupo de investigação científica Global Carbon Project  (Projeto Carbono Global), que prevê que em 2018 as emissões globais de CO2 tenham aumentado 2%, para um recorde de 37,1 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono.

Mais carbono na atmosfera significa mais calor. Segundo um relatório divulgado em janeiro deste ano pelo Copernicus, o serviço da União Europeia para as alterações climáticas, os últimos quatro anos foram os anos quatro mais quentes já registados. O ano mais quente de todos foi o 2016, depois 2017, em terceiro lugar 2015 e 2018 aparece em quarto.

As temperaturas em 2018 ficaram 1,16 °C acima da temperatura média do final do século XIX, período chamado base pré-industrial para comparar o aumento da temperatura global, confirmou o relatório global de temperatura para 2018 da organização não governamental Berkeley Earth, dedicada ao estudo do clima.

Panmao Zhai, um dos representantes do IPCC envolvido na elaboração do relatório sobre a subida da temperatura em 1.5º disse, em comunicado, na altura em que ele foi divulgado, em outubro:

“Uma das principais mensagens do documento é que já estamos a ver as consequências do aquecimento global em 1 grau Celsius, com temperaturas mais extremas, aumento do nível do mar e diminuição do gelo do Árctico.”

O documento diz que “para estabilizar a temperatura global, seja em que nível for, as emissões de CO2 “líquidas” precisariam ser reduzidas a zero”.

João Camargo: Acho que é um relatório que pauta uma diferença importante em relação aos relatórios anteriores. Ele é muito mais contundente. Talvez também porque o tempo se está a esgotar. É mais difícil os cientistas cederem à pressão de não dizerem aquilo que é preciso dizer: que é, de facto, o nosso modelo económico capitalista não tem ferramentas para resolver este assunto. Porque o capital que hoje existe tem de ser aplicado em resolver este problema, e não aplicado em reproduzir-se a si próprio, que é a única maneira que a hegemonia de pensar e de agir capitalista tem, que é de facto reproduzir, crescer cada vez mais. É aquela ideia que é possível crescimento infinito num espaço finito. Não é! Os limites estão a bater-nos na cara, de inúmeras maneiras. Todas as fragilidades dos territórios muito ameaçadas e o desafio é muito grande. Mas eu acho que é importante ter acontecido este relatório.
Pedro Miguel Santos: Achas que os governos, sobretudo a comunidade internacional, que de alguma forma tem responsabilidades, é um painel que trabalhou a pedido da ONU, portanto é suposto que os resultados digam alguma coisa aos Estados. Mas como tu disseste, 12 anos é muito pouco tempo para mudar o sistema económico. Parece haver aqui ou uma impossibilidade ou um paradoxo ou, então, todos os Estados tinham que rapidamente acreditar no mundo mais justo e distributivo.
João Camargo: Há uma necessidade de disrupção. Nós estamos a assistir a disrupções dos sistemas democráticos, em geral, mas todos a partir para o lado errado. Isto é, pegar nas consequências e não perceber minimamente como avaliá-las e, portanto, responder como se fossemos neandertais. É isso que nós temos hoje. Mas o que nós precisamos é de uma ideia alternativa a isto, e rápida! E existem, seguramente. Ninguém precisa de inventar a pólvora. Tecnologicamente não existe nenhum obstáculo de monta. Existem gigantescos obstáculos políticos e esses têm de ser derrubados por movimentos sociais, têm de ser derrubados por movimentos populares, criando e obrigando, até as forças que se reivindicam progressistas e emancipatórias, a ter um programa que responda a isto.

‘Não há planeta B’, ‘Não há planeta B’, ‘Não há planeta B’

Parece que a resposta que João Camargo anseia germina nos mais novos. Dia 15 de março por todo o país, em pelo menos 27 locais, incluindo Madeira e Açores aconteceu a primeira Greve Climática Estudantil. Foi a maior manifestação em defesa do planeta Terra e contra as alterações climáticas alguma vez realizada em Portugal. Em Lisboa, no percurso entre a Praça Luís de Camões e a Assembleia da República estariam 10.000 pessoas, reivindicou a organização.

Greve Climática Estudantil, 15 de março de 2019. Rua de São Bento, Lisboa, em frente ao Parlamento. (foto de Joana Batista/Fumaça)

‘Mudança’, ‘Mudança’, ‘Mudança’

Eram tantos e tantas. Com a garra, a alegria e o espanto de estar a participar em algo único, num momento que provavelmente nunca mais esquecerão.

Greta Thunberg:
My name is Greta Thunberg, I am 15 years old and I’m from Sweden. I speak on behalf of climate justice now…

Inspiram-se em Greta Thunberg, agora já com 16 anos, rosto e ícone do movimento Greve Climática Estudantil que nesse dia levou milhões a trocar as salas de aula pelas ruas, em todo o mundo. A sueca iniciou um protesto, em agosto de 2018, que repetiu todas as sextas-feiras, sentando-se em frente ao Parlamento da Suécia para exigir medidas concretas dos políticos no combate às alterações climáticas. Já discursou perante os maiores líderes mundiais: esteve na cimeira das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, realizada na Polónia, em dezembro passado; no Fórum Económico Mundial, em Davos, Suíça, este janeiro; ou na Comissão Europeia, em fevereiro. A mensagem é direta e sem rodeios: se os dirigentes políticos mundiais não fazem o necessário para travar as emissões com gases de efeito de estufa e não querem realmente fazer mudanças, ela e a sua geração farão.

Não pedirão licença, nem desculpa. Pedem ação e respostas.

‘Ó senhor ministro, explique por favor porque é no inverno ainda faz calor?’
‘Ó senhor ministro, explique por favor porque é no inverno ainda faz calor?’

Greve Climática Estudantil, 15 de março de 2019. Rua de São Bento, Lisboa, em frente ao Parlamento. (foto de Joana Batista/Fumaça)

Beatriz Barroso, 17 anos, de Palmela, em Setúbal, e Matilde Alvim, também com 17 anos, de Lisboa, não se conheciam muito bem, mas ouviram falar de Greta Thunberg e da Greve Climática e decidiram juntar-se para organizar algo semelhante em Portugal. Juntas, subiram os degraus da escadaria da Assembleia da República, encararam os milhares de colegas e amigos que tinham à sua frente e leram o manifesto.

Beatriz Barroso: Nós fazemos greve pelo clima. As alterações climáticas vão continuar a intensificar-se se não for posto um travão. Quem é que o irá por? Nós, todos juntos. Os nossos líderes, tanto portugueses como à escala Mundial, falharam-nos, agem de uma forma egoísta e despreocupada e não são capazes de responder com eficiência e urgência à crise climática que aumenta todos os dias diante dos nossos olhos.
Matilde Alvim: As metas e objetivos que se propõem a atingir são poucos ambiciosas para o tamanho deste problema. Vivemos num sistema que coloca sempre o interesse económico à frente do interesse humano e natural. Inúmeros acordos e protocolos já foram ratificados. Mas de que serve isso se não [são] cumpridos com rigor? Têm a sobrevivência do Planeta na mão e brincam com ela. Algo aqui não está bem. E estas greves abalam o panorama internacional, são a voz de uma juventude farta da negligência das classes políticas face ao futuro.
Esta é a nossa maneira de exigir que nos ouçam de uma vez por todas. (…)
Para evitarmos a catástrofe climática medidas mais sérias e urgentes necessitam de ser implementadas. Os estudantes portuguesas fazem greve pelo clima exigem ao governo: a proibição de exploração de combustíveis fósseis em Portugal; a meta para a neutralidade carbónica ser reduzida para 2030 e não 2050, como previsto pelo governo…
Beatriz Barroso: …a expansão significativa das energias renováveis e especialmente da energia solar; a produção ser 100% assegurada por energias renováveis num médio prazo e o encerramento das duas centrais elétricas ainda movidas a carvão: central de Sines e central do Pego; e o melhoramento eficiente e drástico do sistema de transportes públicos.

Beatriz Barroso:
O nosso movimento é estudantil, internacional, pacífico, descentralizado, determinado e apartidário. Cada participante conta. E muito. Vamos fazer a diferença pessoal!

E talvez façam, porque de tanta semente que nestes dias foi lançada à terra, alguma há-de vingar. No próximo dia 24 de maio foi convocada uma nova greve climática de estudantes em todo o mundo. E o grupo nacional que organizou a greve de 10 de março já iniciou a mobilização para um dia de protestos ainda mais expressivo.

Da primavera para o verão, as coisas vão aquecer. Na Bajouca, sítio onde a Australis quer fazer um furo de gás, também se prepara uma sementeira. Entre os dias 17 a 21 de julho de 2019 realiza-se um acampamento de acção contra o gás fóssil e pela Justiça Climática. Chama-se Camp-in-Gás e é organizado por vários dos coletivos de que aqui falámos ao longo desta série como o Climáximo, a Campanha Linha Vermelha, o Peniche Livre de Petróleo ou o Movimento do Centro Contra a Exploração de Gás.

Querem realizar acções de formação ativista, sessões de esclarecimento, construir materiais de protesto e, no final, dizem -e cito – “vamos pacificamente bloquear uma infraestrutura de gás com os nossos corpos”.

O local escolhido para esta ação é o Parque Natural do Pisão – a área verde mais amada da freguesia – que é gerida pela ABAD – Associação Bajouquense para o Desenvolvimento.

Não é por acaso que esta associação se junta aos ativistas. Quem esteve na sessão de esclarecimento que a Australis realizou nas instalações da ABAD, a 29 de janeiro deste ano, e ouviu as palavras de Fátima Fernandes, presidente da associação, tinha de ter percebido que não vai ser fácil avançar com um furo de gás na Bajouca.

Fátima Fernandes:
Não precisamos de ouvir o senhor secretário geral das Nações Unidas alertar para o flagelo das alterações climáticas, porque todos os dias temos provas inequívocas que nos demonstram que se continuarmos neste caminho estamos perto do abismo. Estamos num país onde o primeiro-ministro anuncia com orgulho a introdução de um imposto para nos obrigar a reduzir o consumo de hidrocarbonetos e depois admite, por outro lado, que o nosso país possa ser perfurado para prospeção e exploração desses mesmos hidrocarbonetos.

Por um mundo melhor, dizemos não à prospeção e exploração de hidrocarbonetos aqui e em qualquer lugar do mundo.
Dizemos não à continuação de políticas cujo único interesse são os lucros infindáveis, sem quaisquer preocupações sobre a destruição de recursos naturais.
Defendemos a aposta nas energias renováveis. Defendemos a introdução de políticas que provoquem mudanças nos hábitos de consumo da população. Defendemos um progresso sustentável, pois só assim, podemos andar de cabeça erguida e entregar aos nossos filhos e netos um futuro com a qualidade de vida que nós tivemos.
Apesar de estarmos inseridos numa pequena aldeia não somos incultos e sabemos perfeitamente das vantagens que o gás natural traz em relação ao petróleo. Mas também sabemos que ambos são hidrocarbonetos. Não fazemos disto uma questão pessoal ou pontual, apenas acreditamos que todos juntos podemos fazer a diferença. Podemos tornar o mundo num local melhor onde o respeito ambiental supera os interesses vorazes do dinheiro. Não vamos arriscar. É preciso prever, prevenir, proteger e garantir a qualidade do ar e da água indispensáveis à continuação da vida.
Apelamos a todas as empresas, nomeadamente à Australis, que persistem na prospeção, exploração e produção de combustíveis fósseis para que convertam o seu conhecimento e capacidade financeira em sistemas de produção de energias renováveis. Apelamos ao governo para que cancele todos os contratos em vigor no território nacional para prospeção, exploração e produção de gás e petróleo, que revogue o decreto lei n.º 109/94 de 26 de abril e que promova a efetiva transição para a produção e consumo de energias renováveis.

O futuro da Bajouca pertence aos Bajouquenses.
A nossa vontade e convicção são insuperáveis.

(Nota: o que vais ouvir, ler ou ver foi produzido pela equipa do Fumaça, um projecto de jornalismo independente, e foi originalmente publicado em fumaca.pt.)

Autor:
18 Maio, 2019

O Fumaça é um projecto de jornalismo independente. Um meio contra-poder que quer descodificar os processos e estruturas formais e informais da Democracia representativa em que vivemos: questionar as decisões tomadas, responsabilizar quem as toma e escrutinar as pessoas que mandam e actuam no sistema político-partidário.

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